Muriel Bowser, a prefeita negra que desafiou Trump

Ela mandou pintar “Black Lives Matter” em letras garrafais, perto da Casa Branca. Foi aplaudida, mas também contestada pelos ativistas. Pedem, além de palavras, nova polícia – começando com cortes nos gigantescos orçamentos “de segurança” atuais

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Por Inês Castilho

A atitude irritou profundamente Donald Trump. A frase “Black Lives Matter” foi pintada ao longo de dois quarteirões da avenida que sai do Parque Lafayette, ao norte da Casa Branca, em Washington. O presidente não tinha como deixar de vê-la – bem num dos locais preferidos das manifestações que incendiaram os Estados Unidos em protesto pelo assassinato do afro-americano George Floyd por um policial branco na cidade, em 25 de maio. Pintada em tinta amarela sobre o asfalto preto, a inscrição foi saudada por manifestantes de outras cidades norte-americanas e aplaudida por milhões de pessoas mundo afora. No Brasil, imagens da frase em letras gigantescas circularam por todas as mídias, das redes aos jornalões à tevê.

A autora dessa ação política inovadora é Muriel Elizabeth Bowser, mulher negra, 47 anos, solteira e mãe de uma filha adotiva, integrante do Partido Democrata. Uma das 15 mulheres eleitas em 2015 para governar cidades que estão entre as mais populosas dos EUA, Muriel Bowser foi a única mulher reeleita para governar Washington, D.C. (Distrito de Columbia), capital dos Estados Unidos. Nos dez anos anteriores, de 2007 a 2015, ela ocupou um assento no Conselho do Distrito de Columbia. E agora vem sendo apontada para a vice-presidência de Joe Biden nas eleições de novembro – ela nega.

Muriel nasceu em Washington e cresceu numa família de classe média em North Michigan Park, nordeste da cidade. Trata-se de um dos bairros onde os negros viviam segregados na primeira metade do século XX e, mesmo depois da conquista dos direitos civis, continuaram separados dos brancos pelo mercado imobiliário e por políticas governamentais.

A inscrição feita por ela recebeu atenção internacional. O ícone dos direitos civis John Lewis, um dos seis líderes dos grupos que organizaram a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade em 1963 – quando 250 mil pessoas foram às ruas e ouviram Martin Luther King anunciar o seu sonho de igualdade –, visitou o local e tirou uma foto com Bowser.

Pessoas de todo o mundo agradeceram à cidade “por reconhecer a humanidade negra e as vidas negras”. Mas ativistas locais logo criticaram sua “obra de arte afirmativa”, chamando o ato de “performativo” e uma forma de distração para o fracasso da prefeita em fazer mudanças substanciais no sistema de justiça criminal da cidade.

No sábado, contudo, dia seguinte à sua iniciativa e quando aconteceram os maiores protestos em Washington após a morte de George Floyd, ativistas carregaram para ali baldes de tinta amarela. Usando o mesmo tipo de letra, acrescentaram “Defund the Police” à declaração da prefeita, transformando as estrelas da bandeira da cidade no sinal “igual”. O mural passou então a declarar “Black Lives Matter = Defund the Police” [Vidas Negras Importam = Cortar Financiamento da Polícia]. Na manhã seguinte, trabalhadores do Departamento de Obras Públicas da cidade refizeram as estrelas – mas deixaram a declaração.

“Os negros podem se alegrar ou sentir-se visíveis quando Washington renomeia uma rua por causa do Black Lives Matter”, disse Kiki Green, principal organizadora do Black Lives Matter na capital norte-americana, em comunicado por email. “Mas é nossa responsabilidade informar pelo quê estamos lutando, quem tem o poder de mudar as coisas e que o poder não concede nada sem que haja demanda”. O grupo pede a proibição da política de enquadros [“parar e revistar”, stop and frisk], o fim das prisões no distrito e corte no financiamento da polícia, entre outras mudanças.

