Marx e Gramsci na Revolução Urbana brasileira

Nas cidades está o fulcro do dilema histórico vivido pelo país. Para afastar o golpismo, há que promover cidadania radical a partir de lutas urbanas, poder local e uma nova relação com a natureza. A ciência política tem algo a ensinar a respeito

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O presente artigo posiciona a necessidade de níveis críticos de cidadania na sociedade como requisito para a estabilidade democrática e propõe ferramentas para a sua reprodução em quantidade e qualidade com o propósito, num primeiro momento, de estabilizar o Estado de direito, imunizando-o contra o golpismo e, em seguida, de aprofundar o processo democrático, tornando-o irreversível. O golpe de 2016 se assentou nos baixos níveis de cidadania e de politização então presentes no Brasil, que permanecem, aliás, como o permanente calcanhar de Aquiles da democracia brasileira, desnutrindo-a dessa imprescindível substância.

Vamos tratar essa temática, no plano teórico, por meio de uma visita a conceitos que explicitam esse processo e põem em evidência a conexão entre a cidadania e a Revolução Urbana, apontando para a centralidade da inclusão social e do Direito à Cidade nesse processo; e tentaremos demonstrar, como já há muito sabemos, como as intervenções que alteram a “existência” das pessoas devem preceder e alteram também, e em definitivo, a sua consciência, o que torna o Direito à Cidade, conceituado de maneira ampla, estratégico para a construção da estabilidade da democracia e do seu aprofundamento.

Parte 1: O desenvolvimento como conceito qualitativo

Em economia há com frequência uma confusão entre os aspectos ditos qualitativos e os quantitativos do desenvolvimento de maneira que comumente a ideia de desenvolvimento se reduz aos seus aspectos quantitativos. Estamos utilizando aqui o termo “desenvolvimento” apenas no sentido qualitativo que inclui o surgimento de novos valores e capacidades numa dada sociedade. Incluem-se aí novas políticas públicas que dão solução a problemas anteriormente não enfrentados e equipamentos coletivos que mudam a experiência de cidade e de sociedade para os seus cidadãos. Vamos também considerar que esse desenvolvimento qualitativo que altera para a cidadania a sua experiência cotidiana de cidade e de sociedade (o Direito à Cidade), como potencialmente capaz de produzir emancipação e inclusão social, fatos que comprometem o sujeito com os resultados, permitindo que processo ganhe vida própria e se torne potencialmente contínuo e, depois, inelutável.

Parte 2: A Política de Estado do Abandono das maiorias e do subdesenvolvimento crônico proposital para a exclusão social

Na nossa sistematização (ver A Hipótese da Revolução Progressiva, Editora Canal 6, Projeto Editorial Praxis, 2018), o subdesenvolvimento crônico a que são submetidas as periferias, bairros populares e zonas rurais no Brasil tem um claro propósito de reproduzir a sociedade brasileira como ela é: excludente e racista. Sua atuação se dá por um abandono contínuo por parte do Estado, que se faz presente essencialmente pela força repressiva e por aquilo que, apenas por conquista popular, se tornou obrigatório por lei: a saúde e a educação.

Essa é a forma pela qual o Estado escravocrata, egresso da Casa Grande, continua vivo tratando o seu dipolo, as Senzalas contemporâneas (periferias, zonas rurais e bairros populares) como sempre tratou as senzalas nas fazendas: a insalubre morada da escravaria, local onde o escravo podia (e continua podendo) ser açoitado, reprimido e morto e onde só tinha (e só tem) o direito ao mínimo para continuar vivo e suficientemente saudável para trabalhar.

Vamos considerar aqui que o mínimo a que esse trabalhador/escravo tem direito (para servir ao trabalho) é historicamente definido e evolui com o tempo, com as conquistas das lutas pela sobrevivência e com as necessidades do próprio mercado de trabalho que pode exigir, por exemplo, mais formação escolar, gerando a falsa impressão de que as coisas estão melhorando, quando não atingem a alma do ordenamento Casa Grande e Senzala que continua matriciando todo o processo e que, portanto, produz “mudança” precisamente para que tudo permaneça como sempre foi, mantendo intacta a sujeição escravocrata em tudo que é essencial.

