Misérias da elite brasileira

Há um objetivo oculto nas ações dos que tentam “impeachment”: acabar com Lava Jato e “passar a régua” nos casos de corrupção empresarial, brandindo um bode expiatório

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Mauri Cruz | Imagem: Hélio Carlos Melo

Para quem acompanha os noticiários, lê por entre as linhas ou escuta por detrás das falas, está mais do que evidente que o verdadeiro objetivo daqueles que querem o impedimento da Presidenta da República é acabar com a Operação Lava-Jato e as demais investigações contra a corrupção no Brasil. Isto porque, nestas operações, a lista de políticos dos partidos tradicionais, entre eles, o PP e o próprio PMDB é extensa e envolve nomes de peso que atualmente estão no centro do poder. As demais investigações como, por exemplo, a Operação Zelotes e o Trensalão de São Paulo, pegam em cheio os principais dirigentes do PSDB e seus aliados, dentre eles a Rede Globo e afiliadas, inclusive a própria RBS.

Isso significa que, se os arautos da ética conseguirem seu intento de derrubar a Presidenta do Brasil, ato contínuo irão encerrar as investigações colocando tudo para debaixo do tapete. Aliás, assim já estão fazendo com o denominado “Mensalão de Minas”, que, para guardar simetria com o outro, deveria ser chamado de Mensalão do PSDB. Enquanto o Zé Dirceu, estando preso, é preso novamente em horário nobre, os réus daquele crime sequer estão sendo incomodados pelo Poder Judiciário e, como sabemos, serão “inocentados” por decurso de prazo.

No entanto, depois de tentarem colocar o país mobilizado contra a corrupção, única forma de pararem com as investigações antes que elas resultem em sua própria prisão, os detentores do poder precisam depor uma Presidenta legitimamente eleita, oferecendo sua cabeça como prêmio ao país. Sem entregar à “opinião pública” um agente político da estatura da Presidenta Dilma não será possível “aplacar a ira” criada contra a política e os políticos nos últimos anos pela própria mídia corporativa.

Lembrem-se que isto assim já ocorreu. Em 1992, passado o impedimento do Presidente Fernando Collor, praticamente todos os seus aliados continuaram nos mesmos postos fazendo o que faziam antes. O próprio Collor foi “absolvido” pelo Supremo Tribunal de Justiça por falta de provas. E, frente a este absurdo jurídico, a mídia corporativa nada disse. Nada bradou. Nada questionou. Evidente está que a cruzada pela ética na política, àquela época como agora, serve apenas como fachada para manter tudo como estava.

A intenção é explícita. Criar um clima contra a corrupção que seja capaz de justificar a deposição da Presidenta, para, a partir daí, fazer justamente o contrário: manter a roubalheira como ela sempre existiu. Por isso, Cunha e seus aliados tentaram barrar a indicação do Procurador Geral, Rodrigo Janot. A tarefa dele é não deixar que a lista dos denunciados com foro privilegiado vá para o fundo das gavetas, lista esta, como já dito, que contém uma extensa maioria de políticos do PP, PMDB e PSDB. Neste round perderam mais uma. A Presidenta Dilma não se intimidou: demonstrou que vai até as últimas consequências e não teme o embate final.

Neste contexto, o que não consigo entender é como algumas lideranças históricas da esquerda brasileira caem na cantilena da direita de combate à corrupção. Não se trata, é óbvio, de defender a prática da corrupção, seja ela qual for e onde estiver. Mas é evidente que as campanhas nada sinceras em favor da moralidade pública nada têm a ver com sanar as contas públicas e garantir que os recursos sejam destinados ao atendimento das necessidades da maioria da população brasileira. É triste acompanhar militantes de renome fazendo coro aos discursos falsamente honestos da mídia empresarial. Aqueles que sonegam milhões de reais, apóiam e sempre apoiaram empresas, empresários e políticos corruptos, assumem a bandeira da moralidade administrativa somente para ferir de morte quem está combatendo, verdadeiramente, a corrupção no país.

