QAnon: delírio como arma ideológica do capital

Por trás das fantasias desvairadas sobre cabalas subterrâneas e governantes répteis, há uma narrativa pueril, mas necessária a um sistema que já não oferece futuro. Ela demoniza as elites e os políticos, para poupar o sistema que os produz

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Por Juan Ruocco, na Revista Nueva Sociedad | Tradução de Simone Paz

A quarta-feira 6 de janeiro de 2021 ficará gravada na história dos Estados Unidos como o dia no qual um grupo de pessoas, participantes de uma marcha de apoio ao presidente Donald Trump, invadiu o Congresso norte-americano com a mesma facilidade com a qual uma equipe paintball teria capturando a base inimiga.

A figura paradigmática da invasão foi o autodenominado Q-Shaman, um homem fantasiado com um capacete com chifres, que mais parecia saído de alguma representação barata de viking de um filme de meados do século XX, ou de um encontro do Búfalos d’Água — a confraria frequentada por Fred Flintstone e Barney Rubble (desculpe-me, Geração Z, pela paleo-referência). Naquele dia e no dia seguinte, com a notícia na capa de quase todos os jornais do país, o público normie [pessoas que usam mídias sociais populares e acreditam na opinião “normal”] começou a mergulhar no QAnon, a teoria da conspiração mais eficiente (?) dos últimos anos, e que acabou construindo uma espécie de movimento junto com ela.

Q-Shaman nada mais é do que um exemplo emblemático da situação atual dentro do trumpismo e da ultradireita: uma mistura de teorias da conspiração com o que eu me atreveria a descrever como um “larpeio” extremo. Para quem não vem das catacumbas geeks ou nerds, o termo “LARPing” é desconhecido. A sigla LARP significa “Live Action Role Playing”, que em português pode ser traduzido como “RPG, ou jogo de interpretação de personagens, ao vivo”. O LARPing, ou “larpeio”, é uma prática comum entre pessoas que, por exemplo, recriam feiras medievais. Grupos de pessoas que se reúnem num fim de semana para fingir que vivem na Idade Média e se comportam de acordo.

Nesse sentido, Q-Shaman e os demais participantes do chamado “assalto ao Capitólio”, não são apenas seguidores (ou pelo menos uma parte deles) da teoria da conspiração do QAnon, mas também foram encorajados a desempenhar o papel dos primeiros revolucionários americanos. Com o pequeno detalhe de que era só isso: um RPG. No entanto, as consequências dessa atuação envolvem: desde a morte pelas mãos da polícia de uma manifestante (vestindo uma camisa do QAnon), até o fato singular de que todo o arco político, inclusive Nancy Pelosi (símbolo do establishment do Partido Democrata), se unisse contra Donald Trump em defesa da ordem constitucional.

O que é o QAnon?

QAnon é uma teoria da conspiração que nasceu a partir dos imageboards (ou painéis de imagens) do 4chan e do 8chan1. Criado no primeiro, mudou-se para o segundo permanentemente. É importante ressaltar que o 8chan é propriedade de Jim Watkins, um ex-mecânico de helicópteros do Exército dos EUA que se tornou empresário de tecnologia, cuja principal atividade econômica reconhecida é a criação de porcos nas Filipinas, país que o declarou um “undesirable alien” (ou estrangeiro indesejado) em janeiro de 2020. O site foi bloqueado nas pesquisas do Google e teve seu serviço negado pela empresa CloudFlare após o Massacre na Nova Zelândia por Brenton Tarrant, um terrorista branco, adepto de outra teoria da conspiração: a da “grande substituição”, que, de modo geral, sustenta que a substituição da população “branca e nativa” dos países europeus já está em curso, principalmente por migrantes muçulmanos de origem árabe, produto das políticas de uma “elite da substituição”. Após a remoção do site, e o fim das publicações de “Q”, Watkins levantou o site 8chan novamente, sob o nome de 8kun, e com isso as postagens de “Q” voltaram. Quando convocado pelo Congresso dos Estados Unidos a dar declarações sobre sua responsabilidade no conteúdo postado no 8kun, Watkins se apresentou com um distintivo com a letra Q.

Na linguagem “chaneira” — do 8chan —, a palavra “anon” é utilizada para referir-se a qualquer usuário, pois as publicações são anônimas. A letra Q é a primeira da palavra “Question” (questão ou pergunta), mas as pessoas por trás do QAnon nunca deram nenhuma explicação para o uso dessa letra. Seus seguidores supõem que por trás do “Q”, existe alguém com chaves de acesso ao andar superior da segurança de Estado, e que revela o que ocorre lá dentro.

