J. Carlos Assis: Lições para sair do atoleiro

Em novo livro, economista escrutina a crise do Brasil em suas raízes históricas e propõe saídas. Inflação, desemprego, estagnação e financeirização não são uma sina. Mas há que abandonar ilusões cultivadas pelo mainstream econômico

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Quem em 2022 alcançou alguma idade, passou dos 40 ou 50 anos e cultivou alguma cultura vai se lembrar com nostalgia dos tempos em que o destino do Brasil e dos brasileiros era apresentado em ideias transcritas em livros debatidos em toda parte. Aqueles tempos – que começaram a esmaecer na inauguração do século XXI – pareciam remontar às raízes mais antigas das civilizações contemporâneas que foram tangidas pela prática do convencimento e pela arte da persuasão.

Quem em 2022 perscrutar convencimento e persuasão, em contrário, vai encontrar twittes, grunhidos e força bruta. O diálogo virou ofensa. A democracia, quimera. A representação, ilusão.

Aos mais moços, toda essa degradação pode parecer normal, natural, até festiva. Aos mais vividos, não restam dúvidas: estamos à beira da falésia, envoltos em tormentas, flertando com o trágico, imergidos no memento mori.

J. Carlos de Assis, em anunciação, vem nos advertir da gravidade de tudo isso. O seu recente e necessário A economia brasileira como ela é – como reverter a destruição neoliberal do país (Amazon, 2022) é o mais oportuno convite ao diálogo, ao convencimento e à persuasão que se poderia fazer nestes tempos desabados que nos toca viver.

Não é a primeira vez que J. Carlos de Assis nos golpeia a alma com ideias percucientes e lucidez acachapante transcritas em livros seminais.

Quem vivenciou conscientemente a batalha de ideias que ambientou a redemocratização brasileira recente possui na memória e na retina o impacto político, intelectual e cultural de A chave do tesouro (São Paulo: Paz e terra, 1983), Mandarins da república (São Paulo: Paz e terra, 1984) e O grande salto para o caos (co-escrito com Maria da Conceição Tavares) (Rio de Janeiro: Zahar editor, 1985). Com uma mistura de análise política de conjunturas econômicas e abordagens filosóficas de história das ideias econômicas, J. Carlos de Assis revigorou ali, de uma só vez no Brasil, o jornalismo investigativo e o jornalismo econômico; e, pouco a pouco, foi se tornando referência incontornável para a compreensão dos males causados pelo Estado militar de 1964 a 1985.

Quem adentrou na vida adulta sob a Constituição Cidadã de 1988 e observou de soslaio a agonia caborteira dos mil dias da presidência de Fernando Collor de Mello não pôde deixar de notar a presença marcante de A Nêmesis da privatização (Rio de Janeiro: MECS, 1997) e As sete bestas do fim do mundo (Rio de Janeiro: ANC editorial, 1998) na compreensão do que foi, poderia ser e deveria ter sido a presidência de Fernando Henrique Cardoso.

Quem ficou consternado com os ataques de 11 de setembro de 2001 encontrou em O atentado da nova era (Rio de Janeiro: MECS, 2001) os elementos mais determinantes para rasgar o véu da ingenuidade e perceber a onipresença do trágico como sopro de vida na história dos homens. Conseguintemente, quem de fato rasgou esse véu percebeu que a contemporização desse império de tragédias possui como caminho apenas o reconhecimento quântico de Deus, corporificado e demonstrado em A razão de Deus (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012).

Esses não são todos os títulos de J. Carlos de Assis – ao todo, ele publicou mais de três dezenas de livros e dezenas de milhares de artigos nos principais periódicos nacionais. Mas esses foram os esforços que encontraram o timing exato para suprir as demandas precisas de um público cujos olhos viam uma realidade que sua inteligência era precária para compreender.

Em A economia brasileira como ela é, uma vez mais, J. Carlos de Assis vem nos auxiliar a encontrar esperança em flor num cenário complexo e, muita vez, incompreensível que nos prenuncia ruínas.

Quem em 2022 alcançou alguma idade e alguma cultura vai fazer vinculações imediatas entre A economia brasileira como ela é com as colunas A vida como ela é de Nelson Rodrigues. A mensagem nuclear dos contos do saudoso cronista pernambucano que faz tempo nos deixou segue eloquente: a vida é real, independentemente das ilusões sobre ela. A mensagem de nosso autor J. Carlos de Assis – mineiro de Maliéria, radicado no Rio de Janeiro desde os anos de 1960 e insistente observador da realidade integral do Brasil desde sempre – não é menos enfática ou eloquente: vaticina que a superação das ilusões neoliberais, em 2022 e depois, é um imperativo nacional para o Brasil e para os brasileiros.

O tom contundente e realista da lição do título de J. Carlos de Assis persegue todos os suspiros do livro. Ora com mais, ora com menos ênfase. Mas sempre com bocejos de esperança.

J. Carlos de Assis, em seus mais de 70 anos de idade sendo mais de 50 dedicados a compreender o Brasil, segue entusiasta da capacidade brasileira de superação das agruras permanentes da sociedade dos brasileiros. Desemprego elevado, taxas de juro, inflação e câmbio avariadas, atividade da economia real estagnada, financeirização do capital descontrolada, digitalização da vida atropelando tudo, retórica climática enviesada e mundialização de ilusões transvestida em pensamento único do mainstream dos economistas são alguns dos temas em relação aos quais J. Carlos de Assis se insurge.

A presidência de Jair Messias Bolsonaro desde 2019 não representa o foco da crítica do livro. J. Carlos de Assis, como informado e sofisticado observador, destaca a recorrência histórica dos problemas. Mas ao mesmo tempo reconhece que nessa quadra do ministro Paulo Guedes no manejo da Economia, todas as ilusões econômicas do passado se aceleram drástica e dramaticamente. E, caso não sejam revertidas, poderão nos lançar num nevoeiro sem retorno.

Capítulo a capítulo, J. Carlos de Assis vai descrevendo o lado obscuro desse nevoeiro e concomitantemente vai desenhando alternativas e soluções de retorno ou indução a dias claros amenos de sol. Temas e problemas áridos e complexos – como dívida pública, gestão de crédito, política monetária, pacto federativo e sistema financeiro – são tratados com rigor comezinho, mas numa linguagem apreensível a todos. Mesmo aos mais leigos, velhos ou moços.

Vale ressaltar, nesse quesito, que J. Carlos de Assis não é bem um escritor. É um oleiro. E seus livros, escritos e ideias são como tijolos para a construção de um Brasil novo, melhor e justo para contemplação, inspiração e fruição de quem vier.

A economia brasileira como ela é, por tudo isso, é um livro repleto de predicados. Mas diferente do que se pode intuir, não é bem algo para ser lido. É, antes e acima de tudo, uma lição a ser praticada; um Brasil a ser reconstruído.

J. Carlos de Assis nos apresenta, portanto, em A economia brasileira como ela é um plano de ação. Um caminho seguro para sair de vez do atoleiro econômico e financeiro, moral e intelectual, teórico e político onde a fúria neoliberal nos trouxe e deixou.

Resta saber se estaremos à altura de agir, transitar e sair.

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