Soubessem as pessoas que a política por detrás das mobilizações do dia 16 de agosto não visam ampliar direitos ou garantir melhores políticas públicas e sociais para todas e todos, ninguém teria coragem de defender ou aderir a essa falsa mobilização. Soubessem as pessoas que, caso vença a manobra do impedimento da Presidenta, os verdadeiros corruptos e corruptores continuarão com o controle do poder econômico, não iriam aderir a esta triste mobilização.

Por sua vez, o governo federal precisa sair da defensiva e de tentar, também ele, compor acordos com o grande capital. Não será assim que consolidará uma resistência afirmativa do projeto que, apesar dos problemas, vinha se mostrando vencedor. Como bem diz uma campanha veiculada nas rádios de Porto Alegre: dinheiro não some, troca de mãos. Os dados demonstram que, como resultado da pretensa crise econômica, a riqueza do povo brasileiro está saindo da cadeia produtiva e retornando para as mãos dos bancos e banqueiros de onde, por iniciativa da própria Presidenta Dilma, tinha sido retirada. Prova disto é a divulgação do lucro de bilhões de reais anunciada pelos bancos Itaú e Bradesco, dentre outros.

O Brasil é um país continental, com uma riqueza ambiental maravilhosa, um povo trabalhador e solidário que é responsável por uma das maiores economias do mundo. A luta popular tentou, por séculos, iniciar um projeto verdadeiramente democrático e popular. Desde 2002, deu início a uma longa e lenta transição democrática que, infelizmente, a miséria política e intelectual da elite brasileira não enxerga porque nunca sonhou com um Brasil verdadeiramente independente, livre e soberano. Espero que o povo brasileiro, através de suas organizações e movimentos sociais, saiba pôr-se de pé e impedir, com seu sangue se preciso, qualquer tentativa de retrocesso ou rendição. Desta vez, não passarão.

 

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12 comentários para "Misérias da elite brasileira"

  1. Anarko51 disse:

    Muito bom o artigo, parabéns!

  2. Eduardo Magrone disse:

    Há no Brasil uma classe média urbana, branca, escolarizada, cuja ignorância chega às franjas da estupidez. O tamanho da montanha de lixo da oposição de direita nunca será conhecida, porque simplesmente não é investigada e nem mesmo é devidamente noticiada. Cadê as investigações sobre a privataria tucana, o mensalão mineiro (tucano), o trensalão paulista (tucano), os 450 kg de maconha, apreendidos no helicóptero dos Perrela (tucanos), a operação Satiagraha (abortada), a operação Zelotes (paralisada) etc.? Ir às ruas pedir o impeachment ou a renúncia de uma presidenta eleita, bradando a bandeira do moralismo hipócrita, não passa de um diversionismo caipora para o desejo incontido de interromper um processo que já está ameaçado por uma política econômica suicida. Interromper inclusive as investigações que serão esvaziadas, assim que a presidenta descer a rampa do Planalto definitivamente. Alguém duvida? Investigação, julgamento e cadeia para TODOS, independente de partido e da pressão do neoudenismo golpista das ruas.

  3. ernesto klein disse:

    concordo com o que foi comentado

  4. ADILSON DE ASSIS DA SILVA disse:

    O pior cego não é aquele que não quer ver.
    Acho vergonhosa a publicação de uma matéria com este teor fantasioso, que chega a esbarrar no brio daqueles que vêem as coisas como elas são.
    Permitam-me dar um conselho, com todo o respeito que, no caso do artigo, não sei se é devido: ocupem-se de coisa séria, coisa possível de se atribuir um mínimo de crédito.
    Se a intensão é manifestar apoio a esse “Estado de Sítio” (alusão a Albert Camus), que seja, mas tenham a coragem de levantar a bandeira e não venham com esse rascunho vermelho de manifesto esquerdista, cuja finalidade não se outra, se não rapinar o pouco de lucidez e inteligência que ainda nos resta.
    Por mais absurdo que possa ser, tem doido para tudo neste mundo.