Talvez o incidente mais significativo que possa ser compreendido como antecedente para o QAnon, seja o caso conhecido como “Pizzagate”. No dia 4 de dezembro de 2016, alguns meses após a vitória de Trump para a presidência, Edgar Maddison Welch entrou com um AR-15 carregado na pizzaria Comet Ping Pong, em Washington, onde ele acreditava que funcionava uma rede de pedofilia coordenada por Hillary Clinton. Embora tenha apontado a arma para um funcionário local, ele não chegou a machucar ninguém; e logo em seguida foi preso pela polícia. A teoria de que esta pizzaria seria o centro nevrálgico de uma rede de pedófilos tornou-se uma espécie de meme ou piada nos canais do 4chan como resultado dos e-mails de Hillary revelados pelo Wikileaks durante a campanha presidencial, em que o nome da pizzaria era mencionado repetidamente.

A partir de então, a figura anônima por trás do QAnon assumiu o controle e se tornou um dos suportes mais importantes no fortalecimento da relação entre Donald Trump e sua base eleitoral. Em geral – e como pode ser visto nos vídeos de um personagem autodenominado Q-Shaman (cujo nome verdadeiro é Jake Angelini), disponíveis na plataforma de vídeo on demand, Rumble, sob o pseudônimo de YellowstoneWolfAZ – os seguidores do QAnon sustentam que existe um grupo chamado “the cabal” [a cabala], composta por seres de outras dimensões e do espaço sideral, cuja finalidade é o domínio da espécie humana. Esse grupo seria formado por agentes do governo, empresários e militares, no que é conhecido como “deep state” ou “Estado profundo”, infiltrados nas estruturas governamentais, e que desenvolvem seus planos a partir delas. Esses seres interdimensionais teriam uma rede de bases subterrâneas para onde sequestram crianças obtidas por meio das redes de tráfico e/ou prostituição infantil; e, nelas, estariam envolvidos políticos, donos de mídias e atores/produtores de Hollywood.

Essa elite secreta, se utilizaria de uma série de recursos técnicos e humanos para a execução de seus planos, como vacinas desenvolvidas com o apoio da Fundação Bill e Melinda Gates — que, na verdade, teriam como objetivo a instalação de nanorrobôs, para serem dirigidos por meio das instalações do 5G, e que poderiam controlar as mentes de todos aqueles que forem vacinados. Este componente da teoria foi intensificado após a pandemia de covid-19. Outras das ferramentas usadas por essa elite secreta poderiam incluir algumas variações da maçonaria e do comunismo, o que, de acordo com Q-Shaman e seguidores do QAnon, é uma forma de magia negra que serve para controlar a mente dos seres humanos.

Mas o QAnon não para por aqui. A suposta existência desses seres interdimensionais é combatida por uma facção patriótica que busca subjugar os inimigos internos do “estado profundo”, julgá-los e levá-los para Guantánamo. Esses agentes do bem são oficiais leais ao ex-presidente Trump e membros do exército que, por sua vez, estão desenvolvendo três tipos de tecnologia que não só permitiriam que QAnon e seus seguidores derrotassem a cabala, mas também restaurassem o meio ambiente, o sistema monetário e a prosperidade econômica.

Essas três tecnologias consistem em: um reator de energia infinita, um material de super-condução e uma tecnologia anti-gravitacional para “viajar mais rápido do que a luz”. Além disso, as facções leais também estariam lutando para restabelecer o padrão ouro (eliminado por Richard Nixon em 1973) e, assim, construir um “paraíso na terra”.

Jake Angelini (ex-militar das Forças Armadas) afirma que aprendeu tudo isso por ser um contratante de agências de inteligência, com as quais trabalha em um programa para formar super soldados — grupo do qual ele faz parte. Nesse sentido, ele também afirma que o filme Capitão América foi uma operação de guerra psicológica para semear no público norte-americano a ideia de um super soldado patriota que lutará pela defesa dos interesses estadunidenses.

Finalmente, Q-Shaman recomenda que seus seguidores se acostumem a ler nas entrelinhas — e avisa que nada é realmente o que parece; que você deve seguir o coelho branco, o caminho das “migalhas de pão” como o Pequeno Polegar, e confiar no plano mestre da comunidade de inteligência e da “comunidade QAnon”, que consiste em preparar a população em geral para o momento da “grande revelação”, quando tudo isso virá à tona, a cabala será derrotada, a humanidade e a natureza redimidas e a Constituição dos Estados Unidos reivindicada.