Vamos considerar também que enquanto mecanismo central da reprodução da sociedade brasileira como ela é (o abandono público para o subdesenvolvimento e a exclusão social), que se trata de uma política de Estado “invisível” mas real, consensual e longeva, a invisibilidade de que desfruta a “ideologia” no conceito que Marx e Engels desenvolveram em A ideologia alemã, o que a faz gozar de um inacreditável consenso que se expressa em toda parte, explícita ou implicitamente, mas sempre de forma excludente e massacrante de corpos e de almas.

Parte 3: O desenvolvimento para a cidadania e a inclusão social enquanto missão histórica do Estado de direito

Conforme apontamos n’A Hipótese da Revolução Progressiva, a missão histórica do Estado de direito (entendido como o Estado ampliado sob o capitalismo), quando está sob governo popular, não pode ser outra senão a da emancipação do povo. Não há outra missão histórica maior que essa, toda e qualquer outra obrigação estatal deve ser entendida como meio para o atingimento dessa missão finalística maior.

A razão disso é que é justamente através desse processo emancipatório que se dá a multiplicação da cidadania (em quantidade e qualidade) permitindo, então, que seja o lastro capaz, não somente de sustentar os espaços democráticos conquistados nas lutas, como também de continuar avançando no processo de ampliação e democratização do Estado. Portanto, ao cumprir com a sua missão histórica de emancipar o povo, ou seja, de produzir cidadania em níveis populacionais, o Estado de direito se consolida e se amplia, num processo que, a depender da hegemonia popular, tem o potencial de tornar-se inelutável.

Sem criar esse lastro, no entanto, a barca da democracia é frágil e pode virar ante os ventos golpistas típicos do que Gramsci chamou de crise orgânica do capitalismo — que é o que vivemos hoje. Por outro lado, com uma massa crítica de cidadania suficiente, a democracia tem mais chances de resistir e o processo democrático pode se estabilizar e se aprofundar.

É importante sublinhar que esse desenvolvimento para a cidadania e para a inclusão social é a política de Estado capaz de romper com a velha política do subdesenvolvimento para a exclusão social e que ela é capaz de produzir, no campo da política, “ouro puro”: a alteração da correlação de forças em favor do campo progressista.

Isso é precisamente o que se produziu nos governos Lula no Nordeste quando aquelas políticas de saída da miséria encontraram adequação em relação às necessidades reais do povo nordestino de então, o que não somente o retirou da pobreza extrema, como também o politizou. O processo mostrou também a necessidade da adequação real e histórica das políticas emancipatórias ao seu contexto social e histórico, pois, tendo sido as mesmas para o Brasil como um todo, não tiveram papel de politizar o povo de outras regiões onde a necessidade de saída da miséria já não gritava como no Nordeste.

Parte 4: Estado ampliado e Estado restrito

Segundo Gramsci, a ampliação do Estado se dá pelo surgimento da sociedade civil que obrigou o Estado capitalista a evoluir de um governo pela força para um governo pelo consenso. O Estado ampliado é aquele em que a sociedade civil se constitui como uma densa rede à sua volta. Ele denominou o Estado ampliado de Ocidental e concluiu que nele a revolução não poderia ser explosiva, o que obrigaria o proletariado a uma longa jornada política para consolidar-se como força hegemônica antecedendo a sua supremacia. O Estado restrito, ao contrário, é aquele em que a sociedade civil é rudimentar, no qual o governo se dá muito mais pela força do que pelo consenso por estar centrado na sociedade política, que reagrupa as forças repressivas do Estado. Gramsci denominou esse Estado restrito de Oriental, vendo o Estado russo da época da revolução de 1917 como seu exemplo ilustrativo.

Nossa crítica a essa compreensão repousa no fato de que Gramsci classificou como geográfico (Ocidental x Oriental) um processo que é na verdade “cronológico” e que, na verdade, estabelece duas fases no capitalismo, uma inferior, com predomínio da sociedade política e outra superior, com o predomínio da sociedade civil. A isso acrescentamos o fato de que essa ampliação do Estado tem autoria e se deu essencialmente pelas lutas do próprio proletariado que não somente é o principal beneficiário da passagem do governo pela força ao governo pelo consenso, como também é a força mais interessada na democratização do Estado, conceito que se confunde com a governança estatal pelo consenso. A ampliação ou democratização do Estado é, por isso, a maneira pela qual a revolução proletária se dá no interstício do Estado capitalista, obrigando-o a essa transição interna de sua fase inferior a sua fase superior.

