Revolta e melancolia
Onde se fala da passagem de Michael Löwy por Lisboa e se conta a história de Antonio Tereso, um homem que aceitou as piores humilhações para salvar os seus
Publicado 06/02/2017 às 19:06
Onde se fala da passagem de Michael Löwy por Lisboa e se conta a história de Antonio Tereso, um homem que aceitou as piores humilhações para salvar os seus
Por Nuno Ramos de Almeida
Durante meses, apenas José Magro sabia da missão de António Tereso. Sim, é o nome da pessoa que morreu há pouco tempo sem pompa e circunstância, como morrem os homens e as mulheres. Anos mais tarde, o dirigente do PCP Domingos Abrantes confirmou-me a história. Tereso fora convencido a “rachar” para descobrir os pontos fracos da cadeia. “Quando o Zé Magro foi colocado numa outra sala, teve uma ideia genial: convencer o Tereso a ‘rachar’. O Tereso nem queria acreditar. Um rachado era um tipo desprezível, que colaborava com os carcereiros.
Ninguém falava ao tipo, nem à própria família. Mas o Zé Magro convenceu-o da justeza da tarefa, uma tarefa terrível, porque se aquilo desse para o torto e acontecesse alguma coisa ao Magro, ninguém saberia que ele estava combinado com o partido. Arranjou um conflito interno, bateu com a porta: ‘Estou farto destes gajos, comunismo já basta’. Depois de desconfiarem, lá o aceitaram, e o Tereso passou para os rachados”, contou-me Abrantes.
Ganhou a confiança da direção da prisão de Caxias e, como era bom mecânico, puseram-no a arranjar o carro blindado de Salazar, que estava a reparar na prisão. A 4 de dezembro de 1961, oito militantes comunistas fugiram no carro blindado de Salazar. Ao volante estava António Tereso. Na maior parte das vezes, a fidelidade à ideia não tem um final feliz. Mas sem essa capacidade de ser fiel e constante não é possível acontecer nada. Os nossos atos podem, em determinadas circunstâncias, rasgar algo que parecia uma opressão imutável, mas quem o faz paga um preço sem saber do resultado. Apenas tem essa capacidade de não aceitar o intolerável, custe o que custar. Foi assim que Rosa Parks, que comemoraria o seu aniversário esta semana, fez. Parecia um dia como outro qualquer, 1 de dezembro de 1955. Uma costureira de 42 anos sentou-se no ônibus nos lugares disponíveis para “gente de cor”.
Na cidade de Montgomery, no estado do Alabama, a lei dizia explicitamente que quando os brancos não tivessem lugares sentados podiam obrigar os negros a levantar-se, e se o veículo estivesse muito cheio, os negros podiam ser despejados para a rua. Nesse dia, vários brancos entraram no ônibus e muitos negros levantaram-se dos seus lugares. Mas não todos. Rosa Parks recusou fazê-lo. “Estou cansada de ser tratada como uma pessoa de segunda classe”, disse ao condutor. E a história rompeu naquele ponto. Alguém que era objeto de opressão tornou-se sujeito de transformação.
Esta semana vem a Lisboa o pensador Michael Löwy. Autor de uma importante e original obra, Löwy tem a característica admirável de conseguir escrever claro coisas complicadas, fazendo parecer cristalino aquilo que nos parece enevoado. Essa clareza tem dois aspectos que penso serem intrinsecamente políticos: a ideia de que é preciso criar sentido num mundo difícil e a determinação de escrever para que as pessoas o entendam, não cultivando um discurso de casta que impeça todas e todos de participarem no processo do conhecimento. O seu trabalho sobre o romantismo revolucionário como revolta e a necessidade de reencantarmos o mundo, e nos reencantarmos, para o conseguir transformar é especialmente brilhante. Como dizia o surrealista André Breton, citado por Michael Löwy no seu A Estrela da Manhã, Surrealismo e Marxismo: “É a revolta, e somente a revolta, que é criadora de luz. E esta luz não pode ser conhecida senão por três vias: a poesia, a liberdade e o amor.”
As paixões, como as revoluções, são tentativas de rompermos as leis que nos condenam à mediocridade e à servidão. No fim estaremos todos mortos, o que conta é termos sido capazes de um gesto livre.
O pai da minha ex-esposa serviu 6 anos no Exército de Salazar. Era salazarista roxo, mas meteu o pé na estrada quando quiseram enviar ele para a II Guerra Mundial como enfermeiro da Cruz Vermelha. Após alguns meses foragido na área rural de Faão foi metido a ferros. Fui para a prisão, não para a guerra – dizia. Depois veio para o Brasil… Geralmente eu me dava bem com ele. Mas quando ele falava bem de Salazar (que também era Oliveira) a conversa desandava, pois eu começava a elogiar a Revolução dos Cravos.
Bom. Mais gostei mto .das palavras de finais..