Um mapa da desigualdade em São Paulo

Cruzamento de indicadores sociais aponta: na periferia, acesso a direitos básicos como Saúde e Transportes é precário. Nas regiões ricas e centrais, Estado oferece qualidade de vida. Entender essa dinâmica é crucial para as eleições municipais

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Por Katia Canova, na coluna Outras Cartografias

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Indicadores de urbanidade e justiça espacial para a escala municipal, sintetizados pela autora no mapa:

Numa cidade como São Paulo, centro da maior metrópole sul-americana, expressiva em problemas e potencialidades, a busca de parâmetros para a construção de análises e diagnósticos é incessante. Igualmente intensa é a busca pelo aprimoramento de métodos para a formulação de propostas e monitoramento de ações. São milhões de pessoas circulando e ativando espaços e práticas dos mais variados, nas condições de conforto e qualidade das mais diversas. Logo, além de observar, é importante medir como essa dinâmica se dá. Diante da grande quantidade de dados existentes, captados por atores e interesses múltiplos e de maneiras diferentes, é necessário escolher ou formular uma metodologia que contemple esse contexto, sendo flexível o bastante para responder ao maior número e tipo de questões possíveis.

O universo onde essa demanda é a mais ampla possível é o do planejamento urbano público, que tem como objetivo captar, monitorar e propor sobre a diversa composição dos ambientes urbanos. Seja em escala municipal, onde o fundamental é garantir um programa claro de cidade, ou em escala intra-urbana, onde esse programa deve ser implementado com um pouco mais de detalhes, articulando partes, ou ainda na escala local, onde é possível ter indicadores mais precisos, é necessária a construção de uma prática que componha o aperfeiçoamento dos modos de obtenção de dados, assim como um método de inter-relacionamento destes para a obtenção de respostas e qualificações. A análise de desempenho dos instrumentos urbanísticos é uma prática necessária no monitoramento das ações e, especialmente, para a manutenção ou revisão dos mesmos ao longo do tempo e de acordo com as alterações de contextos resultantes de fatores externos.

Outro elemento importante dessa discussão é o processo de tomada de decisão sobre novos investimentos dentro de um conjunto de intenções pré-estabelecidas e com recursos escassos para tal, como é o caso de grande parte das cidades brasileiras, São Paulo entre elas. Defendemos aqui a potencialização da construção de conhecimento específico por meio de desenvolvimento de metodologias que agreguem arcabouço teórico às necessidades operacionais cotidianas do poder público.

A proposta deste trabalho parte do levantamento de indicadores e de conceitos que, combinados, apresentam a possibilidade da composição de um índice-base capaz de qualificar o território urbano quanto à sua urbanidade e justiça espacial. Partimos da defesa da eficácia dos investimentos públicos com o objetivo maior de garantir um aumento da qualidade de vida e da equidade entre os cidadãos nas diversas áreas da cidade. Com o novo paradigma do planejamento urbano posto pela Nova Agenda Urbana (III conferência ONU-Habitat, 2016), onde as ações têm um foco antropocêntrico, seja por demanda ou referência de escala, as variáveis escolhidas buscam se aproximar e refletir as dinâmicas criadas por essa escala.

Vemos no mapa em destaque o resultado da composição cartográfica desses indicadores após ponderação em matriz matemática de análise hierárquica, compondo uma gradação de situações de contemplação maior ou menor da urbanidade e da justiça espacial no município de São Paulo. Podemos observar como o estudo apresenta uma situação de acentuadas desigualdades no território. As melhores situações de urbanidade e justiça espacial (em azul e verdes) confirmam a história dos investimentos públicos e interesses privados no conhecido “vetor sudoeste de desenvolvimento”. Também é evidente como essas condições estão associadas à porção entre rios (Pinheiros e Tietê) e aos eixos ferroviários mais próximos ao Centro. Os polígonos em azul e verde no mapa foram os que apresentaram as melhores condições na maioria dos indicadores, com destaque aos de maior peso na ponderação. Por outro lado, temos os polígonos em vermelho e laranja escuro, que territorializam as concentrações de vulnerabilidades e condições consideradas aqui como desfavoráveis à urbanidade e com grande injustiça espacial. São distritos como Guaianazes e Cidade Tiradentes a leste, Capão Redondo, Grajaú e Cidade Ademar a sul, Perus, Freguesia do Ó, Brasilândia e Tremembé a Norte, entre outros.