É claro que esse modelo de revolução conflita com o entendimento leninista que o vê num processo explosivo, culminando com uma tomada de poder, como também com o modelo de Gramsci que enxerga como desfecho possível na crise orgânica a tomada do poder por um partido de tipo leninista.

Na Revolução Progressiva, que se vê confirmada pela constatação da nossa história recente, mas também na de outros países, o melhor desfecho da crise orgânica é a consolidação da democracia e a continuidade da ampliação do Estado, ou seja, o aprofundamento do processo democrático, tornando a ideia da ditadura do proletariado obsoleta, ante uma formação estatal que estruturalmente (a sociedade civil) não poderá deixar de ser governada pelo consenso, dada a natureza intrinsecamente democrática dessa revolução que de fato estará, considerado esse melhor desfecho, em andamento. A ditadura do proletariado se tornou obsoleta pelo fato de que, uma vez ampliado o Estado, em grande medida pelas lutas do próprio proletariado, esse está “condenado” a governar pelo consenso.

Observamos também numa adição ao pensamento de Gramsci, que a fascistização do Estado não é uma regressão a formas anteriores de Estado restrito, mas se dá pela necessária fascistização da sociedade civil, da qual o Estado ampliado não pode se desvencilhar, obrigando-a portanto a um consenso que assume uma natureza orgânica e obrigatória.

O Estado fascista nada mais é do que o Estado ampliado no qual a sociedade civil foi enfeixada (por isso a imagem do fascio) num consenso obrigatório. Não se trata da ditadura (o Estado restrito) + ideologia orgânica como expressou Gramsci, mas de algo muito mais perigoso, trata-se da democracia (o Estado ampliado) pervertida pela ideologia orgânica: uma democracia macabra em que todos foram convertidos em rinocerontes, como percebeu Ionesco, ou simplesmente The Walking Dead.

Parte 5: O Direito à Cidade

Em lugar de tomar um exemplo de livro, vou trazer aqui o resultado de um seminário popular que conceituou, entre outras ideias, também a do Direito à Cidade. Na Carta de Natal de 2015, que abordou o “Desenvolvimento Local e o Direito à Cidade”, os movimentos sociais de Natal (RN) conceituaram o Direito à Cidade da seguinte forma: “o processo através do qual a cidadania vai se apropriando de uma cidade cada vez mais acessível, segura e amigável produzindo alcance universal às oportunidades e ofertas culturais, esportivas de lazer e outras, nela existentes e ainda restritas, num contexto que garante o direito à terra urbanizada e à moradia digna, com participação social.”

É interessante como os movimentos sociais encontraram um conceito que se sobrepõe ao de inclusão social que pode ser conceituado, segundo a Wikipedia que sabe de tudo, como segue: “Inclusão social é o conjunto de meios e ações que combatem a exclusão aos benefícios da vida em sociedade, provocada pelas diferenças de classe social, educação, idade, deficiência, gênero, preconceito social ou preconceitos raciais. Inclusão social é oferecer oportunidades iguais de acesso a bens e serviços a todos.”

Na releitura da Carta de Natal, escrevemos o documento intitulado de Rede de Inclusão e Direito à Cidade, terminologia que não é redundante mas sinérgica porque, apesar de exprimirem ideias similares, cada conceito tem uma origem e tradições diferentes.

De forma muito livre, para sintetizar tudo isso poderíamos dizer que o Direito à Cidade, num conceito abrangente, seria: existência digna e vida plena.

Parte 6: A emancipação da cidadania como o momento em que a classe em si se converte em classe para si

O processo emancipatório no qual o Estado de direito (sob governos populares) deve se empenhar, por ser a sua missão histórica, coincide com o conceito marxista de conversão da classe em si em classe para si, processo que nunca é espontâneo e que inclui identidade, cultura e vontade coletiva. Esse conceito evoluiu a partir de uma base ampla e libertária conforme é descrito no Manifesto do Partido Comunista por Marx — “Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classe, surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos”. (Karl Marx e Friederich Engels, 1847) — veio a reduzir-se em Lênin à condição da militância disciplinada no partido enquanto “chefe” do proletariado, como pode ser lido no capítulo I da segunda parte d’O Estado e a Revolução:

“Educando o partido operário, o marxismo forma a vanguarda do proletariado, capaz de tomar o poder e de conduzir todo o povo ao socialismo, capaz de dirigir e de organizar um novo regime, de ser o instrutor, o chefe e o guia de todos os trabalhadores, de todos os explorados, para a criação de uma sociedade sem burguesia, e isto contra a burguesia”.