Fatos alternativos para todos e todas

Se há alguma coisa que todas as teorias da conspiração têm em comum, é simplesmente não acreditar na evidência empírica ou nos “fatos”. Nesse sentido, uma teoria da conspiração implica um salto de fé: é preciso acreditar que a realidade nada mais é do que um véu que esconde o que é verdadeiramente “real”. Então, qualquer fato, ato ou gesto pode ser interpretado como uma confirmação da teoria. Essa particularidade foi explorada com maestria durante a primeira campanha de Trump, e durante certos momentos de sua presidência, quando o 45º ocupante da Casa Branca fez alusões a “secar o pântano”. É um termo codificado para falar de “estado profundo” e, se levarmos a imaginação adiante, poderia se referir a répteis em luta, que são os personagens de outra teoria da conspiração semelhante ao QAnon, conhecida como a dos “reptilianos”, que afirma que a Terra é governada por uma espécie do espaço sideral na forma de répteis humanóides que se disfarçam de humanos para camuflar-se.

Uma vez que a pessoa dá esse salto de fé, que consiste em descrer da realidade, ou em “remover o véu”, então qualquer explicação é possível. Basta acomodar os fatos e as interpretações de forma que eles montem uma teia de significados que sustente a teoria, para além de qualquer evidência real. Claro, os seguidores de teorias da conspiração acreditam que realmente há evidências (geralmente páginas da web ou vídeos do YouTube) e que podem ser acessadas “lendo nas entrelinhas”.

O QAnon, como exemplo emblemático de teoria da conspiração, permite a seus seguidores obter a quadratura do círculo, ou o “x” da questão: criticar a estrutura social injusta gerada pela atual fase do capitalismo, sem tocar em seus fundamentos ideológicos. Essa teoria, em suma, explica que o que realmente aflige o governo dos Estados Unidos é um problema de gestão na forma de infiltração de seus inimigos. Assim, ele argumenta que os fundamentos do governo são intocáveis, mas que uma derrota radical da má gestão é necessária para alcançar um estado “justo”. Porém, todos os problemas descritos pela teoria ou apontados como males (uma pedofilia impune dos governantes e de Hollywood, um sistema monetário monopolizado por bancos, a destruição do meio ambiente) são consequências diretas do modelo econômico e político aplicado no país por décadas.

Por um lado, e embora o establishment govern tenha repudiado os atos do dia 6 de janeiro, há uma base profundamente americana no QAnon e seus seguidores. Em primeiro lugar, a ideia de uma espécie de batalha final (na forma de uma grande revelação), tem um forte significado apocalíptico e está ligada à tradição do protestantismo evangélico. Por outro lado, a ideia de um “paraíso na terra” tem fortes ressonâncias milenaristas, que também vêm da ideologia protestante (bastante ancorada no fundamentalismo bíblico), e que consiste na ideia de que (dependendo da interpretação) entre a segunda vinda de Jesus e o julgamento final haverá um reinado de Jesus que durará exatamente mil anos.

A ideia de um milênio de amor e paz entre os homens não é nova, ela acompanha o cristianismo praticamente desde as suas origens. E também, como Norman Cohn aponta em seu livroThe Pursuit of Millenium[Em busca do milênio] (2015), esta é uma ideologia que em diversas ocasiões, durante a Idade Média, resultou em movimentos políticos que, com sucesso variável, questionavam as relações sociais e políticas de seu tempo. Algo bastante significativo que o Q-Shaman argumenta em seu vídeo explicativo sobre a teoria política do Q-Anon é que seu principal inimigo é a “agenda transhumanista” promovida por corporações e setores do governo.

O transumanismo é uma filosofia tecnopolítica proposta, em sua forma mais contemporânea, pelo professor da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, que definiu a filosofia como uma sucessora dos ideais iluministas e que buscam a eliminação tanto do sofrimento quanto das limitações biológicas humanas (como podem ser a morte ou o limite da capacidade de processamento de informação do cérebro humano), através da fusão radical da tecnologia e do corpo humano. Embora este não seja o melhor lugar para discuti-lo, o transumanismo parece ter, também, em seus postulados certas inclinações milenaristas, como a ideia de eliminar o sofrimento ou a escassez por meio da introdução de tecnologias radicais que ainda se encontrem em estágios iniciais de desenvolvimento.

O transumanismo tornou-se popular na internet graças à sua ideia de “singularidade tecnológica”, que pode-se explicar como um suposto evento futuro, onde algumas das tecnologias em desenvolvimento (nanotecnologia, inteligência artificial, extensão da vida) possam cruzar um limiar de desenvolvimento tal, que a condição humana será alterada para sempre, “avançando para o próximo degrau da evolução”. Acontecimento que, em sua estrutura, assemelha-se muito ao apocalipse do milenarismo.

