São Paulo, "cidade de trilhos"?

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Ao contrário do que afirma secretário dos Transportes, modelo do governo estadual mantém desmonte da rede ferroviária — e aposta num “metrô para ricos”

Por Oliver Cauã Cauê

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o secretário de Transportes Metropolitanos Jurandir Fernandes surpreendeu ao falar na “São Paulo dos trilhos”. Oras, a terra da garoa tem três vezes menos trilhos que há cem anos. Conforme Rolnik e Klintowitz:

Até a década de 1920, o modo predominante de transporte era coletivo e sobre trilhos – bondes e trens. Segundo Mário Lopes Leão (1945), a cidade tinha, em 1933, uma rede de bondes com 258 km de extensão, três vezes maior do que a extensão atual do metrô. O sistema de bondes nessa época era responsável por 84% das viagens em modo coletivo, realizando aproximadamente 1,2 milhão de viagens/dia, em uma cidade que tinha, então, 888 mil habitantes (Vasconcellos, 1999, p.158).

As responsabilidades do partido de Jurandir perante este declínio são enormes. Além da construção das autopistas “Rodoanel Mário Covas” e “Nova Marginal” pelo governo estadual, o ex-presidente Fernando Henrique privatizou o sistema de trilhos e deixou uma mínima malha para a empresa estadual de trens, a CPTM. Desta forma, hoje ela é incrivelmente menor do que aquela construída pelos barões do café, quando chegava-se de trem a Campinas, Piracicaba, Mato Grosso e, na outra extremidade, a Santos. O sistema era incrivelmente pontual e possuía (para poucos, é verdade) vagões de altíssimo conforto.

Para além deste novo “dado”, o secretário traz outras novidades:

“A boa notícia é que, nos últimos cinco anos, houve um aumento considerável da participação do transporte sobre trilhos entre os modos de viagem da população na região metropolitana de São Paulo. As viagens realizadas por metrô cresceram 45% e as de trem, 62%. Nos ônibus municipais de São Paulo, o aumento foi de apenas 8%.”

Há que se verificar em detalhes em que medida este aumento foi resultado de esforços do governo estadual. Justifico:

  • O grande boom de passageiros se deu há dez anos graças à implantação do Bilhete Único, uma iniciativa do poder municipal. Portanto, o aumento de passageiros pode estar relacionado (ainda que de maneira marginal) a remodelações realizadas pela prefeitura. Não custa lembrar que o corte de linhas frequentemente atribuído ao prefeito Fernando Haddad iniciou-se na gestão Kassab. Como a distribuição atual das linhas privilegia o modelo tronco-alimentador, onde ônibus vão até as periferias e seguem para um terminal ou estação de metrô, a baldeação é forçada;
  • Segundo este mesmo raciocínio, o Bilhete Único Mensal pode aumentar a quantidade de passageiros do sistema metroferroviário, mas isso não significa que os méritos sejam do governo estadual, uma vez que a proposta foi executada e implantada pelo poder municipal. De fato, desta vez, o governo estadual implantou imediatamente o Bilhete Mensal, de maneira a se colar à política e dividir os frutos eleitorais com o PT. Mas isto só demonstra como o PSDB está a reboque de políticas do PT e que carece de criatividade política (para dizer o mínimo).

No entanto, o governo do estado possui mecanismos para influir no aumento da quantidade de passageiros nos trens e metrôs, sobretudo daqueles endinheirados, do qual o Secretário se alegra:

“A população de menor renda passou a utilizar mais o carro para realizar suas viagens na Grande São Paulo. Na outra, ponta, famílias com renda mais alta estão usando mais o transporte público […] O comportamento das classes mais altas sugere uma tendência mundial de cada vez mais se libertar do transporte individual para realizar as viagens de ida e de volta ao trabalho. Nos grandes centros urbanos, os carros são incompatíveis com a qualidade de vida.”

