A luta pelo transporte recomeça em BH

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Ato contra aumento da tarifa em BH, 12 de agosto, praça 7 de setembro (Foto: Ísis Medeiros, dos Jornalistas Livres)

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Protestos contra novo aumento da passagem revelam: reivindicação do Direito à Cidade permanece acesa — e é grande esperança contra tendência à militarização do cotidiano

Por João Pedro Moraleida (*)

Nas últimas semanas a ameaça do aumento das tarifas de ônibus rondou novamente Belo Horizonte. Nada que não seja esperado, devido à complexa ligação entre a empresa responsável pelo transporte e o poder público na cidade. O que na realidade ocorre em todo o Brasil, algo como uma “máfia dos transportes”. Durante alguns dias, a Justiça mineira impediu esse reajuste, com base no pedido da Defensoria Pública. Após um curto tempo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acatou o pedido do Consórcio Dez e da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), ao derrubar a liminar que vetava esse reajuste. A passagem passava de R$3,15 para R$3,40.

Compreender todo o processo que leva a esses reajustes seguidos sob a ótica jurídica — isto é, através do embasamento do que é legal em relação às tarifas dos ônibus, não explica na dimensão necessária o problema real que se enfrenta. É preciso situar essa questão na “crise urbana” que vivem hoje o Brasil e outros países da (semi) periferia, compreender a dimensão trágica urbana brasileira (MARICATO, p.21) para assim partir da perplexidade e indignação para a ação coletiva, como demostrado em Junho de 2013.

Foto: Ísis Ferreira, dos Jornalistas Livres

Foto: Ísis Ferreira, dos Jornalistas Livres

A “cidade esquecida” (MARICATO, p. 72), presente na denominada globalização representa a dominação hegemônica do capital na virada da reestruturação produtiva, no aprofundamento do neoliberalismo no Brasil: a exclusão social é esquecida e suas tentativas de apagamento relacionam-se a repressão do Estado e de seus aparatos privados. O alongamento dessa segregação nas cidades através do aumento da favelização, parte estrutural da cidade; das periferias através da chamada gentrificação; assim como o crescimento das ocupações urbanas, representam a luta de classes nas cidades. Conflito entre o “valor de troca” da cidade mercadoria e o “valor de uso” da cidade para as classes trabalhadoras.

A cidade é também o lugar da reprodução da força de trabalho, os conflitos de classe não ocorrem somente “no chão da fábrica”. O crescimento da força de trabalho liga-se ao processo de urbanização, os salários dos trabalhadores são absorvidos na cidade através de diversos custos impostos por políticas “públicas” ou pela lógica privada do comércio, etc. Desse modo, a reprodução da força de trabalho ocorre de modo ampliado, depende não só do salário, mas de toda uma estruturação nas cidades, como o transporte; a moradia; o saneamento.

O transporte público no Brasil corresponde a 29% de nossa divisão modal, de acordo com pesquisas de 2012. Desses 29%, os ônibus representam, de longe, a maior fatia: 20%, os municipais; 5%, os metropolitanos, que servem mais de um município. Diversas conclusões e provocações são retiradas desses dados: uma delas é que o país vive sim uma crise urbana, ligada ao modo como os capitais fluem nas cidades e a sua produção do espaço. Além de a divisão modal ser precária do ponto de vista público, o transporte oferecido nas cidades tem alto custo para os trabalhadores e obedece a uma lógica de segregação socioespacial.

Para compreender a dimensão dessa crise urbana é necessário partir tanto do processo da globalização, quanto das tensões entre essa ordem vasta sobre a ordem local e sua organização. Os diversos problemas enfrentados nas cidades ganharam força nos debates após as conhecidas Jornadas de Junho de 2013. As discussões acerca das ocupações urbanas e do transporte público são necessárias, assim como as ações na luta por direitos e modificações estruturais dessa ordem.

No dia 13 de Agosto às 17h, teve início uma manifestação no centro de Belo Horizonte contra o reajuste comentado no início desse texto. Os manifestantes defendiam além da suspensão do aumento, a tarifa zero para suplantar a injustiça urbana ligada ao transporte “público” que afeta direta e indiretamente os trabalhadores. A passeata caminhava rumo a PBH. Antes de terminarem o percurso, a PM iniciou a truculência contra os manifestantes. Bombas; gás e bala de borracha foi o arsenal contra a luta pelo direito à cidade, entendido como o direito a modificar radicalmente a cidade. Toda a estrutura de repressão montada constitui uma permanência do poder de Exceção da ditadura militar e seu maior desenvolvimento tecnológico.  É visível que além da crise ligada aos transportes e a moradia, as cidades brasileiras vivem um verdadeiro processo de militarização do cotidiano. As periferias; favelas e ocupações são cotidianamente atacadas e ameaçadas, isso, quando seus moradores não são assassinados, como ocorre em larga escala. A militarização garante a permanência dessa segregação socioespacial e a violência estrutural. Nas cidades brasileiras a Exceção é a regra. Não há a caminho, portanto a não ser o da luta contra toda essa dimensão trágica do capital e do aparato que o circunda. É preciso justiça e liberdade através da ação coletiva, o modo como está não pode continuar.

 

REFERÊNCIAS BIBLHOGRÁFICAS

MARICATO, Ermínia. “Para entender a crise urbana”. São Paulo: Expressão Popular, 2015.

(*) Estudante de Geografia, membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH.

 

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