Memórias da escravidão e escritos de liberdade

Obra da Editora Elefante analisa diversas autobiografias de escravizados, produzidas entre as décadas de 1770 e 1890. Narrativas oferecem novas visões sobre a diáspora africana para compreender a modernidade capitalista. Sorteamos dois exemplares

The Sabbath Among Slaves [O dia de descanso dos escravos] (Bibb, 1849, p. 22). Fonte: slaveryimages.org
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Quem está comprometido com a mudança social cansou de ler e ouvir a história dos vencedores. Aquelas que nos ensinaram nas escolas, que perpetuam a lógica da dominação. Histórias dos “heróis das conquistas”, da espoliação, expropriação e exploração.

Queremos conhecer a história dos debaixo, fazer e encontrar as escritas a contrapelo. Construir um novo passado para combater o velho no presente.

Disso surge a importância de escutar as histórias silenciadas, como as histórias da escravidão, as histórias da diáspora. Poucas foram as vezes em que pudemos ter conhecimento do tema através do olhar dos próprios escravizados. Por muito tempo, as pessoas negras foram objeto de estudo, sendo que elas mesmas tiveram pouca ou nenhuma participação ativa nesses mesmos estudos.

Da necessidade de reparação e justiça dessa falta e erro histórico, surgiu o livro Vozes afro-atlânticas: autobiografias e memórias da escravidão e da liberdade, que reúne 21 histórias de libertação escritas pelas penas dos próprios protagonistas. Relatos produzidos no hemisfério norte, sobretudo nos Estados Unidos, entre 1770 e 1890.

Fruto de anos de pesquisa do autor Rafael Domingos Oliveira, a obra é de profunda sensibilidade e rigor metodológico, adensado pela prática historiográfica do escritor.

O escrito, publicado em 2022, pela Editora Elefante, é uma adaptação da dissertação de mestrado de Rafael e tem como um dos intuitos acessar esse conhecimento para o público geral, trazendo também a leitura de documentos históricos como gravuras, ilustrações, retratos, frontispícios e capas de livro.

Outras Palavras e Editora Elefante irão sortear 2 exemplares de Vozes afro-atlânticas: autobiografias e memórias da escravidão e da liberdade, de Rafael Domingos Oliveira, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 11/12, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

A produção literária em questão, até hoje, ainda é muito mais restrita ao campo da literatura do que da história. Para restaurar esse quadro, o pesquisador lança mão de sua prática historiográfica, analisando, organizando e contextualizando, de maneira crítica e didática, as semelhanças e diferenças entre essas histórias.

Tirando apresentações, prefácio, introdução, referências e agradecimentos, o livro é dividido em quatro capítulos que buscam alumiar essas histórias, compreender a produção social dessas autobiografias em seu tempo, esmiuçar como se davam essas travessias e diásporas da “África vivida” e da “África imaginada” e esclarecer, de maneira muito clara, conectada e localizada em seu tempo e espaço os significados da liberdade, do cativeiro, da abolição da escravidão, e das ideias de fé e nação.

Os escritos expõem as violências sofridas por essas pessoas, mas falam também de seus projetos de liberdade, de suas estratégias para sair da condição de escravidão. Além disso, neles é possível perceber o desejo de alterar a realidade social como um todo.

Por isso, escreveram ao mundo suas experiências, para denunciar as atrocidades em suas minúcias, contribuir no debate público e dar impulso ao movimento pela abolição. Fazem isso interpretando, de maneira sofisticada, as noções de nação, política, religião e raça.

Rafael faz parte de um movimento historiográfico que busca olhar para o sujeito em primeira pessoa, nesse caso, para as vozes dos escravizados. Aplicando essa metodologia com seriedade.

Na obra, podemos acompanhar o cotidiano desses autores e autoras, nos dando a chance de observar, pelo olhar dos protagonistas, as memórias da vida comum, das práticas religiosas e dos costumes da época. Disputando o imaginário homogeneizado que nós podemos ainda ter sobre os escravizados devido ao nosso ensino positivista. 

ESCRAVIDÃO COMO ELEMENTO FUNDADOR DA MODERNIDADE OCIDENTAL

A escravidão colonial foi uma instituição globalizada que, do século XVI ao XIX, aconteceu de maneiras diferentes, em níveis diferentes e em lugares diferentes, porém conectada a um processo que foi imprescindível para instauração do capitalismo ao redor do mundo. Entendê-la nos ajuda a compreender como toda uma sociedade, a nível mundial, se constituiu.

As Américas sofreram profundamente com a colonização e futuramente com o trabalho escravo, escravizando os povos originários e trazendo povos de África. Mesmo que os escritos observados no livro sejam de pessoas escravizadas no Atlântico Norte, ao longo da obra, Rafael está constantemente travando um diálogo entre a colonização nos EUA e no Brasil, sempre respeitando as diferenças de realidades de duas nações que foram construídas em uma base profundamente escravagista. A primeira de doutrina protestante e dividida territorialmente entre os “estados livres” – os que defendiam a abolição – e os escravocratas, e a segunda de doutrina fortemente católica.

É preciso compreender o passado das instituições escravocratas que fundaram o racismo e nossas noções de cultura e nação, criando também a própria ideia de raça, nesse sentido moderno, utilizado para diferenciar os humanos e para justificar a própria escravidão. A compreensão desse tempo anterior e a nossa consciência coletiva podem ser desde muito restritas à até mesmo completamente equivocadas.

Pensando nisso, o pesquisador trava, com muita responsabilidade, esse corajoso combate no terreno da memória, essa memória que permanece em disputa.

Os escritos restituem a esses sujeitos à dignidade e a humanidade que a escravidão os arrancou, por isso também a importância de ecoá-los.


Sobre o autor

Rafael Domingos Oliveira é historiador e educador, mestre em história pela Universidade Federal de São Paulo e doutorando em história social pela Universidade de São Paulo. Autor de artigos e capítulos de livros sobre escravidão, abolição e relações raciais nas Américas, foi coordenador do Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil e professor da rede pública. Atualmente é pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Afro-América (Nepafro) e coordena o Núcleo de Acervo e Pesquisa do Theatro Municipal de São Paulo.


Em parceria com Editora Elefante, Outras Palavras irá sortear 2 exemplares de Vozes afro-atlânticas: autobiografias e memórias da escravidão e da liberdade, de Rafael Domingos Oliveira, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 11/12, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

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