E os mecanismos adotados pelo estado com vistas a aumentar esse número de passageiros ricos são muito interessantes. O principal é construir metrô apenas nos bairros nobres. Há anos que o metrô só se expande no Quadrante Sudoeste da cidade (Av. Paulista e, sobretudo, Av. Berrini). Que esta orientação é elitista, Flávio Villaça já demonstrou:

“A Região de Grande Concentração das Camadas de Mais Alta Renda da Região Metropolitana, (situada dentro do Quadrante Sudoeste) tem o melhor sistema viário da metrópole, não só em termos de vias expressas, semi-expressas e avenidas, mas também em termos de túneis, viadutos, vias perimetrais, etc.. Ao produzir o sistema de transportes sobre trilhos o poder público vem prosseguindo nesse favorecimento da minoria mais rica em detrimento da maioria mais pobre.”

O segundo mecanismo mais importante é construir metrô a ritmo de tartaruga. A implantação de metrôs, já lembrou o professor Csaba Deák, pode ser um importante instrumento para combater a especulação imobiliária, desde que feita rapidamente e em várias direções da cidade. A estratégia utilizada pelo Governo do Estado é a oposta da levantada pelo professor da USP. E ela pode significar que o poder público esteja indo deliberadamente devagar com as obras para possibilitar que o mercado imobiliário se adeque e tenha tempo para construir nos arredores. Logo, se grandes torres de apartamentos forem construídas em torno das novas estações, mais pessoas afluirão para o sistema. Mas esta não é uma política adequada porque:

  • O estado cria uma extrema valorização destes imóveis e, por conseguinte, o público-alvo de tais empreendimentos é previsto, ou seja, faz parte de um projeto de gentrificação;
  • a malha se concentra onde o mercado possui interesse; e
  • explicaria o lento ritmo de expansão da rede metroferroviária nas duas últimas décadas.

Isso sem falar nas denúncias de corrupção que, se confirmadas, significariam um modelo de “rouba, mas não faz”, numa esdrúxula comparação com outro político paulista.

Por fim, o discurso de comemoração acerca da alta de usuários no sistema contrasta com as reiteradas afirmações de que aquelas mesmas pessoas causaram as panes do metrô no mês passado. Em entrevista à TV Globo, ele afirmou:

“Algumas pessoas incitaram, com palavras de ordem, que as pessoas pulassem nas linhas. Inclusive tocaram fogo entre a estação Sé e Parque Dom Pedro. Para que? Queriam inviabilizar o metrô no dia seguinte.”

Além de acusar de que houve uma orquestração dos protestos, o Secretário afirmou ainda que “safados” causaram um incêndio e teriam desligado a energia das vias. Sobre as duas primeiras acusações, nenhuma prova foi apresentada. Sobre o corte de energia, ele foi realizado por funcionários do Metrô para poderem descer com segurança aos trilhos. Isto foi comprovado por um documento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.

A demanda por transportes no Brasil é altamente reprimida e milhões de pessoas andam a pé por não terem dinheiro para pagar a tarifa. Portanto, se os ricos estão usando mais o sistema, isto só significa que eles têm muito mais liberdade de escolha do que os pobres. E se o sistema está mais cheio, há que se verificar as razões. Aqui procuramos ter um início de conversa.

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3 comentários para "São Paulo, "cidade de trilhos"?"

