Tiziano Terzani: De correspondente de guerra a militante da paz

.

“O mundo está mudando, e nós também temos que mudar. Nós precisamos parar de fingir que tudo é como antes e que podemos seguir vivendo normalmente, de modo covarde”

Tiziano Terzani era um italiano de Florença que amava a Ásia. Foi um dos jornalistas de maior prestígio internacional, mas ao longo da vida deixou o trabalho como correspondente de guerra para tornar-se um pacifista militante. Baseado em Bangkok, na Tailândia, percorreu o Oriente em função de seu trabalho, tendo coberto eventos dramáticos, inclusive a Guerra do Vietnã. Suas experiências mudaram seus valores e sua concepção de vida.

Desde o fim da Guerra Fria, uma nova ordem mundial se desenha. Em um mundo étnica, cultural e religiosamente diverso, o número de conflitos que emergem a partir das diferenças entre as civilizações que o compõem é preocupante e, por vezes, estarrecedor. Há 10 anos, a humanidade assistia a um dos eventos mais impactantes e evidentes deste estado de desagregação em que se encontram os povos e suas nações. No esteio dos atentados do 11 de Setembro, Tiziano se opunha fortemente às empresas militares dos Estados Unidos e seus aliados no Afeganistão e no Iraque.

Na época, após os fatos e em virtude dos discursos de ódio que viu espocar em todos os meios de comunicação, Tiziano redigiu a uma série de cartas que foram publicadas pelo jornal italiano Corriere della Serra, nas quais questionava o sentido de uma “Guerra contra o Terror” e respondia a outros jornalistas que defendiam a reação americana. Essas cartas, mais tarde, foram reunidas e o jornalista tentou publicá-las. Encontrou as portas das editoras americanas e britânicas “devidamente” fechadas. Diante das negativas, publicou o livro na internet [versão em inglês]. O texto foi posteriormente traduzido a diversas línguas. As cartas são seu legado, um chamado à reflexão e uma defesa da paz.

Alguns trechos das cartas traduzidos para o português:

“Basicamente, eu tenho dificuldade em me definir. Eu alcancei essa idade na vida sem nunca ter querido pertencer a nada, nem a uma igreja, nem a uma religião. Eu nunca pertenci a qualquer partido político e nunca liguei meu nome a qualquer associação, seja ela um grupo em favor da caça ou em favor dos direitos dos animais. Não porque pela minha natureza eu não esteja ao lado dos pássaros e contra caçadores que se escondem em cabanas para atirar neles, mas porque eu acho qualquer tipo de organização restritiva. Eu preciso me sentir livre. Tal liberdade é estranha, porque ela significa que toda vez que surja uma situação na qual eu seja forçado a decidir o que pensar ou fazer, tudo o que eu terei para me sustentar é minha própria cabeça e o meu coração, ao invés de linhas prontas e fáceis de algum partido ou palavras de algum texto sagrado.

(…)

Nós perdemos toda a medida de quem nós somos. Nós esquecemos quão frágil e interconectado o mundo em que vivemos é. Nós desapontamos a nós mesmos quando pensamos que uma dose de violência, se aplicada “inteligentemente”, pode por um fim a uma terrível violência por parte dos outros. Nós deveríamos pensar duas vezes. Tristemente, os únicos protagonistas e espectadores no palco do mundo hoje somos nós, ocidentais. Através da nossa televisão e jornais, nós escutamos apenas nossas próprias razões e experiência, apenas nossas próprias dores. O mundo dos outros não é nunca representado.

(…)

Os ´kamikaze´ podem não interessar você, Oriana [Oriana Fallaci é uma jornalista italiana que morava nos Estados Unidos, a quem ele endereçou uma das cartas publicadas no Corriere della Serra], mas eu tenho muito interesse por eles. Eu passei dias no Sri Lanka com alguns jovens ´Tamil Tigers´ que haviam feito votos de suicídio. Eu tenho interesse pelos jovens palestinos do Hamas que se explodem em pizzarias israelenses. Talvez, até mesmo você teria tido um momento de compaixão se você tivesse visitado o centro onde os primeiros ´kamikaze´ foram treinados, em Chiran, na ilha de Kyushu no Japão, e tivesse lido as trágicas, poéticas palavras que eles escreveram em segredo antes de partirem, relutantemente, para morrer pela bandeira e pelo imperador.

Os ´kamikaze´ me interessam porque eu gostaria de entender o que os faz tão dispostos a cometer um ato anti-natural como o suicídio, e talvez descobrir o que poderia os impedir de cometê-lo. Nós, os que temos a sorte de ter filhos sem ter que lhes escrever cartas póstumas, estamos profundamente preocupados com o pensamento de vê-los queimar no fogo desse novo e crescente tipo de violência, da qual o massacre das Torres Gêmeas pode ser não mais que um dos episódios. Não se trata de justificar ou condenar, mas entender, porque eu estou convencido que o problema do terrorismo não será resolvido com a morte de terroristas, mas com a eliminação das causas que fazem uma pessoa se tornar um deles”.

Leia Também:

3 comentários para "Tiziano Terzani: De correspondente de guerra a militante da paz"

  1. Excelente. Vitamina para os livres, sem grilhões.
    Abrasssssaaaaããããããoooooo Cultural Solidário.

  2. Ricardo disse:

    Um texto fantástico e esclarecedor!

  3. Márcia Milani disse:

    O texto é ímpar, é sem igual ver um ser que se identifica como aquele que não pertence a nenhuma tribo mas defende como ninguém a exist~encia de um ser humano pacífico. Parabéns.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *