A Virada Cultural de que São Paulo precisa

Reconquista do espaço público não pode depender de evento anual. Centro deveria converter-se, todos os fins-de-semana, em palco de múltiplas atividades culturais autônomas

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Festa Junina no “Minhocão”, uma das centenas de atividades organizadas por coletivos autônomos, no festival Baixo Centro-2012 (Foto: Fora do Eixo)

 

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Por Regina Egger Pazzanese*

Quem contou os minutos para o início da Virada Cultural, junto com o site do evento, teve algum desgosto e tristeza, ao percorrer na noite do último sábado o centro de São Paulo. Foi uma mistura de violência urbana com ecos de precariedade pública.

Circulam desde então notícias no jornal, blogs e discussões no facebook culpabilizando a administração petista, a polícia e a luta de classes. Vejo, no entanto, a questão principal não nos problemas do evento em si mesmo, mas na ausência de um debate estratégico sobre a  virada cultural efetiva de que São Paulo precisa.

A proposta de ocupar o espaço público, tão desejada pelos paulistanos e por quem pensa a integração da cidade como algo emancipador e construtor de relações sociais mais igualitárias, não vai ser resolvida com um evento. Mais uma vez, o governo petista está no lugar certo, na hora certa (como dizem as más línguas a respeito da gestão Lula no Governo Federal), mas isso não quer dizer que tudo vai dar certo automaticamente.

A Virada é uma grande oportunidade. Pois o evento espetacular que é serviu como um “piloto” do que poderia vir a ser esta cidade plural, feita para e por seus cidadãos. Uma atividade capaz de reunir 4 milhões de pessoas — ou seja, 20% da população de umas das maiores cidades do mundo em um único dia, para vivenciar experiências artísticas em um local degradado, mal iluminado, que cheira a urina é um indicativo. Na verdade, é um arranha céu revestido em lantejoulas — sinais de que, se tivermos um ambiente inclusivo, de acesso livre, onde as pessoas possam usufruir a cidade cosmopolita que é São Paulo, elas virão.

Numa entrevista recente, o prefeito Fernando Haddad mencionou ter hoje, em sua cabeceira, apenas livros sobre urbanismo Dois meses após tomar posse, Haddad engavetou o projeto segregador da Nova Luz, para dar lugar a uma proposta urbanística integradora, que inclui moradias populares nesta no centro da metrópole. A virada cultural de que São Paulo precisa é esta!

Um evento nunca suprirá o abismo de desigualdade social de uma cidade complexa como São Paulo. Poderá, ao contrário servir de catalisador para a intolerância. Viver na cidade e conviver com uma pluralidade cada vez maior de diferenças nos faz deparar com outras formas de convívio e códigos de sociabilidade, em um movimento constante de aprendizagem. Nesta cultura de segregação e exclusão espacial, o território passa a ser cada vez mais compreendido como mercadoria, algo que pode ser comprado e vendido, e como espaço concreto e simbólico de tensões econômicas e sociais.

Uma cidade tem a ver com a diversidade dos espaços que a compõe. “Se as pessoas ocupam integralmente um bairro, ele estará sempre vivo e em movimento, enquanto espaços vazios são ocupados por situações de degradação”, defende sabiamente a urbanista norte-americana Jane Jacobs, em Morte e Vida nas Cidades, meu livro de cabeceira.

As pessoas precisam estar nas ruas para que estas se tornem funcionais e integradas. Conviver e ocupar os espaços públicos é conscientizar os sujeitos sobre sua responsabilidade em cuidar e conservar os territórios. Significa provar que o intercâmbio entre as classes sociais cria pertencimento, convivência e tolerância em relação às diferenças. Quanto mais diversidade de pessoas em um espaço público, mais dinâmico 
e ativo ele se tornará. Este princípio, postulado pela arquiteta norte-americana, aplica-se de forma diretamente proporcional ao aumento das populações nos centros urbanos.

Em entrevista no final de fevereiro, Haddad afirma querer “um centro representativo de todas as camadas sociais da cidade: pessoas de classe média, trabalhadores, pessoas mais pobres, mais ricas. Queremos um centro plural”.

Uma cidade cosmopolita como São Paulo deveria ter em seu plano urbanístico a proposta de transformar o centro da cidade em um lugar de diálogos, trocas, intervenções e fruição cultural e artística principalmente aos finais de semana — em todos eles. Arrisquemos permitir que a cidade faça sua própria gestão cultural. Claro que iluminação nas ruas e policiamento não são papel do cidadão, mas de uma gestão pública. No entanto, uma vez que os espaços culturais já existem, convocar movimentos, coletivos e ativistas culturais da cidade para realizarem sua produção nestes locais poderia ser uma cartada certeira nesta importante premissa de articular as diferentes classes sociais no espaço publico. A cultura pode ser um instrumento de reocupação do centro que faça isto de forma criativa, integradora e pacífica.

Não basta ler mais sobre urbanismo, muito menos defender eventos pontuais, como a Virada Cultural. Precisamos de uma virada cultural e política para São Paulo. No lugar e hora certos, farão esta diferença?! Torço que sim.

* Regina Egger Pazzanese, comunicadora social, historiadora, apreciadora das artes e alguém que ama muito São Paulo. Email: regina.egger@gmail.com

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Um comentario para "A Virada Cultural de que São Paulo precisa"

  1. Rogério Centofanti disse:

    Qualquer coisa que seja organizada perde o seu caráter de convivência espontânea. Alphaville e mesmo o parque do Ipirapuera não me deixam mentir. Planejamento de espaços urbanos dá em qualquer coisa, mas jamais em convivência espontânea, como é, por exemplo, o caso do parque da Água Branca. É como um jardim que recebeu os cuidados de um paisagista, comparado a uma mata nativa. Os bairros se formaram ao longo dos anos, e foi isso que deu à eles a forma que têm hoje. O bairro “chic” de ontem é o degradado de hoje, quando o “chic” mudou-se para outra freguesia. O centro velho de São Paulo deve ser o único lugar da cidade com muitos espaços livres. e sua ocupação é produto de vicissitudes históricas. Não está sendo ocupado por atividades culturais pelo simples fato dos grupos chamados culturais não ocuparem tais espaços com conta da própria iniciativa, contanto apenas com a presença de órgãos do Estado para assegurar higiene e principalmente segurança.

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