Maconha: alguma liberdade na terra da proibição

Various marijuana strains are prepared for sale at the Botanacare marijuana store ahead of their grand opening on New Year's day in Northglenn, Colorado

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No Colorado (EUA) planta já é vendida para fins recreacionais. Legalização permite controlar abusos, inibe crime organizado e expõe hipocrisia da “guerra às drogas” promovida por Washington

Intensa mobilização social e uma liberalidade do presidente Barack Obama permitiram que o Estado norte-americano do Colorado se antecipasse ao bravo Uruguai e se convertesse, desde a virada do ano, na primeira unidade política do mundo a permitir o comércio de maconha para usos recreacionais. Jesse Phillips, uma operária de 32 anos que vive na periferia da capital, Denver, foi provavelmente a consumidora pioneira. Abriu a fila de uma das lojas autorizadas, já à 1h do dia 1º/1/2014. Quando o estabelecimento abriu, pela manhã, levou para casa uma pequena seleção de variedades da erva, retratada na foto acima. Pagou 45 dólares — cerca de R$ 100 — incluindo impostos. Há um ano, o Colorado já permitia o cultivo e consumo (exceto em ambientes públicos) de maconha. Os eleitores aprovaram a medida num plebiscito, em novembro de 2012. A comercialização, também decidida por eles, foi possível porque Obama anunciou que, embora leis federais norte-americanas a proíbam, não questionaria, no Judiciário, decisões de Estados que optassem por outra política.

Assim como no Uruguai, legalizar não significa liberar geral. Cada cidadão do Colorado poderá adquirir 28 gramas por compra e a operação ficará registrada. Turistas terão direito a um quarto da quota. “A era da proibição acabou no Colorado”, afirmou Mason Tvert, ativista de organização Projeto de Políticas para a Marijuana. Segundo ele, a nova medida não é um experimento. “Experimental foi a proibição, e teve resultados terríveis”, disse numa entrevista coletiva.

A legalização no Colorado não é um ponto fora da curva. No estado de Washington, extremo noroeste dos EUA, legalização semelhante, igualmente decidida pelos eleitores, entrará em vigor em alguns meses. Menos liberais, estados como a Califórnia já permitem o consumo, para fins medicinais — mas o conceito, no caso, pode incluir combate a dores de cabeça.

A emergência de políticas pós-proibicionistas em relação à maconha expõe a hipocrisia da política de “guerra às drogas” comandada pelos EUA. Instituída em 1971, no governo do presidente Richard Nixon, ela resultou numa explosão da população carcerária, aprisionando centenas de milhares de pessoas cujo único “crime” foi comercializar uma substância amplamente consumida por todos os extratos sociais. A partir da década de 70, o percentual de norte-americanos presos, que se mantivera desde o início do século entre 0,1% e 0,2% dos habitantes, cresceu sem parar, até chegar a 0,8% (2008). Fenômenos semelhantes ocorreram, mais tarde, em países como o Brasil, que adotaram a mesma política.

Mas os EUA, além disso, utilizaram a “guerra contra as drogas” como pretexto para estabelecer vasta presença militar em países latino-americanos, como Panamá, Colômbia e México. Em nome da suposta necessidade de suprimir as substâncias psicoativas, estimulou-se a aprovação de leis que tornaram crime a produção e comércio destes produtos — entregando-os, na práticas, a gangues criminosas. Quando estas tornaram-se capazes de desafiar o próprio Estado, Washington vendeu a “solução”: a intervenção de suas forças armadas nos conflitos e na política locais. Em nome do interesse geopolítico norte-americano, geraram-se guerras cruentas, milhares de mortes, militarização da vida social.

A possibilidade de desarmar esta cilada é uma das grandes novidades da década. E o fato de os próprios EUA demonstrarem que outras políticas são possíveis fere no coração o proibicionismo.

 

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