Na análise parcial dos dados observamos o quanto a cidade é espraiada, horizontal e monofuncional em sua maior parte, fortalecendo os problemas de concentração de empregos e necessidade agressiva de grandes deslocamentos diários para as atividades básicas cotidianas de morar, trabalhar e abastecer. Essa condição, somada ao padrão construtivo horizontal de ocupação, gera precariedades ambientais, na saúde e segurança pessoais, sobrecarga do sistema de transporte público, e sobretudo no baixo aproveitamento dos investimentos em infraestruturas urbanas.

Diante desse cenário, fica evidente a presença de um território de transição, intermediário em urbanidade e justiça espacial, onde as infraestruturas urbanas já estão instaladas há tempos, são funcionais e subaproveitadas, e poderiam exercer um papel reestruturador de dinâmicas pelo adensamento populacional e construtivo, pela diversificação de usos e criação de novos empregos e serviços, pelas potenciais ligações inter-bairros em anéis periféricos, pelo incremento de coberturas vegetais, aumento da permeabilidade do solo, criação e valorização dos espaços livres e de uso públicos. Essas ações não só favoreceriam a instalação de Serviços Intensivos em Conhecimento e fortalecimento de estruturas econômicas de cadeias produtivas locais, como poderiam refletir diretamente na melhoria das condições de vida de quem está nas áreas de vulnerabilidades mais extremas. Para tanto, é necessário que esse fortalecimento do território intermediário seja dotado de programas de forte equidade, inclusão e participação social, permitindo que as áreas de maiores tensões sociais e ambientais fossem reestruturadas de maneira mais equilibrada.

Anel esquemático de transformação estrutural

Estes mapas são produto da tese de doutorado em geografia humana na USP, intitulada Urbanidade e Justiça Espacial na cidade de São Paulo: metodologia de análise e subsídio para tomada de decisão no planejamento urbano, de Katia Canova. Baixe a tese completa aqui.

Principais referências

GOBIERNO DO CHILE, PNUD, GEHL. La Dimensión Humana en el Espacio Público, Recomendaciones para el Análisis y el Diseño.Ministerio de Vivienda y Urbanismo, Santiago, 2017, 159p.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 3ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 2011. 510p.

LÉVY, Jacques. Le Tournant Géographique – Penser l’espace pour lire le monde. Éditions Belin, Paris, 1999, 400p.

LÉVY, Jacques; FAUCHILLE, Jean-Nicolas; PÓVOAS, Ana. Théorie de la Justice Spatiale – Géographies du juste et de l’injuste. Odile Jacob, Paris, 2018, 352p.

ONU – HABITAT(2). Planeamiento Urbano para Autoridades Locales.Kenia, 2014. https://unhabitat.org/books/planeamiento-urbano-para-autoridades-locales/

Katia Canova é urbanista e doutora em geografia humana pela USP. Possui experiência em planejamento urbano, com ênfase em desenho e gestão do território municipal.

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3 comentários para "Um mapa da desigualdade em São Paulo"

  1. Katia Canova disse:

    Caro leitor Sr. José Mario Ferraz,
    é justamente para que as decisões sejam pautadas por suporte técnico científico, sobre informações amplamente divulgadas para a população, que este trabalho foi realizado. Este é um processo que precisamos reforçar.
    Atenciosamente

  2. José Mário Ferraz disse:

    A doutora Katia não está levando em consideração que povo é tão fácil de ser enganado quanto criancinha, e que por isto o candidato que lhes brandir um pirulito na forma de discurso mais floreado e safado será até carregado nos ombros do rebotalho.

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