“Se você cortar o financiamento da polícia, poderá investir em comunidades negras e no futuro dos negros”, diz um dos artistas que transformaram o mural da prefeita. “Foi a melhor maneira de tomar a mensagem que estava lá e transformá-la em nossa mensagem”.

Enfrentando Trump

Os ataques do presidente norte-americano à prefeita de Washington começaram no dia seguinte ao início dos protestos, quando o confronto entre polícia e manifestantes diante da Casa Branca levou agentes secretos a encerrar Trump num bunker para garantir sua segurança. Trump atacou Bowser dizendo que ela não permitiu que a política reprimisse os protestos e passou a agredi-la e ridicularizar os manifestantes. Geralmente contida em suas falas sobre o presidente, ela respondeu com veemência. “Esses comentários são um ataque à humanidade e à América negra, e tornam minha cidade menos segura.”

Desde então, os dois vêm discutindo publicamente. Depois de considerar “uma desgraça total” os distúrbios e depredações ocorridos na terceira noite de protestos, Trump enviou à cidade unidades militares e agências federais de aplicação da lei. Bowser qualificou de “vergonhosa” a repressão da polícia federal a manifestantes pacíficos da Praça Lafayette naquela noite e solicitou, em 4 de junho, que Trump retirasse de Washington toda a “aplicação da lei federal extraordinária e presença militar”.

E então respondeu com o mural, pintando “Black Lives Matter” em letras amarelas de 15 metros na 16th Street NW, ao norte da Casa Branca, na sexta-feira (05.06) – o que Trump viu como “grave escalada” das tensões entre ele e a prefeita. Uma foto de funcionários municipais pintando a avenida ao lado de ativistas foi postada pela prefeita ao anunciar que a 16a avenida NW seria denominada Black Lives Matter Plaza.

Esses fatos a colocaram sob os holofotes da mídia norte-americana e internacional. O candidato democrata à presidência dos EUA, Joe Biden, já se comprometera com a escolha de uma mulher para a vice-presidência quando, depois do assassinato de George Floyd, passou a ser pressionado para que essa mulher fosse negra. Ao enfrentar Donald Trump, Muriel Bowser entrou no radar do Partido Democrata. Ser mãe solteira é também um ponto a seu favor, considera o partido, por atrair o eleitorado progressista. Contra si, Bowser tem o fato de ter feito campanha nas primárias para o x-prefeito de Nova York, Mike Bloomberg, e ter defendido sua controversa política de stop and frisk, aplicada especialmente em negros, latinos e outros imigrantes.

Política de imigração

Contudo, sua política de imigração vem sendo bem avaliada. Ano passado, Bowser impediu que o Departamento de Saúde e Serviços Humanos instalasse em Washington um abrigo para crianças imigrantes. O órgão federal queria abrigar ali mais de 200 menores desacompanhados, embora a legislação permitisse abrigos com no máximo 15 leitos. “Washington não será cúmplice da prática desumana de deter crianças migrantes em armazéns”, ela tuitou.

Antes, em agosto de 2018, fez uma visita de três dias a El Salvador, em apoio aos mais de 20 mil salvadorenhos que imigraram para a cidade – cerca de 200 mil para a região –, em razão da guerra civil no país durante os anos 1980; e que passaram a sentir o impacto das políticas de imigração do presidente Trump. Em San Salvador, Bowser assinou um acordo de Cidades Irmãs com Washington, para cooperação nas áreas de desenvolvimento econômico e da juventude, segurança pública, sustentabilidade, cultura, educação. Brasília também é cidade irmã de Washington, ao lado de Pequim, Bruxelas, Roma e Adis Abeba.

“Os salvadorenhos tiveram um papel importante na construção da diversificada, inclusiva e próspera da Washington em que vivemos hoje”, disse a prefeita. “Com milhares e milhares de salvadorenhos que vivem na região do Distrito Federal e continuam a dar tremendas contribuições, não apenas à nossa economia, mas também à cultura da nossa cidade, tenho orgulho de que San Salvador seja a primeira Cidade Irmã que celebro como prefeita”, disse então.

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