É preciso chamar a extrema-direita pelo nome

Termos eufemísticos como “populismo” legitimam esses grupos – e mascaram seu elitismo radical, diz cientista político. Também fazem parecer “populares” pautas impostas de cima pra baixo, como o ódio aos imigrantes. Esquerda não pode cair nesse erro

Ilustração: Eleanor Shakespeare
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Por Aurélien Mondon, entrevistado por Glauco Faria

Nas eleições presidenciais de 2018, no Brasil, a maior parte da mídia tradicional hesitava em classificar o então candidato do PSL Jair Bolsonaro como representante da extrema-direita. Este não é um fenômeno apenas nacional, mas também alcança outros países.

O professor sênior de política na Universidade de Bath, Aurélien Mondon, aponta, em artigo, a equivocada simplificação em relação a determinadas figuras e partidos do cenário político chamados de “populistas”.

“A utilização do termo ‘populista’ em vez de termos mais precisos, mas também estigmatizantes, como ‘extrema-direita’ ou ‘racista’, funciona como um legitimador fundamental da política de extrema-direita”, argumenta, destacando que muitas vezes esta operação também é realizada no meio acadêmico.

Mondon concedeu uma entrevista por e-mail na qual aponta ainda que a utilização da palavra “populismo” vincula este grupo político a uma noção de “povo”, por conta do elo semântico, mesmo que sua política seja “inerentemente elitista”.

Partidos não alinhados aos extremistas também acabam cometendo erros ao cair nas armadilhas deste segmento, buscando reagir ao que seriam falsas questões, como a imigração em diversos países europeus. Isto ocorre, segundo ele, “apesar de as pesquisas de opinião mostrarem que, em muitos contextos, essa questão é construída de forma descendente (por atores de elite, com acesso privilegiado ao discurso público, colocando a questão na agenda) em vez de forma ascendente, por meio das queixas da população”.

Confira abaixo a entrevista com Aurélien Mondon.

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Glauco Faria – De que forma o uso do termo “populismo” pela mídia mainstream, em vez de “extrema-direita”, acaba legitimando posições políticas extremistas?

Aurélien Mondon – O uso do termo “populismo” legitima a extrema-direita de duas maneiras principais. Primeiro, eufemiza a natureza da política desses partidos e movimentos, pois sua principal característica é serem de extrema direita. Alguns podem ser populistas, mas isso é apenas secundário, é no máximo uma ideologia tênue, adicionada a outras mais primárias, como o racismo ou o autoritarismo, ou é uma forma de discurso que simplesmente visa a construir um povo contra uma elite. Como tal, o populismo não nos diz muito sobre a política desses partidos, pois pode se aplicar tanto à política de esquerda quanto à de extrema-direita.

Segundo, dá aos partidos de extrema direita um verniz de legitimidade democrática, pois os vincula ao “povo” através do elo semântico criado pelo populismo. Isso apesar do fato de seu apoio geralmente estar longe de ser majoritário (e, de fato, às vezes ser bastante marginal), seja em termos de resultados eleitorais ou atitudes mais amplas, e que sua política é inerentemente elitista.

No Brasil, Jair Bolsonaro, antes de se candidatar à presidência, costumava aparecer diariamente em programas de TV populares. A busca da indústria do entretenimento por maior audiência também contribui para normalizar representantes da extrema-direita?

Sem dúvida alguma. A plataforma acrítica de atores de extrema-direita é extremamente prejudicial para o discurso público e a democracia. A política de extrema-direita deve ser discutida, mas não nos termos da extrema-direita, e certamente não por humanizar figuras que buscam minar os direitos das minorias. Vimos isso acontecer em muitos contextos e toda vez acabou levando à normalização de atores de extrema-direita e de sua política.

Em países onde a extrema-direita tem crescido ou até mesmo chegado ao poder, como o comportamento da direita tradicional auxilia nessa ascensão?

Não é apenas a direita tradicional que abriu caminho para a extrema-direita chegar ao poder, mas também os partidos de esquerda. Em geral, esses partidos desempenharam um papel fundamental no processo de mainstreaming, aceitando que as ideias promovidas pela extrema-direita são preocupações legítimas, embora geralmente negando que a extrema-direita ofereça as soluções certas. Isso foi visto, por exemplo, pela forma como esses partidos exaltaram a “questão da imigração”, apesar de as pesquisas de opinião mostrarem que, em muitos contextos, essa questão é construída de forma descendente (por atores de elite, com acesso privilegiado ao discurso público, colocando a questão na agenda) em vez de forma ascendente, por meio das queixas da população. Isso serviu para desviar a atenção das falhas dos partidos tradicionais em lidar com as muitas crises que sua população, seu país e o planeta enfrentam.

Para entender o crescimento desse segmento político, é necessário analisar o racismo, a misoginia, a homofobia e outros fatores que são inerentes à estrutura das sociedades?

É necessário e [esses fatores] devem ser analisados como um todo, pois a extrema-direita muitas vezes obteve sucesso em colocar certas comunidades umas contra as outras, enquanto todas perdem quando a extrema-direita chega ao poder. Por exemplo, muito se falou sobre o apoio da classe trabalhadora ao Brexit no Reino Unido e a Donald Trump nos EUA, apesar de evidências que mostram claramente que seu apoio veio de setores ricos da população. Essa narrativa foi usada para colocar a classe trabalhadora contra a imigração, apesar dessas comunidades estarem intrinsecamente ligadas e ambas serem, em última análise, ameaçadas pela política de extrema-direita em favor do capital. O mesmo pode ser visto quando se trata de estratégias de extrema-direita de usar os direitos das mulheres como formas de ataque contra as comunidades muçulmanas ou pessoas trans.

Até que ponto a exploração de uma espécie de ressentimento em relação à ascensão das minorias, que ganharam reconhecimento material e simbólico em vários países, tem sido uma força motriz para o crescimento dos extremistas?

Os pânicos morais em relação às minorias que estariam ganhando direitos indevidos têm sido centrais no ressurgimento da reação, embora sejam baseados em um completo mal-entendido da situação. A igualdade de direitos para muitas minorias continua não apenas inconclusa, mas também extremamente precária, como demonstraram os acontecimentos recentes. É por isso que é absolutamente essencial manter-se firme nas exigências de direitos iguais para todos, uma vez que qualquer revés para alguns poderá conduzir ao desmoronamento dos direitos de todos.

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Um comentario para "É preciso chamar a extrema-direita pelo nome"

  1. Carlos Filho disse:

    A opinião de um estrangeiro!

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