Para entender as três crises do Haiti

Sujeito a terremotos e tempestades intensos, país enfrenta desastres naturais frequentes. Mas piores são os dramas políticos: imperialismo e ações de suposta solidariedade criam ambiente instável e bloqueiam lutas sociais e busca de autonomia

O último terremoto no país ocorreu no dia 14/8, a 12 km da cidade de Saint-Louis-du-Sud, localizada a cerca de 160 km da capital haitiana Porto Príncipe – Stanley Louis/ AFP
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Título original: A vulnerabilidade territorial do Haiti: um país de crises ambientais, sociais e políticas

Devido à sua localização geográfica, o Haiti é muito vulnerável a alguns eventos naturais destrutivos, como terremotos, tempestades tropicais, deslizamentos de terra e inundações. Historicamente, esses eventos comprometem as infraestruturas (estradas, habitações, pontes, escolas, edifícios públicos, centros de saúde, entre outros) e causam muita perda de vidas humanas no país. No entanto, alguns furacões, em particular os que ficaram conhecidos como Gustav e Hanna, constituíram, em termos de danos, o quarto maior desastre que atingiu o Haiti desde o início do século XX. De acordo com Reliefweb (2008), diversas tempestades tropicais afetaram o território haitiano: Fay (15 de agosto de 2008), Gustav (26 de agosto de 2008), Hurricane Hanna (6 de setembro de 2008) e Ike (8 de setembro de 2008). Mais de 328 pessoas morreram e 101.810 famílias foram afetadas devido a essas tempestades, incluindo 125 em Gonaïves/Artibonite. (Reliefweb, 2008). Além desses eventos climáticos, houve o devastador terremoto de 12 de janeiro de 2010, que causou a morte de 300.000 pessoas e destruiu muitas infraestruturas do país.

De Pérola das Antilhas durante a época colonial, a República do Haiti se enfraqueceu em todos os aspectos e atualmente é considerado o país mais vulnerável da América. Com 11.402.533 habitantes, além da alta suscetibilidade de sofrer danos e perdas materiais com os desastres ambientais, o Haiti é considerado um dos países mais subdesenvolvidos e pobres do mundo. Segundo dados do IBGE Países (2021), o Haiti possui 24% da população vivendo na extrema pobreza, isto é, sobrevivendo com menos US$ 1 por dia, em média. 42,9% de sua população vive no campo e 57,1% na área urbana. A taxa de alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais é estimada em 61,6% e a de desemprego e o subemprego afetam 60% da população, além do setor informal representar 80% do emprego total. A quantidade de pessoas que não possuem acesso ao tratamento de água potável e esgoto é, respectivamente, de 33,3% e 62,8%. Com isso, de um total de 182 países, o Haiti ocupa o 170° lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ou seja, um dos mais baixos do mundo.

Para termos uma ideia da localização geográfica e da divisão político-administrativa do país em departamentos (semelhante ao que chamados de estados ou Unidades Federativas no Brasil), o Mapa 1 ilustra essas informações.

Mapa 1 – Localização do Haiti e seus respectivos departamentos. Fonte: Sainté e Lämmle (2021b).

A condição geográfica de fragilidade social, econômica, ambiental e política do Haiti leva os cidadãos a viverem um cotidiano de vida precária e a praticarem, por exemplo, a superexploração dos recursos naturais e o não cumprimento das diretrizes ambientais. O subdesenvolvimento alcança seu maior ápice nos meios rurais, onde moram 42% de toda a população e onde existe, por exemplo, altos níveis de desmatamento e trabalho em condições extremamente precárias. E devido aos fortes desequilíbrios macroeconômicos e estruturais, a maior parte dos habitantes do país acaba se encontrando praticamente privada das necessidades básicas (alimentação, moradia, saúde, educação, segurança etc.) (SNGRD, 2014).

Mas com os recentes acontecimentos de ordem ambiental e política, podemos constatar que as condições socioeconômicas do Haiti se tornaram ainda mais difíceis, explicitado pelo forte predomínio da instabilidade cívica e do aumento da violência e da pobreza. A realidade é tão complexa que exige que façamos uma análise dos principais fatores envolvidos na sua vulnerabilidade territorial para entender como certas políticas de Estado poderiam ser melhor empregadas para mitigar a situação crítica do país. A questão ambiental é considerada um dos problemas mais urgentes e que o governo haitiano deveria agir com maior rigor. Mas a constante instabilidade dos governos, os processos de corrupção, a falta de recursos financeiros e a ausência de uma equipe de profissionais tecnicamente mais qualificada para o planejamento e execução de políticas públicas impedem que o Estado tenha capacidade de lidar com as mazelas da sociedade.

