Por que Deltan (ainda) não “morreu”?

Ele almeja grandeza apesar de ser medíocre. Insiste que é o profeta Daniel, mas corre de qualquer leão. Gagueja, incapaz de dissertar. Tem religião, mas não projeto. Ainda assim, o laboratório fascista pode reinventá-lo com outra ladainha

.

Quem acompanha a fantasiosa saga do ex-deputado Deltan Dallagnol, já percebeu que como figura pública ele é um amontoado de elementos caricaturais. Os memes do powerpoint, que o ridicularizam até hoje, ajudam no deboche de um personagem farsesco, por isso facilmente risível. Farsesco porquê dá mostras de acreditar em tudo que prega. O termo é mesmo pregação, pois facilmente se compara ao profeta Daniel (nem os profetas escapam de suas sandices!), e já rompeu completamente a barreira que separa teológico e político.

Na comparação ao profeta Daniel, fica maior ainda sua caricatura. Não há nada nele que lembre o corajoso homem de fé que desceu à cova dos leões. Em sua figura, vemos a mediocridade típica da classe média, que nunca fala de sua coragem por si mesma, pois não tem obras que a demostrem. Na falta delas, vemos apenas o enorme desejo de ser grande, pois há também a consciência da incapacidade. Por isso, ele tenta colar sua imagem nos profetas e homens de fé. Ainda não se estudou demoradamente porquê o movimento religioso carismático se cola facilmente em uma visão de mundo classe média.

É certo que Daniel, o profeta, nunca faria parte da burocracia estatal, e nunca creditaria sua fé nos aplausos público. Qualquer cristão de bom senso, ou mesmo qualquer ateu que sabe ler retamente o livro do profeta Daniel, observará que nada há em Deltan que lembre, nem de longe, o mínimo resquício de coragem sagrada. O ex-procurador é uma prova viva da corrupção do cristianismo na atualidade. Olhando para ele, vemos a figura de quem nunca desceu nem ao play do prédio onde morou na infância, que dirá à cova dos leões.

Dizer que ele prega a si mesmo é pouco, dizer que ele é um falso profeta não abarca tudo, pois não estamos apenas no âmbito da corrupção religiosa. Sua megalomania é puro desvio de personalidade? Não, em absoluto. Essa megalomania risível, contudo, desvia nosso olhar das causas políticas da esguia figura de óculos, que luta com dificuldade para se apresentar com um bom discurso, dada sua notável falta de boa oratória. Mais um elemento de constrangimento para os outros profetas com os quais ele se compara (sim, paradoxalmente, sua megalomania é diretamente proporcional à sua mediocridade!).

Este mesmo elemento pode ser observado, e não é mera coincidência, em outras figuras do mesmo espectro político, ainda que não recorram ao discurso religioso. Contudo, não me refiro, aqui, às figuras deste espectro que sempre habitam na terra do grito e dos insultos monossilábicos. O ex-procurador, assim como o ex-juiz, gagueja quase sempre, troca termos e têm sérias dificuldades de dissertar/falar sobre temas complexos. É penoso ouvi-los, embora seja necessário para entendermos o laboratório fascista que foi construído entre nós.

Quando falo aqui de fascismo, estou apontando para algo que vai além das manifestações do autoritarismo brasileiro. O laboratório fascista é uma fábrica de figuras como Deltan, por isso, elas se multiplicam diuturnamente. Vocês já perceberam como a voz do ex-procurador é sempre trêmula, quase hesitante, embora ele afirme ter sagrada certeza daquilo que defende?

Mas o que há entre a certeza das suas convicções e a aparente hesitação da voz tremula? É preciso que nós não nos percamos na fácil caracterização. Desde sua atuação na procuradoria, Deltan tem práticas fascistóides. Precisamos, todavia, pensar quais são as singularidades do fascismo brasileiro. Sim, penso que se adotarmos um modo de compreensão comparativo e abstrato, como estamos fazendo até agora, confiando que entenderemos nossas mazelas, simplesmente “traduzindo” para nossa realidade o fascismo histórico europeu: estamos mais que perdidos. Sinal claro desta desorientação é ouvirmos os mesmos argumentos de caracterização serem usados tanto por um político de esquerda, quanto por um jornalista da direita liberal.

Não existe um tipo geral e abstrato de fascismo. Como todo fenômeno social, ele se dá em sociedades particulares e tempos históricos determinados. Sendo fenômeno social, ele é sempre processual, não é algo que acontece de forma instantânea. Por isso, o uso do termo laboratório fascista.

Repare o leitor, que a própria trajetória de Deltan dá provas deste caráter laboratorial de experimentação. Da procuradoria à atuação parlamentar, ele vai testando os lugares nos quais suas ações e discursos fascistóides podem encontrar maior penetração. Porém, além disso, sua incapacidade expressiva, mostra que ele é um fascista à procura de um discurso. Quando falo “à procura de um discurso”, me refiro ao ainda não estabelecimento de um conjunto organizado de ideias, com o qual ele possa fazer um chamamento programático uniforme. É isso, ou melhor a falta disso, que há entre as certezas das convicções e a voz trêmula.

Ademais, este conjunto programático de ideias deve se sustentar amalgamando o elemento religioso (uma das caleracterísticas do pensamento fascista brasileiro), e não apenas se utilizando da religião das mais diferentes maneiras, como ele fez até agora. A ideia de moralidade pública de Deltan não é mais que seus princípios religiosos, como virmos na sua defesa de que as mulheres não devem ter equiparação salarial aos homens. Reparem que ele pouco apela ao discurso patriótico mais vulgar. Sua ideia de nação não é nada cívica, mas teológica.

Mas aqui, nosso leitor pode pensar: “então ele é inofensivo, pois ainda não tem um claro e público conjunto programático e discursivo de ideias, além de ter perdido o mandato (…)”. Muito pelo contrário, pois estamos em um laboratório fascista, que por enquanto faz experimentações no campo das linguagens, dos discursos. Com tempo livre, gozando dos privilégios da classe média, é certo que empregará seu tempo na busca e estabelecimento desse discurso.

Leia Também:

4 comentários para "Por que Deltan (ainda) não “morreu”?"

  1. Jorge disse:

    Nem vou gastar meu olho e meu tempo lendo esse estrume de palavras rasbiscado num papel digital.

  2. Maria de Lourdes Abido disse:

    Salve Deltan Delagnol!Que Deus o proteja e proteja também Sergio Moro da perseguição dos políticos e dos togados corruptos.A inversão dos valores no Brasil não permite que nosso país seja um país sério e protetor das pessoas honestas.

  3. Tiago disse:

    Fran de Oliveira Alavina, ainda bem que o AMOR venceu. (Contém ironia)

  4. José Mario Ferraz disse:

    Persegue os homens da Lava Jato quem teme a justiça. Precisamos de homens de verdade como Deltan e Moro para moralizar esta esculhambação em que foi transformada a política.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *