SP sem água, 29 e 30/10 – Nas mãos do Cacique Cobra Coral

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Sistema Alto Tietê, em Mogi das Cruzes

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De como a política do governo Alckmin está esvaziando, um a um, os reservatórios da metrópole — sem que surja a decisão óbvia de racionar. E os sinais de que os homens do palácio, em desespero, convocaram estranho personagem…

Por Camila Pavanelli de Lorenzi

30/10

– Ontem, enquanto todo mundo ria (de desespero) com a notícia “governo de SP consulta Cacique Cobra Coral” (http://glo.bo/1nRRgv1), esta outra, muito mais importante, passou despercebida: o Sistema Alto Tietê, segundo maior manancial de SP, está secando (http://bit.ly/1tQ0YA6). É o que venho repetindo aqui há um tempo: depois de drenar o Sistema Cantareira até a última gota, a Sabesp (com a anuência do DAEE) está fazendo o mesmo com o Sistema Produtor Alto Tietê (SPAT).

– Para entender isso melhor, li a ação que o MPE/SP propôs contra a Sabesp e o DAEE, pedindo a redução da captação do SPAT (http://bit.ly/1wKDGcz).

– Antes de passar à ação, porém, quero responder ao argumento do advogado do diabo. O advogado do diabo diz assim: “Com que então um bando de promotores se acha no direito de gerir os recursos hídricos de SP? A gestão desses recursos é uma questão técnica e a Sabesp e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) sabem (ou pelo menos deveriam saber) o que estão fazendo”.

– A resposta são os próprios promotores que dão: não é a intenção deles assumir o comando da Sabesp ou dos recursos hídricos do estado, e sim fazer com que os réus, DAEE e Sabesp, “cumpram as premissas técnicas”. Portanto, quanto ouvir dizer que ações como esta representam a “judicialização” ou a “politização” duma questão técnica, já sabe: é precisamente o contrário. A Justiça está intervindo exatamente para que o poder público exerça suas atribuições com base em preceitos técnicos.

– Qualquer hora vou propor uma comparação entre a Ação Civil Pública (ACP) referente ao Alto Tietê e a ACP referente ao Cantareira. Hoje, porém, farei apenas um resumo resumidíssimo da ACP do SAPT (http://bit.ly/1wKDGcz):

– A outorga concedida pelo DAEE à Sabesp para explorar o SPAT estipulava vazões máximas de cada um dos rios e afluentes do sistema, totalizando 26.800.000 m3.

– É função do DAEE fiscalizar o cumprimento desse volume de captação e aplicar penalidades à Sabesp caso isso não seja cumprido.

– A própria Sabesp reconheceu que vem extrapolando esse limite desde novembro de 2013 – chegando, em janeiro de 2014, a mais de 39.000.000 m3.

– O próprio DAEE, por sua vez, reconheceu que não fiscalizou a Sabesp nem aplicou qualquer penalidade.

– Em fevereiro de 2014, foi renovada a outorga e o DAEE passou a permitir a retirada máxima de 40.200.000 m3 – aumento este, repare bem, autorizado em plena estiagem.

– Como justificar esse aumento do limite máximo de captação? O DAEE afirma que a Sabesp apresentou estudos técnicos que garantiam a segurança desse volume – e o DAEE aceitou esses estudos sem qualquer contestação ou questionamento.

– O MPE/SP, então, requisitou esse parecer técnico da Sabesp.

– O parecer técnico considera que o aproveitamento pleno do volume da represa Taiaçupeba (uma das que constituem o SPAT) é de 78,5 hm3.

– Ocorre que este volume máximo operacional jamais foi atingido, e só será atingido quando as obras para a ampliação da Represa de Taiaçupeba forem concluídas – “devendo-se considerar que estas obras ainda não foram concluídas por evidente desídia da Sabesp e do DAEE”.

– Há mais de dez anos estão previstas obras para amplaição da ETA Taiaçupeba. O DAEE e a Sabesp não as executaram.

– O volume operacional da represa atualmente está na casa de 21,5 hm3.

– “Desta forma, o que se verifica é que a renovação da outorga do SPAT, com o aumento da captação de água na ETA Taiaçupeba para 15m3/s está fundada em dado ideologicamente falso, falsidade esta de perfeito conhecimento de ambos os requeridos, tendo em vista que são eles os responsáveis pelo licenciamento e execução das obras de ampliação da ETA Taiaçupeba.”

– “Pode-se esperar que o SPAT esteja completamente vazio em meados de novembro próximo. A não ocorrência desta catástrofe depende de dois eventos futuros: 1. A ocorrência de chuvas com intensidade suficiente; (…) 2. A redução da vazão de retirada.”

– “A significativa redução das precipitações no Estado de São Paulo era um fenômeno perfeitamente detectado DESDE 2000, sem que as medidas para a redução das vazões de retirada tenham sido implantadas pelo órgão gestor (DAEE) e pela operadora do sistema produtor (SABESP), visando à preservação daquele manancial. Aliás, agiram contrariamente a este fator de cautela, aumentando consideravelmente o volume máximo de retirada do Sistema Produtor Alto Tietê, contribuindo, de forma incontroversa, para o seu esvaziamento e talvez deplecionamento.”