Condições geográficas da alta vulnerabilidade ambiental do Haiti

O Haiti é um país que, em termos naturais, se encontra em uma localização desprivilegiada, já que é foco de frequentes eventos de terremotos, maremotos, furacões, tempestades e inundações. A seguir, entenderemos um pouco mais do porquê o Haiti ser tão vulnerável aos desastres ambientais e como os recentes eventos destrutivos agravaram a situação humanitária do país.

A questão geológica e os terremotos

A vulnerabilidade do Haiti em relação aos desastres ambientais é pelo fato do país estar localizado em um arco insular das Antilhas oriundas da ligação das placas tectônicas do Caribe e do Atlântico, o que favorece a ocorrência de terremotos, que às vezes podem ser de intensidade alta e causar maremotos, como no caso de Saint-Marc em 1932, Porto Príncipe em 1750 e 1770, Cabo Haitiano em 1842 e 1887, Anse-à-Veau em 1952, e também o terremoto 12 de janeiro de 2010 (Sainté e Lämmle, 2021a). Mais recentemente, destaca-se o terremoto ocorrido em 14 de agosto de 2021, que resultou mais uma vez em grandes desastres do país.

Foto 1 – Terremoto no Haiti,há 10 anos. Fonte: ONU-Info (2010).

Os terremotos ocorridos no Haiti em 12 de janeiro de 2010, quando comparados a outros desastres naturais, ocupam o primeiro lugar em termos de perdas de vidas humanas, podendo ser justificado pela intensidade dos eventos e infraestrutura precária da população. Ao contrário das inundações, os terremotos não dependem do uso e ocupação da terra por parte das atividades humanas, o que o torna altamente imprevisível em termos de danos materiais.

Além dos problemas socioambientais, o contexto tectônico das placas é um dos meios que permite compreender a paisagem geológica na qual a população haitiana se constituiu. O Haiti está posicionado no contato ao norte das placas caribenhas. Por toda a extensão longitudinal deste contato, a placa tectônica norte-americana se move na direção oeste e possui em torno de 200 quilômetros de largura, delimitada por duas grandes falhas (uma ao Sul e outra ao Norte), se movendo em torno de 10 mm ao ano. Desta forma, o atrito entre elas (ocasionalmente denominadas de bloco de Genave) acaba sendo responsável por parte dos desastres naturais que ocorrem com relativa frequência no Haiti. Essas falhas pertencem ao sistema tectônico de Santo Domingo, o qual o Haiti pertence à porção ocidental da ilha (ver Mapa 2).

Mapa 2 – Sistema tectônico do Caribe.

Existe, portanto, uma tripla causa de sismicidade no país: a falha setentrional ao norte e a nordeste da ilha, a falha de Enriquillo no sudoeste e cadeias montanhosas na parte central. Os especialistas verificaram dez eventos que alcançaram ou extrapolaram a magnitude 7 na e escala Richter desde o século XVII, uma média de um a cada 50 anos. Os três poderiam ser devido à falha sul, quatro à falha norte e três a encurtamentos nas cadeias de montanhas.

Segundo o geólogo Claude Prepetit (2010), esses terremotos anteriores que assolaram, por exemplo, Porto Príncipe, dataram de 1751 e 1770, época em que a cidade foi recém-fundada pelos franceses e o rei Luís XV a proclamava como capital. Portanto, é claro que nenhuma porção deste território estava imune a terremotos devastadores. Além disso, especialistas haviam revelado em 2008 que a falha de Enriquillo certamente causaria um terremoto de magnitude 7,2, enquanto a falha norte produziria um terremoto de magnitude 7,5.

Num intervalo de quase de quase 12 anos, o Haiti foi atingido por dois grandes terremotos. O primeiro, ocorrido em 12 de janeiro de 2010 e de magnitude 7,0, devastou várias cidades e causou mais de 300.000 mortes. Nesse episódio, pela falta de preparação geral do Estado para treinar a população no enfrentamento de desastres, muitos moradores procuravam ficar dentro de suas casas ou de edifícios comerciais para se “protegerem” dos abalos sísmicos, o que aumentou o número de vítimas. O segundo ocorreu em 14 de agosto de 2021, com magnitude de 7,2 e que atingiu principalmente o sudoeste do Haiti (departamentos de Nippes e Grande-Anse). Todavia, a população teve um comportamento diferente do anterior, procurando locais que não tinham casas e com espaços distantes dos desabamentos. O Mapa 3 mostra os epicentros desses dois terremotos.

Mapa 3 – Epicentro dos terremotos de 2010 e de 2021 que afetaram o Haiti. Fonte: AFP (2021).

O terremoto de 2021 causou cerca de 2.000 mortos e deixou mais de 10 mil feridos, números que podem ter sido ainda maiores devido a grande quantidade de pessoas desaparecidas identificadas pelas operações de resgate. Até 21 de agosto de 2021 haviam sido registradas, respectivamente, 1.600, 205 e 137 mortes nos departamentos Sul, Grande-Anse e Nippes. No entanto, de acordo com o último relatório parcial fornecido pela Diretoria de Proteção Civil (DPC), divulgado no domingo de 22 de agosto de 2021, novos corpos foram encontrados no Sul. O número de mortos nos três departamentos subiu para 2.207, ante os 2.189 contabilizados no relatório anterior de 18 de agosto, enquanto o de desaparecidos foi para 344 e o de feridos para 12.268 (DPC, 2021). Além disso, a Diretoria Geral de Proteção Civil do Haiti (DPC) informou que, ao todo, cerca de 137 mil famílias foram afetadas nessa região, enquanto 500 mil pessoas, ou 40% da população total dos três departamentos, precisavam de ajuda humanitária de emergência (OCHA, 2021). Analisando os danos causados pelo terremoto, quase 61.000 casas foram destruídas (inclusive escolas e hospitais) e mais de 76.000 sofreram danos consideráveis, deixando milhares de pessoas desabrigadas.

Foto 1 – Desespero da avó que teve criança desaparecida no terremoto do Haiti de 2021. Fonte: AP Images (2021).
Foto 2 – Casas destruídas pelo terremoto de 2021 no Sul do Haiti. Fonte:The Atlantic (2021).
Foto 3 – Busca dos sobreviventes após o terremoto do Haiti de 2021. Fonte: EL País, 2021.

A questão climática, as fortes tempestades e as inundações

Além da questão geológica, o Haiti enfrenta problemas com eventos climáticos que frequentemente causam grandes destruições. Localizado em uma zona de convergência intertropical, a região é comumente atingida por ciclones advindos do Oceano Atlântico em direção ao continente norte americano, tornando o Haiti e os outros países caribenhos extremamente suscetíveis a receber tempestades tropicais em forma de furacões, causando ventos fortes e inundações. Porém, esta região apresenta um relevo muito acidentado na parte sudoeste e na parte norte. Seu clima varia conforme as chuvas (período chuvoso abril-maio ​​e agosto-outubro). Devido à sua localização geográfica e topográfica, a maioria dos municípios do Haiti é regada por rios e permite a existência de microclimas considerados agradáveis e diversificados, mas que com as fortes tempestades, podem ser rapidamente alvos de inundações.

Dada à inclinação evidenciada das encostas combinada com as más práticas de atividades agrícolas e o desmatamento crescente, a erosão superficial é muito acentuada nas colinas e, consequentemente, o material erodido é transportado para as partes mais baixas, causando inundações e movimentos de massa em toda a região quando em episódios de tempestades.

A análise das informações do Sistema Nacional de Gestão de Riscos e Desastres (2014) e da Comissão de Proteção Civil mostrou que chuvas cuja intensidade é acima da média acabam causando inundações, enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra, gerando consequências catastróficas no Departamento Sul. Além das condições econômicas difíceis que sofrem a população da parte Sul do País, a poluição do meio ambiente haitiano também necessita de medidas urgentes. A má gestão dos lixos, que se espalham pelas ruas e rios, geram consequências graves para a saúde das pessoas.

Os departamentos Grande-Anse e Nippes, no sul do Haiti, são consideradas as áreas de maior risco. Devido ao relevo declivoso, com solos desflorestados e mal-conservados, e a localização de várias cidades nas margens de rios, as tempestades normalmente causam deslizamentos de terras e grandes inundações, desabrigando milhares de pessoas. Os precários canais fluviais e a grande quantidade de lixo e entulho dispostos na maior parte das ruas dessas cidades potencializam as inundações, pois impossibilitam a drenagem da água das chuvas. Por sua vez, as inundações contribuem para a ocorrência de diversas doenças infecciosas. Adicionalmente, as tempestades comprometem as frágeis áreas rurais e a produção agropecuária, destruindo plantações, moradias e corroborando para a escassez de insumos alimentares básicos da população.

Nesse sentido, existe grande movimentação por parte do governo para realizar ações de prevenção em períodos de maior ocorrência de ciclones e tempestades. A experiência de membros da Proteção Civil do Haiti (equivalente à defesa civil no Brasil) revelou pontos fortes e fracos do sistema de ação de resposta na gestão destes eventos. Por isso, uma das áreas prioritárias é o fortalecimento das capacidades de resposta desses órgãos a fim de reduzir perda de vidas e infraestruturas do país. Contudo, o sistema de alerta e defesa civil ainda é pouco eficiente, dado os recursos escassos e a defasagem do tamanho das equipes de resgate. Esta equipe falta de capacidade técnica e material suficiente para efetiva sua função em salva vida em tempo real.

As más condições de saneamento básico aumentam, portanto, os problemas gerados pelas frequentes tempestades que assolam o país. Por toda a parte das cidades é possível encontrar uma grande quantidade de lixo e entulhos acumulados nas ruas e nos rios, bem como a disposição, a céu aberto, de esgoto não tratado. Com as inundações, todo esse material invade ruas, casas e edifícios, aumentando as chances de contaminação da população mais vulnerável. Desta forma, presencia-se uma gestão totalmente ineficiente do tratamento de resíduos urbanos, o que se torna um grave problema de saúde pública.

Foto 4 – Problemática dos lixos e saneamento do esgoto. Fonte: Les Cayes, 2016.

Um decreto-lei sobre a gestão e proteção do meio ambiente chegou a ser aprovado pelo Conselho de Ministros em outubro de 2005. Contudo, ainda não é efetivamente cumprida pelas autoridades. Caberia aos cidadãos, empresas, instituições governamentais e autoridades locais se comprometerem com esta questão, fazendo com que tal decreto fosse de fato cumprido, em especial com relação aos poluentes. Assim, os poluidores que cometem danos ambientais poderiam ser mais severamente sentenciados e punidos. Mas infelizmente, até os dias atuais, este decreto não gerou resultados positivos.

Foto 5 – Lixos nas ruas e negligência do Estado. Fonte: Le Floridien, 2019.

A progressiva degradação ambiental que se observa no Haiti requer, portanto, a conscientização de todos os agentes que operam neste território, e em especial o engajamento do Estado na elaboração de estratégias para evitar a perda de vidas humanas em períodos de ocorrência de eventos naturais extremos e em questões sanitárias. Doenças como a cólera em 2011, que desde início de 2010, o Ministério da Saúde Pública e População (MSPP) registrou 736,376 casos suspeitos de cólera e de 8,768 mortes relacionadas a cólera entre outubro de 2010 a 28 de março de 2015. Após um pico de 35.000 casos relatados em 2011, os esforços haitianos concentrados e internacionais conseguiram reduzir drasticamente este número em mais de 90% em 2014 (27,388 casos suspeitos de cólera) (Sainte, 2017), e que deveriam já estar controladas ou erradicadas no país, continuam a fazer milhares de vítimas todos os anos.

As crises políticas do Haiti e o agravamento da vulnerabilidade territorial

O conceito de vulnerabilidade pode ser determinado como a suscetibilidade ou nível de incapacidade de lidar com efeitos adversos relativos às mudanças climáticas e/ou eventos extremos (IPCC, 2007; Sainté e Lämmle, 2020), ou o grau de perda de um elemento ou conjunto de elementos em decorrência de efeito desastroso (UNDRO, 1979; Sainté e Lämmle, 2020). Portanto, o Haiti se tornou um dos países mais afetados por eventos climáticos, sendo o que sofre maior número de desastres naturais do Caribe, como já foi mencionado.

Além da vulnerabilidade ambiental e social, o Haiti ainda enfrenta sérios problemas de ordem política, cujas décadas de instabilidade governamental impediram a implementação eficaz e efetiva das ações do Estado para a melhoria das condições de vida da população haitiana. A forma como ocorreu a ocupação histórica revela em parte a fragilidade política do país. A invasão do território haitiano pelas forças armadas dos EUA e a ocupação efetivada entre 1915 e 1934 foi um dos fatores que retardou os rumos do desenvolvimento. O domínio imperialista no plano econômico, a sinuosidade das missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) e as interferências políticas tornaram o Haiti um território altamente controlado por diversas forças do poder norte-americano, culminando, por exemplo, no golpe do presidente Aristide em 1991.

No ano de 2004, houve um segundo momento de intervenções internacionais no Haiti, marcado pelo início da Minustah, em que diferentes atores e forças militares se instalaram no país com a justificativa de ajuda humanitária, mas tais intervenções servirem como medidas de exploração econômica do que ajuda humanitária, o que agravou o cenário de subdesenvolvimento do país (Sainté e Lämmle, 2021). Para saber mais sobre a atuação da Minustah na ajuda humanitária e a discussão sobre a soberania do Estado haitiano, consultar os trabalhos de Sainte (2017): “Uso do território e o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) na ajuda humanitária no Haiti de 2010 a 2012” e Sainte e Lämmle (2021): “Soberania territorial em disputa: o caso da intervenção da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti e seus impactos no território”.

