Retrato da cultura no interior de SP

Em Bauru, jovens negros e periféricos desafiam o poder local e organizam instigantes eventos de rap e funk. No “fluxo”, ocupam o espaço público para reivindicar o direito à cidade — e criticar lei esdrúxula que proíbe “festas clandestinas”

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Por Bibiana Garrido, do Jornal Dois  | Imagem: Reprodução Flux014

Uma cidade que convive há dois anos com a lei que proíbe “festas clandestinas”. Uma juventude que, ao se reunir, corre o risco de receber uma batida policial à porta de casa, na rua, no parque ou na praça. Segregação espacial, negação do direito à cidade e do espaço público para o lazer do pobre, negro e periférico. Vontade de fazer arte, criar música, letra, poesia, beats, hits e espalhar cultura nesse cenário repressor. 

Esse é o contexto que deu origem ao documentário Flux014: os rolês da quebrada, lançado no dia 21 de setembro em Bauru, interior de São Paulo. A produção é do Jornal Dois, mídia independente local, com apoio do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo. 

014 é o DDD de Bauru, pelo qual a cidade é referida pela população mais jovem. Fluxo é um dos tipos de evento retratados no documentário: a união espontânea de muita gente na rua para ouvir música e dançar como em uma grande festa a céu aberto. 

Batalhas de rap e bailes funk também estão no foco da discussão, que mostra desde a organização desses eventos culturais; a estrutura, improvisada para uns, mais profissional para outros; os meios de transporte mais utilizados, seja ônibus, bicicleta, ou as próprias pernas; a representatividade da mulher nesses espaços; e como eles impactam a vida de quem participa. Rolês da quebrada e para a quebrada organizados de maneira independente e voluntária.

Manifestações como os fluxos e bailes funk são empurradas cada vez mais para as beiras da cidade (Reprodução Flux014/Jornal Dois)

São homens e mulheres falando sobre a resistência artística que vivem todos os dias e que passam, de boca a boca, de geração para geração. Dizem: interior tem voz. Dizem que é preciso sonhar. “O rap é a segunda chance de muita gente”, diz Mina Min, uma das entrevistadas, integrante do grupo de rap bauruense Ouro D’Mina. “Hoje a mídia mostra pra todo mundo que o funk só sabe levantar bandido. A gente aqui mostra o outro lado, eu tenho família, os meninos aqui têm família”, desabafa Diogo Almeida, um dos entrevistados que organizam bailes funk com a ajuda dos familiares e amigos. 

Histórias reais que ultrapassam ameaças e opressões para continuar existindo. Uma batalha de rima em tal bairro no domingo, outra, naquele outro bairro, terça-feira. E assim vai durante a semana, quinta, sexta, sábado. Baile funk. O giroflex passa, os botas às vezes descem, às vezes botam a arma na cabeça de alguém. Flux014 é o retrato da cultura de quem briga para ter cultura.

Assista ao documentário:

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