  1. Leoni disse:

    Proposta de implantação em São Paulo de trens expressos urbanos com composições pendulares de dois andares (double decker) para locais de alta demanda:
    * Expresso Noroeste (Linha 7 Rubi)
    -5 estações (Francisco Morato, Franco da Rocha, Caieiras, Lapa, Água Branca).
    ~183 mil pass/dia (2014)
    Expresso Oeste Sul (Linha 8 Diamante)
    -4 +2 estações (Barueri, Carapicuíba, Osasco e Pinheiros), com previsão de prolongamento até Tamboré e Alphaville.
    ~216 + 44 mil pass/dia (2014)
    * Expresso Sudeste (Linha 10 Turquesa)
    -6 estações (Luz, Brás, Tamanduateí, São Caetano, Santo André e Mauá).
    ~416 mil pass/dia (2014)
    São Paulo Cumbica (Linha 13 Jade)
    -n estações (São Paulo, aeroporto de Cumbica).
    ~80 mil pass/dia (2014)
    *Poderia se reunificar as linhas 7 e 10 entre Mauá e Francisco Morato, como eram antigamente.
    Eis os fatores que justificam a implantação trens de dois andares em algum desses trens expressos;
    – Para a altura da carruagem (h~=4,3m) o cabo de alimentação (catenária) de 3 kVcc x pantógrafo atende, podendo trafegar em linhas convencionais.
    – Poderá existir a necessidade de investimento na repotêncialização de algumas subestações, e a capacidade mínima requerida da via permanente é de 30 t/eixo (cargueiro), sendo recomendável a utilização de trilho TR-68, e dormentes de concreto.
    – Adequação e reforma dos trechos entre as estações Júlio Prestes e Água Branca com a construção da do Bom Retiro.
    – Fornecidos na largura de 3,15 m (padrão) e bitola 1,6 m, não existem necessidades de adaptações nas estações, mesmo sendo os pendulares, pois sua inclinação se dá somente no momento que trafega, (exceto se a estação for curvilínea) não recomendável.
    – Potência= ~ 3000 kW.
    – Atendimento de poucas estações (caso da linha 8).
    – Demanda pequena (no caso das linhas 7 e 8).
    – Existência de linha disponível ociosa entre Mauá e Brás (caso linha 10)
    – Trens de dois andares poderiam transportar 60 % mais passageiros, além da quantidade de composições poderem ser ajustadas em conformidade com a demanda (horários de pico).

  2. Jacque disse:

    Quanto ao descaso das últimas décadas com a mobilidade urbana, não é nenhum segredo, independente do partido da vez.
    Porém é preciso saber separar as coisas: quem administra e projeta os sistemas de trens urbanos em SP é a CPTM, que por sua vez é de responsabilidade do governo do estado, assim como o Metrô.
    O governo federal não projeta e opera linhas de trem ou metrô. Ele disponibiliza verbas a todos os governos estaduais e municipais, para que eles façam as obras e intervenções que o próprio estado julga necessárias.
    A respeito de uma possível municipalização do metrô em Guarulhos, é possível, mas improvável. O próprio Metrô de SP, quando fundado, era controlado pela Prefeitura, e por essa não conseguir arcar com os custos de um sistema desses, o governo do estado inseriu mais dinheiro na empresa e se tornor acionista majoritário. A prefeitura ainda é acionista, mas minoritária.
    Então, se a prefeitura de São Paulo, que tem (acredito eu) o maior orçamento do país, não conseguiu dar conta, imagina Guarulhos…

  3. Willy Sandoval disse:

    Voces petistas são loucos para ficar apontando o rabo dos tucanos e de outros inimigos politicos que no momento não são tão interessantes atacar.Vou dar apenas um exemplo de um municipio há muito tempo controlado pelo PT e que possui um dos piores sis temas de transporte, no caso o municipio de Guarulhos. È um absurdo que um municipio de +/- 1 milhão de habitantes não tenham um sistema de trens integrado ao municipio de São Paulo, ainda mais tendo o maior aeroporto do país.Absolutamente não posso defender os governos tucanos porque isso em boa parte é resultado de um descaso deliberado deles, provavelmente para atender interesses de máfia dos transportes, principalmente no aeroporto… Mas se o governo estadual não fez, por que o governo federal há 12 anos com o PT e a própria prefeitura de Guarulhos há ñ sei quanto tempo com o mesmo PT também ñ fez? PORQUE CONSEGUEM SER MUITO MAIS INCOMPETENTES QUE SEUS INIMIGOS POLITICOS E SÓ SABEM FICAR APONTANDO O RABO DELES MAS É UMA CEGUEIRA TOTAL PARA ENXERGAR O PRÓPRIO. O POVO JÁ ESTÁ COM O SACO CHEIO!!!!Portanto se tem um lugar pro PT começar a fazer alguma coisa pelo transporte público, sem dúvida é no municipio de Guarulhos, o resto é pura demagogia barata, até mesmo porque os tucanos até que estão fazendo alguma coisa na capital apesar de todo o empenho mesquinho do governo federal em boicotá-los. PORTANTO COMECEM POR GUARULHOS!!
    p

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