  5. Leonardo Evangelista disse:

    Quer dizer então que o PT tem liderado um projeto de transição democrática, mas está sendo impedido pela conspiração da elite brasileira?
    A responsabilidade por este mar de lama é das elites, que não estão compreendendo este movimento lindo de transformação social? Liderado pelo PIG e pelas manobras dos políticos dos “partidos tradicionais”, o povo vira massa de manobra e não consegue enxergar que o Brasil está sendo governado com as melhores intenções, sempre com o ideal da busca pela igualdade social e pela justiça… É isso mesmo?
    É patética a tentativa de jogar uma montanha de lixo cada vez maior para baixo de um tapete que não cabe mais nada.

  6. raimundo de satabna disse:

    me desculpem, mas achei um texto medíocre. seus fundamentos argumentativos sequer são razoáveis diante de uma realidade que se complexifica a cada instante e que exige, portanto, uma análise mais funda, mais substantiva.. é limitado porque bate na mesma tecla da defesa cega de um projeto político que inicialmente deu certo, mas ao distanciar-se da ruas e do vigor popular (como valor de essência), foi se desgastando. e isso talvez ajude a pensarmos como e por que esse bloco liderado pelo PT perdeu o time e se apequenou diante de uma coalizão de governo onde o poder dos mais conservadores foram aos poucos se ampliando, inclusive lançando mão de maus feitos (digamos assim).
    desmerecer as manifestações ocorridas de 16/8 é bobagem. foram e são legítimas. há uma interessante pesquisa de opinião que traz o perfil do/da manifestante de domingo passado e que obviamente passa batido do que poderíamos chamar de setor popular. sim, a pressão é legítima.
    eu acho que há alguns pontos cruciais que não podem ficar de fora, principalmente se quisermos imaginar alguns passos adiante:
    1. é claro que os próximos passos da lava jato vão atingir o núcleo político (PMDB, PT e PP), a tensão vai aumentar; a questão é até quando e que preço vamos ter que pagar com esse clima de instabilidade? qual a estratégia da esquerda ampliada (campo onde me coloco)
    2. a situação da dilma não tá muito confortável, tendo a direção política do governo na mão do PMDB (temer-renan); a direção econômica nas mãos de um banqueiro e um partido cada dia mais queimado;
    3. e se o símbolo maior do petismo – o LULA – ficar enrascado na lava jato ou na CPI do BNDES;
    4. qual cenário podemos imaginar, considerando que no campo da oposição não há líder tampouco projeto de governo.
    era isso.

  7. Júlio Crespo disse:

    Esse texto mostra bem como os fofos existenciais da esquerda se negam a encarar a realidade do Brasil atual. As máscaras estão caindo e o povo brasileiro está sacando que não é legal ser massa de manobra dessas utopias coletivistas que os esquerdopatas vomitam diariamente há anos por essas bandas aqui. É bem visível que estamos em um fim de festa para os progressistas. Estive no Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001, 2002 e 2003 e vi de perto que a esquerda é uma caricatura, uma mediocridade do começo ao fim. Não poderia terminar de outra forma. E além disso não tem um pingo de autocrítica!!! Já que tudo que acontece de errado é culpa do sistema capitalista, dazelite, da Globo e da CIA. Acordem!!! Zé Dirceu dobrou a meta!!! E o Lula (o Brahma) tem tudo pra fazer companhia a ele nas próximas semanas.

  8. LauroM disse:

    Bom e correto o texto, mas insuficiente em um aspecto.
    Se não tratarmos de regular a mídia, os Grandes Barões vão continuar tramando golpes contra quem eles quiserem, em nome da moralidade, contra corrupção, pela família, por deus, pela pátria, pelo diabo que os carregue…
    Sem comunicação direta com o povo e sem capacidade para expandir a consciência não há possibilidade de democracia num pais das dimensões e da população do Brasil. Não sou adepto do Chavismo, mas o Chaves deu-se conta disso. Na Argentina também inauguraram uma lei de meios. No brasil todo mundo — inclusive o PT e o Governo — fica adulando a Globo e as demais redes. Ficam amansando o leão, dando-lhe alguma carne para que este não devore tudo e todos…

  9. Marcio Cruz disse:

    Há quem pense defenda que o povo brasileiro é ignorante em política. Há quem duvide da capacidade de decisão e de movimento em direção ás escolhas como povo. Não estou entre os que colocam o povo em condição infantil. Respeito sua condição de “Ser Povo”, em determinar nos espaços de democracia, o que se traduz no destino da nação.
    Posso não concordar com a decisão da maioria, devo apresentar minha discordância sempre que não me reconheço na maioria, mas desqualificar a maioria não faz de ninguém um democrata, ao contrario, flerta com a ideia de que deve existir um sujeito, pessoa ou classe, superior que defina o destino da maioria, pois esta é incapaz fazê-lo.
    Os homens e mulheres deste país, tem demostrado suas escolhas nos últimos doze anos, derrotando por três eleições seguidas o retrocesso. Como toda a eleição apostam num projeto que não é perfeito mas tem demostrado compromisso com as camadas populares.
    Concordo com o Mauri, quando identifica a pobreza das elites, em não entender este movimento, e acrescento ainda a pobreza do espirito de muitos intelectuais de esquerda.
    Ambas demonstram que a incapacidade não esta no povo, este sujeito genérico de sentimento popular, mas nas elites (de direita e de esquerda) que se julgam superiores a todos os demais.

  10. Gustavo Gonzalez disse:

    Muito embora o artigo traga à luz as verdadeiras intenções por trás destas manifestações fustigadas contra o PT, não posso deixar de fazer contraponto à tese de que o PT, Lula e Dilma são vítimas desse processo. Pelo contrário, não foram corajosos para avançar nas reformas que o país sempre demandou. E pior, o PT desmoralizou-se ao permitir todo esta roubalheira em suas estatais mais preciosas. Agora, o triste é ver os jovens sem esperança na política com forma de resolver conflitos e problemas, A linguagem do ódio hoje molda uma nova geração sem perspectiva de reformas sociais e democratizantes. O lulismo falhou ao investir na inserção pelo consumo, sem o aprofundamento das reformas sociais, sem oferecer dignidade e cidadania de maneira perene e duradoura. Na verdade, o canto da sereia da expansão do crédito e o consumo foi mais forte, e, os mesmos que lucraram alto durante os 12 anos de governo petista, hoje conspiram contra Dilma. Serão anos difíceis os que se apresentam.

  11. Rita Lama disse:

    Mauri,
    Fantástico artigo! Você é um bom analista e escritor: vai ao âmago da questão, o qual poucos conseguem ver com clareza, e o expõe nitidamente.
    No próximo artigo, se você me permite, gostaria de sugerir que, diante da crise do sistema financeiro internacional, você aborde também a responsável política de relações internacionais do Brasil desde a entrada do PT no poder: o Mercosul, o BRICS… Há tanto a dizer, não é?

  12. Eduardo Magrone disse:

    Em muitas linhas, a análise de Mauri Cruz sobre o significado político da cantilena contra a corrupção é perfeita. Suas conclusões, no entanto, são idealisticamente esperançosas. Com efeito, o povo brasileiro não sairá às ruas para impedir, “com seu sangue, se preciso”, qualquer tentativa de retrocesso ou rendição, pois o mesmo poder que lhe mostrou a dimensão cidadã do consumo, não lhe proporcionou a dimensão cidadã da consciência de seus inimigos. Sem embargo, a consciência popular está hoje aprisionada pela ética fundamentalista cristã que faz o elogio do preconceito, da resignação e do sofrimento como meio purgativo de um pecado imaginário. Cuidou-se muito da governabilidade e muito pouco ou quase nada da governança. Em consequência, os senhores do mundo, encastelados nos bancos, já viraram o jogo e, para eles. pouco importa quem está com a mão no timão, pois o rumo do barco será sempre o mesmo.

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