***

Notícias de hoje sobre a falta d’água:

– Em Itu, alguns oram por chuva (glo.bo/1sMOeDI); outros roubam água (http://glo.bo/1zNtXrn).

– Na cidade de São Paulo, nas últimas semanas, centros de educação infantil (CEI) dispensaram alunos, compraram galões, contrataram caminhões-pipa. Catorze creches relataram problemas. Algumas têm pedido que as crianças já cheguem de banho tomado (http://bit.ly/ZVKU2f – ver nota de 30/10/14, 08:48).

– Ontem vimos que uma das medidas da parceria entre governo estadual e federal seria a redução de impostos para a Sabesp (http://bit.ly/101O98P). Minha interpretação disso foi: a medida, em si, não é boa nem ruim; só poderemos julgar depois que soubermos no que os recursos economizados pelas empresas serão aplicados. Pois bem, hoje Alckmin explicou: “Neste caso, cabe a cada empresa de saneamento decidir se ela quer reduzir a conta da água ou se quer investir mais” (http://bit.ly/13o8WFA). Pelo que entendi, então, as opções são as seguintes: a empresa pode decidir se a) investe o dinheiro em obras que não dão retorno imediato; b) cobra menos pela água, o que pode incentivar o consumo (“já que tá barato, bora gastar”) e, assim, o aumento dos lucros. Em suma: não tem como não dar errado.

– Por fim, segue mais um capítulo da saga #SecaSexy – http://glo.bo/1wKFSRh

E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

29/10/14:

– O volume do Sistema Alto Tietê, segundo maior manancial que abastece a Grande São Paulo, caiu 0,2% de ontem para hoje e chegou a 7% de sua capacidade (http://bit.ly/1tQ0YA6).

– O MPE/SP entrou com uma ação para que a Sabesp reduza a captação do Alto Tietê (http://bit.ly/1E3WlUQ).

– A história do Alto Tietê soa tristemente familiar: o mesmo se passou com o Cantareira. O ISA aponta que a Sabesp manteve inalterada a captação de água do sistema mesmo durante a seca (http://bit.ly/1teNyfG). Como sabemos, isso levou à situação atual de retirada do volume morto. O MPE/SP e o MPF, então, entraram com uma ação para impedir a captação desenfreada do volume morto (http://bit.ly/1xjHLEZ). O juiz deferiu liminarmente o pedido dos procuradores, impedindo a captação da segunda cota (http://bit.ly/1tj4d1E). No entanto, a liminar foi derrubada apenas cinco dias depois (http://glo.bo/1nrCyKK).

– Aposto um litro de água mineral com quem quiser que o pedido do MPE/SP referente ao Alto Tietê será deferido pela Justiça – e aposto outro litro que essa decisão será suspensa depois de poucos dias.

– Mas vamos falar de soluções. Passada a eleição, Alckmin decidiu que quer estabelecer uma parceria com o governo federal. Entre as medidas defendidas pelo governador, estão a interligação do Rio Jaguari, da bacia do Paraíba do Sul, com a represa Atibainha, do Sistema Cantareira, e a redução de impostos para a Sabesp (http://bit.ly/101O98P). Salvo engano, obras de interligação entre os sistemas parecem de fato uma excelente ideia. A redução de impostos, porém, só faz sentido se soubermos em que serão investidos os recursos economizados (http://bit.ly/101O98P).

– É possível, contudo, que nada do que escrevi no parágrafo acima saia do papel: o Ministério do Meio Ambiente diz que não recebeu até agora nenhuma proposta formal do governo de São Paulo (http://bit.ly/1yICVlD).

– Agora, propostas boas de verdade você encontrará aqui:www.aguasp.com.br – uma coalizão de ONGs, em evento realizado hoje na cidade de São Paulo, lançou um site que contém uma série de propostas de curto e longo prazo para enfrentar a crise da água. Foi muito bom encontrar na lista propostas sobre as quais eu já vinha escrevendo neste boletim (por exemplo, multa para usos abusivos, ações para grandes consumidores – indústria e agircultura –, redução das perdas), e foi melhor ainda encontrar ali propostas ambientais sobre as quais nunca escrevi (por exemplo, proteção de mananciais e recuperação florestal).

– Enquanto as ONGs pensam em propostas, Alckmin, como vimos, ainda não formalizou um pedido de parceria para o governo federal. Em compensação, seus assessores contactaram a Fundação Cacique Cobra Coral, comandada por uma médium que diz “incorporar o espírito do cacique Cobra Coral, entidade que seria capaz de influenciar o clima” (http://glo.bo/1nRRgv1). Afinal, um governo tem que estabelecer priodades.

– Por isso só posso apoiar os vereadores que estão levando adiante a CPI da Sabesp (http://bit.ly/13guNPc) – aquela que o vereador Andrea Matarazzo disse não ter “a menor consequência” (http://bit.ly/Zu66Ms) –, já que na Alesp nada acontece feijoOPS, pra cozinhar feijão precisa de água.

E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

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