E voltou a se ampliar novamente em Gramsci que, prevendo uma longa luta no Ocidente, entendeu que o proletariado devia aprender a fazer política e atribuiu à cultura um papel central no processo emancipatório.

O conceito que propomos de cidadania emerge mais do jovem Marx do Manifesto do que de Gramsci (que preserva ainda elementos dessa disciplina leninista do processo emancipatório) o que, na verdade, também o incomodava, como ele mesmo diz nos Cadernos do Cárcere em “Maquiavel: notas sobre o Estado e a Política” (que pode ser encontrada na edição de Carlos Nelson Coutinho com Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques, Editora Civilização Brasileira, 2011, à página 23):

“Mas como cada indivíduo singular conseguirá incorporar-se ao homem coletivo e como ocorrerá a pressão educativa sobre cada um para obter seu consenso e sua colaboração, transformando em ‘liberdade’ a necessidade e a coerção?”

Gramsci via, portanto, dificuldades nesse processo ambivalente que ele próprio defendia, como leninista que era, de criar o “homem coletivo” (afinal a classe para si) e o militante disciplinado ao mesmo tempo, refletindo a ideia da revolução em duas fases em que a guerra de posição deve ser seguida de uma guerra de movimento no topo da crise orgânica. A dualidade do modelo de revolução em duas fases produziu um conceito dual e problemático de emancipação…

O conceito que propomos constata que só há cidadania nas sociedades em que as ideias do proletariado já emergiram e entende a cidadania e suas lutas sociais, em toda a sua pluralidade, como a expressão superestrutural (a classe para si) de um proletariado estrutural (a classe em si), resolvendo assim a falsa dualidade entre a pauta classista e a identitária.

Do ponto de vista do modelo de revolução e do entendimento de que o Estado ampliado é inescapável, ela posiciona o proletariado para tornar a continuidade do processo de ampliação do Estado de direito (sua democratização) inelutável por meio da construção da sua hegemonia política o que deve se dar através da multiplicação populacional da cidadania (o sujeito, a classe para si) em qualidade e quantidade.

Vale lembrar que na saída da sociedade de classes (que é onde estamos no capitalismo), emergem como ideias do proletariado as classistas, a ambiental (que recupera, como seria de se esperar, uma relação sinérgica e ecológica entre a humanidade e a natureza) e as identitárias que, em grande medida, assumem como bandeira uma normalização de certas questões inatas da humanidade como ela é.

Esses três componentes — classista, ecológico e identitário — compõem uma nova totalidade inseparável das ideias que vão surgindo no processo emancipatório. O conceito mostra também que na crise orgânica só há dois desfechos possíveis: (a) a fascistização do Estado ou (b) a consolidação do Estado ampliado (o Estado de direito) e a sua contínua ampliação, ou seja, o aprofundamento da democracia e não a ditadura do proletariado.

No livro “A Hipótese da Revolução Progressiva” explicitamos: (a) um conceito de emancipação em três níveis concomitantes (sobrevivência, cultura e política) e (b) um novo modelo de transição para o socialismo pós-capitalista.

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Se esses conceitos estiverem corretos, estamos desafiados a produzir cidadania (a classe para si) em escala populacional se é que queremos estabilizar esse Estado ampliado (que chamamos de Estado de direito) e continuar aprofundando a democracia, o que significa continuar “ampliando” o Estado.

O que fazer?

Em primeiro lugar, é preciso entender que se trata de um processo que tem urgência para começar (há muito sofrimento em jogo) que deverá contaminar de forma sistêmica o quanto possível o ente estatal como um todo, que se trata de uma construção de início urgente e sem data de término, mas que pode ser iniciada no microcosmos de qualquer prefeitura, materializando um processo multifocal enquanto “aguarda” tornar-se sistêmico.

O poder local tem por isso grande importância, pois o processo que ele pode disparar poderia ser assimilado pelo consenso que será capaz de gerar, a um efeito dominó. O impacto mundial do Orçamento Participativo de Porto Alegre, que incorporou elementos do que aqui apresentamos, é testemunho da necessidade histórica desses valores cuja carência e incompreensão vem produzindo uma deformidade sociopolítica expressa em pontes, viadutos e folguedos em lugar do enfrentamento da tarefa estratégica de colocar o povo de pé.