Essas ideias – tanto a do transumanismo quanto a da singularidade tecnológica – tiveram uma forte recepção no Vale do Silício. Nesse sentido, podemos especular que o QAnon é uma espécie de reação (saibam os seus seguidores ou não) ao milenismo tecnológico criado pelo Vale do Silício, mas que, em última instância, reivindica um milenarismo político baseado em Washington, supostamente favorável à Constituição e aos valores patrióticos norte-americanos.

É tentador pensar nessa dicotomia como o surgimento de duas ideologias completamente opostas — uma, criada no calor das mais novas tendências acadêmicas, e a outra, contra todas as evidências possíveis e em cantos esquecidos da internet — mas com um substrato comum: a luta pelo futuro.

Um meme no Capitólio

Em primeiro lugar, como já adiantamos, o que a lógica do “Q” põe em jogo, ou busca corrigir, não é o capitalismo, mas seus administradores; nesse sentido, o que pedem é uma mudança de gestão. Em segundo lugar, e por mais rebuscado que isso pareça, uma teoria da conspiração funciona como uma explicação do mundo. Para além das arestas delirantes que o QAnon possa ter, ele apresenta uma ordem clara: os patriotas contra a cabala, os bons versus os maus, o Capitão América contra Hydra (no universo ficcional do Capitão América, Hydra é uma rede de espionagem que — oh, que coincidência! — se infiltrou na Inteligência dos EUA). Em um mundo altamente complexo, uma teoria com essas características pode significar uma âncora de sentido para algo que parece não ter. E, é importante notar, o surgimento dessa teoria não é menor em um contexto em que é quase impossível para as novas gerações de cidadãos atingir o padrão de vida de seus pais e avós.

Não é à toa que o objetivo final da crença patriota do QAnon é construir “um paraíso na Terra”, um imaginário que pode ser encontrado em toda a tradição política norte-americana. E, em terceiro lugar, a influência política dos memes e sua disseminação por meio das redes sociais convencionais (Facebook, Instagram, Twitch, YouTube) e por meio de redes sociais fora do mainstream (Gab, Reddit e os canais: 4chan, 8kun, 9chan e 16chan). Se há algo que podemos dizer sobre o governo Trump, é que ele começou, em parte, graças aos memes (com o efeito de “Pepe, o sapo” e a influência do 4chan na campanha); e que ele chegou ao seu fim, em parte, colocando literalmente um meme no Congresso: o que seria Q-Shaman, se não a personificação do memeplexo QAnon?

Por fim, é preciso voltar quase vinte anos no tempo para encontrar algum precedente a esse acontecimento, que tenha abalado a opinião pública e gerado uma resposta de todo o arco político nacional, nessa mesma magnitude. Em 11 de Setembro de 2001 (embora sejam eventos incomparáveis), o mundo inteiro sentiu como o governo dos Estados Unidos não poderia fazer nada, literalmente, para impedir que dois aviões atingissem o World Trade Center. Foi inegável, para todos nós que assistimos ao evento ao vivo, o sentimento de que estávamos testemunhando um acontecimento histórico e também uma tremenda humilhação para a maior potência militar do planeta.

Em 6 de janeiro de 2021, como disse um sábio usuário de twitter, o país mais poderoso do mundo não conseguiu impedir que um homem disfarçado de Chewbacca e algumas centenas de caipiras invadissem o “templo sagrado” da democracia e do excepcionalismo estadunidense. Novamente, um evento histórico que se desenvolveu diante de nossos olhos e foi transmitido a todas as telas do mundo. Vale recordar que, depois do atentado de 2001, o governo de George W. Bush aprovou uma série de leis que deram ao Executivo o poderes de violar os direitos individuais de seus cidadãos em níveis que eram completamente impensáveis apenas alguns anos antes. É provável que a reação vá nesse sentido. Definitivamente, se o establishment de Washington entende de algo é que, sob nenhuma circunstância, o governo pode parecer estúpido. É preciso evitar que o rei passeie nu.

Horas depois desse evento e em virtude da participação do presidente, o Twitter, o Instagram e o Facebook derrubaram as contas de Donald Trump de suas plataformas. Um feito muito significativo, que marca por onde passa o poder hoje nos Estados Unidos: o Vale do Silício e o complexo tecnológico informático.

O que virá a seguir?

