"O violento silêncio de um novo começo"

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Diante das pressões para que os indignados elaborem um projeto alternativo ao capitalismo e deixem de apenas criticá-lo, Slavoj Žižek propõe: é hora de permanecer em silêncio

Uma das principais críticas ao movimento Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e aos Indignados, na Europa, é a falta de propostas concretas para substituir o sistema capitalista que tanto criticam. Os jovens acampados em Nova York, Londres e Madri — e, em menor medida, em outras cidades do mundo, como Rio de Janeiro e São Paulo — parecem ter clareza sobre o que não querem. A lista, que já não era pequena, cresceu ainda mais com o advento da crise financeira. Mas, se não é capitalismo, bancos, ações, corporações… o que será?

Eis a pergunta com que vêm sendo bombardeados os manifestantes. E as indagações não partem apenas de seus adversários políticos, os conservadores, os banqueiros, os governantes e a ampla gama de cidadãos que, apesar dos pesares, prefere manter as coisas como estão. A pergunta — o que fazer? — também martela a cabeça dos simpatizantes do movimento, porque é uma questão legítima. Afinal, a negativa por si só não constrói.

Contudo, para os Indignados e o Occupy Wall Street, talvez ainda não seja a hora de sair por aí anunciando alternativas concretas para o mundo. É o que defende o filósofo esloveno Slavoj Žižek em artigo publicado pelo jornal espanhol El País nesta quinta-feira (17). Em suma, o texto é uma espécie de resumo bem-acabado de duas recentes intervenções públicas do pensador marxista, um amálgama das ideias que defendeu em outubro num discurso proferido aos jovens acampados no Zucotti Park (rebatizada pelos manifestantes como Praça da Liberdade), em Nova York, e numa entrevista à rede de televisão Al Jazeera, do Qatar. Traz, porém, conclusões inéditas — e que merecem ser discutidas.

Slavoj Žižek reconhece que a indignação, em algum momento, deve abir caminho a uma espécie de programa, a propostas e projetos alternativos ao capitalismo. “Que tipo de organização social irá substitui-lo? Que tipo de dirigentes necessitamos? Que instituições?”, pergunta. Afinal, não podemos viver em estado permanente de assembleia, por mais democrático que seja, discutindo entre todos todos os passos e tomando decisões horizontalmente para todo o sempre. Ou podemos? Bem, talvez. Mas o filósofo chama a atenção para o perigo que correm os manifestantes de apaixonarem-se de si mesmos, de esquecer de tudo em prol da grande experiência que é viver numa ocupação urbana e revolucionária. “O objetivo de abrir a cabeça, assim como quando abrimos a boca, é poder fechá-la com algo sólido dentro”, contrapõe. Rebater as acusações dos conservadores de plantão, segundo Žižek, é fácil. Difícil será verbalizar “não apenas o que não queremos, mas o que queremos”.

O pensador esloveno alerta, porém, que, mais perigosos que os inimigos declarados são os falsos amigos. É como no boxe. Quando um lutador abraça o outro, não é porque deseja acabar com a luta ou render-se, e sim para dificultar o movimento do adversário enquanto recupera fôlego para voltar a golpeá-lo com mais força. “A reação de Bill Clinton aos protestos de Wall Street é o exemplo perfeito de abraço político”, avalia Žižek. O ex-presidente dos Estados Unidos, membro do Partido Democrata, que está no governo, chegou a dizer que o movimento Occupy, em seu conjunto, é positivo. Sua preocupação é o caráter difuso das manifestações. Como muita gente, Clinton acredita que da Praça da Liberdade deve emergir algo concreto, porque, “se se limitam a ficar contra, outros preencherão o vazio que estão criando”.

O sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein, em entrevista à emissora de televisão russa RT, já teceu alguns comentários sobre o perigo de retrocesso imbutido numa mudança de paradigmas sociais, políticos e econômicos. “Quando a crise acabar, estaremos em um novo sistema, que não sabemos qual será”, disse. Slavoj Žižek ofereceu argumentos semelhantes na conversa que teve com a Al Jazeera. Realmente, o que virá, se é que virá, pode ser pior. O capitalismo asiático, por exemplo, cujo maior baluarte é a China, onde o sistema dissociou-se totalmente da democracia — com elevado êxito ecônomico. À diferença de Wallerstein e Žižek, porém, Bill Clinton sugere que os manifestantes do Occupy Wall Street afastem a “ameaça do vazio” apoiando as medidas do presidente Barack Obama, como seu plano de emprego. Muy amigo…

Contra o perigo de ser cooptado pelos aliados de araque, Slavoj Žižek recomenda que neste momento as acampadas resistam à tentação de traduzir, em propostas pragmáticas e concretas, toda a energia do protesto. “É verdade que as manifestações criaram um vazio no terreno da ideologia hegemônica, mas precisamos de tempo para recheá-lo adequadamente, porque é um vazio carregado de conteúdo, uma abertura para o Novo”, define. “Não podemos esquecer que qualquer debate que se realize no aqui e agora será um debate realizado em campo inimigo, e faltará tempo para desenvolver novos conteúdos.”

O que fazer, então? Nada. Ou melhor, nada que se aproxime da ideia de cuspir uma alternativa ao capitalismo diante das pressões políticas de inimigos, falsos amigos e simpatizantes — e até mesmo de integrantes do próprio movimento. O vazio gera angústia, mas ceder aos cantos da sereia e preenchê-lo com ideias repetidas, capengas e carentes de inovação real não é a melhor saída. “Tudo que digamos agora poderá ser roubado de nós”, desconfia Žižek. “Tudo, menos nosso silêncio. O silêncio — nosso rechaço ao diálogo e aos abraços — é nosso ‘terrorismo’, tão ameaçador e sinistro como deve ser.” —@tadeubreda

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6 comentários para ""O violento silêncio de um novo começo""

  1. A. Carlos disse:

    Não li apenas; estudei os livros de Zizek e compartilho sua admiração por Lênin.
    Tenho a impressão de que Zizek pirou depois do Occupy e não tem sabido o que dizer. Daí um silêncio que, em vez de obsequioso, me parece vergonhoso.
    Ora já se viu, camaradas, dizer-se de Lênin que ele não teria palavras de ordem para o momento. Isso quando há massas crescentes esperando justamente por palavras de ordem.
    Ficar em silêncio como, quando Mélenchon empolga as massas com um discurso simples, impactante e mobilizante?

  2. luciano festinalli sena disse:

    Finalmente chegamos ao final de um mais um ciclo de nossa existência, agora é necessário mudanças realmente radicais em nossa maneira pensarmos o mundo hoje. O capitalismo está nos exterminando, junto com ele próprio. Hoje não consumimos para viver, e sim vivemos para consumir todo o veneno e todo o lixo que o capitalismo nos obriga a consumir. Não podemos nos perder em protestos e discussões vazias, é necessário ações concretas, ou vocês acreditam que tudo se resolve só no dialogo? Eu quero deixar para minha descendência aquilo que lhes é de direito; UMA VIDA DIGNA!

  3. Gabriel C. Silva. disse:

    A revolução proposta pelo movimento OWS não representa de fato uma solução, e sim ‘ um tapa buraco’ para problemas que não temos capacidade de resolver. O que está ocorrendo no mundo é apenas um filme repetido do que aconteceu antes da segunda Guerra Mundial.

  4. Paulo disse:

    Acho que o silêncio não é a atitude adequada no momento. Se de fato nos encontramos numa encruzilhada histórica, as circunstâncias nos exigiriam o estudo e compreensão da questão e, evidentemente, sugestões de caminhos, de possíveis soluções. O silêncio poderia dar margem a se imaginar que nos faltem sugestões. Ou que à direita, ou à esquerda não se vislumbre saídas.

  5. Paulo disse:

    Boa análise do atual momento. Talvez seja hora de silenciar e planejar, quem sabe?, tomando alguns pontos já debatidos nos Fóruns Sociais Mundiais, que podem ser vistos como o ‘primeiro passo’ para que ocorresse essa indignação globalizada. Hora de agir, mas com cautela e ações propositivas.

  6. Cara, acho que a analogia com o boxe seria melhor traduzida com uma não tradução: mantendo o termo “clinch”, afinal se trata de um movimento desse esporte. Porque aí acho que “clinch político” fica melhor que abraço “político”, pois este termo remete mais a uma ação carinhosa do que a uma estratégia de luta. De resto, Zizek interessante como sempre, talvez uma análise do silêncio zapatista nos anos 2000 possa trazer frutos pra essa reflexão…

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