Em segundo lugar, é essencial entender que o nó górdio dessa iniciativa é a substituição da Política de Estado do Abandono das maiorias à sua própria sorte que produz o subdesenvolvimento opressor para a exclusão social — e que realimenta o racismo estrutural e dá vida ao Estado escravocrata por uma nova política de Estado de desenvolvimento (lembrar que aqui estamos utilizando esse conceito do ponto de vista qualitativo) para a inclusão social, o Direito à Cidade e para a produção em escala populacional de cidadania.

Em terceiro lugar, é preciso entender que esse processo só pode ser encarnado no desenvolvimento (conceito qualitativo) local. Por que? Porque a exclusão social, enfrentada por uma luta na adversidade, construiu um mosaico extremamente variado de realidades territoriais e uma multiplicidade de sujeitos comunitários, que materializam dipolos território/comunidade únicos cada um com a sua prioridade e emergência, que devem, obviamente, ser os alvos específicos da ação do Estado sob um governo popular. Isso significa que, a bem do processo de multiplicação da cidadania em nível populacional, tal processo deverá ser obrigatoriamente participativo e deverá se caracterizar por intervenções “território-específicas” e não por políticas unívocas focando essa ou aquela prioridade única surgida do sacrossanto ambiente da cabeça do planejador.

A Rede de Inclusão e Direito à Cidade propõe um repertório de políticas públicas e equipamentos coletivos para o enfrentamento da agenda do desenvolvimento para a inclusão social e a cidadania (ver página 4, 5 e 6 da publicação linkada), repertório esse que estará sendo encaminhado à Conferência Popular pelo Direito à Cidade que ocorrerá em junho na cidade de São Paulo. Entendemos que esses equipamentos e políticas devam se constituir enquanto uma nova rede, comparável à rede de Saúde, por reunir equipamentos e políticas diversos que interagem com o propósito comum de resolver problemas, oferecer oportunidades e replicar a cidadania em qualidade e quantidade e cujo ordenamento de sua implementação deve depender das prioridades de cada comunidade expressas por sua vontade coletiva. Aos que estão se perguntando já respondo que sim, a Rede Inclusão cabe folgada nos orçamentos do Brasil (ver página 8, 9 e 10 da publicação linkada).

Em quarto lugar, é preciso que os partidos políticos progressistas assumam no contexto em que essa nova rede venha a ser construída o papel de tornar ainda mais inteligível para o povo o fato de que tais iniciativas consubstanciam um novo Projeto de Sociedade (e de cidade/civilidade), o que terá papel de incrementar a politização que já estará em andamento pela própria natureza das ações.

Por último é preciso constatar que esse é um processo difícil porque se choca com a Política do Abandono e do subdesenvolvimento para a exclusão, que é o meio pelo qual a sociedade brasileira racista e excludente se reproduz como ela é, fazendo contemporâneo e atual o Estado escravocrata.

As ações desse subdesenvolvimento para a exclusão se converteram numa verdadeira política de Estado tão presente quanto invisível. Uma segunda pele do Estado brasileiro. Ela está soldada por amplo consenso, o que inclui ativamente as forças conservadoras e passivamente, num fenômeno de inconsciência política, muitas forças progressistas que assumem o poder e continuam abandonando as maiorias, dominadas que ainda estão em grande medida e contra a sua vontade pela ideologia do opressor.

Essa é a razão pela qual as periferias continuam abandonadas à sua própria sorte, seja qual for o governo. Para que não haja dúvidas, queremos reavivar na memória do leitor o fato emblemático de que o morticínio de pretos no Brasil converteu-se em algo natural e endêmico no conjunto dos estados brasileiros sem nenhuma exceção e, em toda parte e no todo, só fez piorar nos últimos vinte anos.

A emancipação da cidadania (a conversão da classe em si em classe para si) como a entendemos é um processo inacreditavelmente contra-hegemônico pois, embora torná-lo sistêmico dependa da hegemonia popular no Estado e na sociedade, iniciá-lo está ao alcance da mão de qualquer prefeitura. A sua inviabilidade universal se dá pela adesão consciente ou inconsciente das autoridades públicas à Política de Estado do Abandono e do subdesenvolvimento para a exclusão social, a mesma que, como já dissemos, reproduz a sociedade brasileira como ela é e mantém intacto o Estado escravocrata, racista e excludente em toda parte até os nossos dias.

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