Na primeira parte deste artigo, afirmamos a condição de larpeiros, praticantes de um jogo de fantasia, ostentada pelos seguidores do Qanon e pelos demis participantes do assalto ao Capitólo. Como pode-se perceber, o único tipo de participação política destes setores é, definitivamente, o performático. A invasão não foi coordenada, nem era parte de um plano insurrecional. Foi apenas a ocupação do espaço. Pouco depois, o Senado continuou com as sessões como se nada houvesse ocorrido. Estas são as vantagens do larpeio: alguém pode disfarçar-se com um revolucionário patriota sem ter de se fazer pergunta alguma sobre as tarefas políticas que isso implica (organizar-se, conspirar, tomar o poder, por exemplo).

É por isso que, talvez do mesmo modo que os atentados do 11 de Setembro foram o momento de maior exposição para a Al Qaeda, é possível que o “assalto ao Capitólio” tenha sido o ponto culminante desta militância de baixa identidade online. Ao contrário da opinião mais comum, não creio que seja o início de uma nova onda deste tipo de movimentos políticos. Ao menos, não nesta forma de aparição. Resta saber se ela se transformará em outra coisa.

Mas, como apontamos mais atrás, nem o Qanon explica toda a base eleitoral de Trump, nem esgota as explicações de funcinamento de toda a galáxia “chaneira”. Também não explica todas as formas de radicalização online ou crenças em distintas teorias conspirativas. Existem grupos (alguns dos quais participaram nas marchas de 6/1) como os que se mobilizam sob o slogan MAGA (Make America Great Again), os Proud Boys, os Boogaloo, etc. E, é claro, os usuários clara e francamente názis que pululam nos canais de discussão política

Nem o mais brilhante, nem o mais perigoso, o Qanon é apenas um membro a mais da grande família do radicalismo online, que às vezes sobe à superfície e se torna “real”.

14Chan e 8Chan: Referências a dois sites que abrigam fóruns para debate de temas variados. Ambos permitem participação anônima. A partir de 2018, o 4Chan excluir comunidades que celebravam temas como supremacismo branco e racismo. O 8Chan continua aberto a elas.

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5 comentários para "QAnon: delírio como arma ideológica do capital"

  1. GUSTAVO ALMEIDA disse:

    Excelente texto.

  2. Ricardo Cavalcanti-Schiel disse:

    Em termos antropológicos, o “salto de fé” a que se reporta o jovem escritor Juan Ruocco é muito mais trivial que simplesmente essa imagem de um portal encantado para as narrativas delirantes.

    Acreditar sem questionar, baseado no acatamento de uma autoridade enunciativa, é antes a regra que a exceção para a maioria absoluta das pessoas, inclusive muitas daquelas que se creem bem-pensantes.

    Uma das mais eficientes operações intelectuais de “salto de fé” que se tem conhecimento no panorama recente da história intelectual de boa parte do mundo (e, mais que tudo, atualmente, no Brasil), por exemplo, é a da crença na existência de raças entre seres humanos, apesar até mesmo das exaustivas pesquisas genéticas em que, já nos anos 70 do século passado, Richard Lewontin e seus colaboradores da Universidade de Harvard acreditavam ter posto um ponto final nessa sandice pseudocientífica. Ledo engano! Uma vez que se abraça uma fé, não há questionamento racional que a mova do lugar.

    No caso do Brasil, desde meados da década de 90, a disseminação (originalmente apenas acadêmica) desse “salto de fé” foi logisticamente patrocinada pela Fundação Ford, numa operação de “guerra cultural” que já fazia parte do menu da CIA (da qual a Fundação Ford tem se mostrado sistematicamente um operador) desde meados do século XX, no que podemos reconhecer como o momento da pré-história do que é hoje a estratégia da “guerra híbrida”.

    Ok, alguém pode dizer que o tipo de “narrativa” do parágrafo acima também seria algo no estilo “teoria da conspiração”. O problema é que isso tudo está factualmente muito bem documentado (um bom começo é explorar o livro da jornalista e historiadora britânica Frances Stonor Saunders, “Who Paid the Piper?: CIA and the Cultural Cold War”, 1999).

    Seria igualmente interessante fazer um paralelo não apenas do QAnon com o transumanismo do Vale do Silício, como também com a lógica que move o Black Lives Matter, todos eles com seus respectivos “saltos de fé”, messianismos e milenarismos salvacionistas (tudo em nome de verdades inquestionáveis e reificações absolutas — como “raças”, por exemplo).

  3. José Mário Ferraz disse:

    Intelectual faz questão de se prolixo.

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