“Novo PAC”: passo adiante ou captura?

Programa retoma, em parte, o investimento público, mas pode abrir portas ao poder das empreiteiras e do capital imobiliário. Obras da Copa mostraram o perigo. A saída: criar mecanismos robustos de participação e controle social locais

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Por Demóstenes Moraes e Carina Serra, no BrCidades

Em 2008, durante evento de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou a necessidade de priorizar os trabalhadores locais, pensar o papel dos municípios e a relação entre o privado e o público. Afirmou: “Quero fazer um apelo aos prefeitos para que falem com os empreiteiros, na hora de contratar, que deem preferência aos trabalhadores da cidade. No Brasil inteiro tem PAC”.

Mais de uma década depois, após o país passar por uma série de crises (social, econômica, política, institucional, ambiental, urbana e sanitária) e mudanças políticas significativas (do golpe institucional contra Dilma Rousseff, à ascensão da extrema direita, com Bolsonaro), Lula foi eleito presidente. Tão logo assumiu o cargo, anunciou a retomada de diversos programas que marcaram seus governos anteriores, como o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O “novo PAC” (2023), lançado no dia 11 de agosto do corrente ano, despertou, desde seu anúncio, entusiasmo entre diversos setores da sociedade, incluindo a população, pesquisadores e líderes sociais e agentes políticos e econômicos. E não sem justificativas, considerando o desenvolvimento social e econômico promovido antes e seu potencial para contribuir à reconstrução do país nesse momento.

O programa em sua primeira versão, entre 2007 e 2010, recebeu investimentos históricos na realização de obras de infraestrutura, tendo um total de R$ 619 bilhões. De acordo com Adauto Cardoso e Rosana Denaldi, no livro Urbanização de favelas: um balanço preliminar do PAC de 2018, os investimentos foram divididos em Infraestrutura Logística (rodovias, portos, ferrovias, aeroportos e hidrovias); Infraestrutura Energética (transmissão, petróleo e gás, geração de energia, indústria naval, combustíveis fósseis); e Infraestrutura Social e Urbana (iluminação, recursos hídricos, metrôs, habitação e saneamento).

O PAC teve como característica buscar resultados rápidos, a fim de impactar a economia e “criar um ciclo virtuoso de expectativas”. Para alcançar tal objetivo, foram investidos pelo programa mais de R$ 2,3 trilhões de reais até dezembro de 2016, segundo dados da Secretaria do Programa de Aceleração do Crescimento (Sepac). Entre os muitos e grandiosos resultados do PAC é possível destacar no eixo de infraestrutura social e urbana: cerca de 5 milhões de unidades habitacionais foram contratadas pelo PMCMV; obras de saneamento básico e de resíduos sólidos foram implementadas em mais de 2 mil municípios, alcançando 8 milhões de famílias; 3,2 milhões de ligações elétricas foram realizadas programa Luz para Todos; além dos diversos investimentos realizados para a redução do risco e, também, nas infraestruturas para os serviços de saúde, educação, cultura etc.

Em um país marcado pela autoconstrução e desigualdade socioterritorial, com significativa parte da população fora do mercado formal de habitação, é evidente que o PAC cumpriu um importante papel na elaboração de projetos massivos de infraestrutura, incluindo a urbanização de favelas. O PAC Urbanização de Assentamentos Precários tornou-se o maior programa nacional de urbanização de favelas, tendo um investimento de mais de R$ 29 bilhões e beneficiando, até 2016, cerca de 2 milhões de famílias. No entanto, mesmo com esses resultados grandiosos e os expressivos impactos sociais e econômicos alcançados, alguns desafios que marcaram a execução do programa no passado servem de alerta para o novo PAC.

É preciso, em relação a um programa dessa natureza, complexidade e abrangência, evidenciar que em sua versão anterior e, provavelmente, em sua nova versão, o PAC será muito dependente das concepções e da qualidade de projetos propostos e das intervenções realizadas por governos locais, com intermediação de parlamentares. Parte expressiva dos governos locais, contaminada pelo ideário neoliberal, tem investido pouco em capacidades institucionais para elaborar, contratar e acompanhar projetos, obras e serviços. Além disso, a maioria destes governos é permeável a interesses particularistas de agentes políticos e econômicos, em detrimento dos interesses públicos e sociais mais amplos.

As agendas públicas locais que têm predominado estão distantes de perspectivas redistributivas e inclusivas, fundamentais à reconstrução do país, considerando as desigualdades estruturais e a ampliação da precarização das condições de vida de parte expressiva da população em função da crise múltipla.

É preciso considerar, ainda, os potenciais impactos negativos de projetos e intervenções concebidos a partir das agendas locais, com a predominância grandes projetos e reestruturações urbanas excludentes que favorecem os negócios de alguns, mas que podem implicar em impactos negativos nos âmbitos social, ambiental, urbano e fundiário nas cidades, aglomerados e regiões.

É importante registrar, ainda, que houve dificuldades para o controle e participação social, tanto no âmbito federal, mas principalmente no âmbito local, em relação ao debate sobre as prioridades e propostas, quanto à utilização de recursos públicos e à qualidade de obras e serviços promovidos a partir do PAC.

Entre os impactos negativos do ciclo anterior do PAC é preciso destacar a promoção de remoções e outras violações de direitos decorrentes das obras e intervenções financiadas pelo programa, principalmente nas cidades que abrigaram grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas. Como reação a tais intervenções excludentes, foram formados os Comitês Populares da Copa, integrados por movimentos e entidades sociais diversas, que não apenas denunciaram as violações de direitos, como propuseram medidas e ações de prevenção e reparação.

Para um novo PAC, além da imprescindível reconstrução das instâncias de gestão democrática e participativa para o exercício do controle social mais amplo sobre as intervenções do programa. Nesse sentido, seria muito importante estabelecer em âmbito federal requisitos e exigências quanto ao acompanhamento de instâncias de participação e controle social locais e de comitês integrados por moradores dos territórios que receberão intervenções, obras e serviços do programa, em especial os periféricos.

Seria fundamental, também, que houvesse o reconhecimento das forças e potenciais dos moradores, entidades e assessorias atuantes nos territórios periféricos, como vem sendo feito pela Secretaria dos Territórios Periféricos do Ministério das Cidades. Com tal reconhecimento, esses atores que vivem e constroem esses territórios no cotidiano poderiam participar e realizar a cogestão de projetos, intervenções e ações do PAC e intervenções complementares. A atuação deles poderia ser potencializada se programas como o Periferia Viva e a Rede de Equipamentos – “Canto Territórios de Cidadania” e outros que com abordagens multidimensionais e inclusivas tivessem suas previsões orçamentárias ampliadas.

Para que tudo isso seja possível é fundamental a mobilização sociopolítica de todas as forças que têm lutado pelo direito à cidade e por direitos nas cidades, para influenciar as agendas públicas nacional e locais. Nesse sentido, a rede BrCidades, junto com vários movimentos populares e outras articulações e redes do campo da reforma urbana e do direito à cidade, estará mobilizada para contribuir e pressionar para a construção de um PAC como um instrumento de políticas urbanas redistributivas e inclusivas.

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