Desta forma, a desordem interna e a crise política-institucional e social sem precedentes fizeram com que as forças militares da Minustah/ONU deixassem o país em 2017, com apoio da população e da classe política, fazendo com que o ex-presidente Jovanel Moïse chegasse ao poder. Contudo, tal gestão não foi capaz de suprir as necessidades básicas da população haitiana e oferecer segurança ao país, mostrando o fracasso da missão da comunidade internacional para estabilização da paz no Haiti e deixando seu território ainda mais fragilizado.

Desta forma, vemos que o cenário de crise generalizada que o país vive nas ultimas décadas é reflexo do fracasso do projeto liberal de estabilização democrática no território haitiano, que vem se ampliando ainda mais após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 7 de julho de 2021 em sua casa, mostrando que o Haiti continua distante de um cenário de estabilização e reafirmando que as intervenções internacionais não foram capazes de solucionar minimamente a situação caótica do país e garantir sua soberania territorial. Todos esses fatos, somado à questão natural da ocorrência de desastres naturais, assegura o esgotamento da estrutura convencional e das estratégias para evitar crises decorrentes da instabilidade política.

Visto que o Haiti se posiciona na zona de convergência intertropical, o país é objeto desse tipo de ocorrência a cada ano, com diferentes intensidades. Além disso, está posicionando entre diversas falhas tectônicas ativas. Assim, o governo deve colocar em vigor as normas de construção habitacional nas grandes cidades ao criar um plano diretor para tal fim, além de retirar as pessoas das áreas de riscos. Para evitar as perdas tanto materiais ou imateriais, e em vidas humanas, o Estado tem uma função crucial na gestão das crises ambientais, que se constituem em grandes desafios para os municípios. Ou seja, só se resolverá boa parte dos problemas estruturais e macroeconômicos do país quando um Estado mais forte e comprometido com as causas humanitárias se estabelecerem no país e quando as ajudas internacionais ocorrerem, de fato, sem pretensões exploratórias e espoliativas. Além disso, compreender a situação geográfica do país em suas características geológicas, climáticas, econômicas, diplomáticas, de uso e ocupação da terra, recursos naturais (florestais, hídricos, minerais etc.), entre outras, é uma tarefa fundamental para que a sociedade haitiana possa, com ação mais efetiva do Estado, realizar o enfretamento das diversas crises que abatem o país.


Referências

DUPOUX, Jeannia. La situation de l’environnement en Haïti.  Fondation Emmaus, 15/12/2017. Disponível: http://fondationemmaus.org/situation-de-lenvironnement-haiti/

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ONU. Haïti: Tremblement de terre. OCHA, 18/08/2021. Disponível: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/Flash%20Update%20No.%203%20Earthquake%20-%20OCHA%20Haiti%20-%20FR_Final%20version%20for%20RW.pdf

PICHON, Xavier; RANGIN, Claude; ZITTER, Tiphaine; CRESPY, Agnès. La catastrophe sismique d’Haïti. Révue La Lettre du Collège de France, n.28, 2010. https://doi.org/10.4000/lettre-cdf.1097

PREPETIT, Claude. Tremblements de terre en Haïti: mythe ou réalité? Laboratoire National du Bâtiment et des Travaux Publics D’Haïti, 2010. Disponível: https://lnbtp.gouv.ht/publications/seisme-haiti.pdf

SAINTÉ, G. O Estado haitiano e a Minustah: soberania territorial e intervenção internacional. In: SAINTÉ, G. Uso do território e o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) na ajuda humanitária no Haiti de 2010 a 2012: Minustah (Missão de Estabilização de Paz ao Haiti). Monografia (Gradução em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. p. 42-79. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=001088891&opt=1

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SAINTÉ, Guerby; LÄMMLE, Luca. Soberania territorial em disputa: o caso da intervenção da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti e seus impactos no território. GEOUSP: espaço e tempo, v. 25, p. 181541, 2021b. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2021.181541

SNGRD- Sistème National de Gestion des Risques et Desastres. Plan de Contingence du Département du Sud-Haiti. SNGRD, 2014. Disponível: https://www.humanitarianresponse.info/sites/www.humanitarianresponse.info/files/documents/files/Plan%20de%20Contigence%20Departement%20du%20SUD%202014%20CDS-GRD_12%20juin%202014.pdf

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