Em busca de uma psicanálise revolucionária

Apesar de ser disputada por discursos individualistas, ela pode ser um impulso para a transformação social. Curso da Cult debate história e práticas para um trabalho clínico libertador no século XXI. Sortearemos uma vaga para quem apoia nosso jornalismo

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Historicamente, a psicanálise já foi apropriada por diversos discursos e práticas individualistas. Infelizmente, esse movimento ainda acontece nos dias de hoje, sem contar no preconceito que ainda sofrem alguns pacientes – marcas de uma sociedade afundada no estigma e na segregação de pessoas que apenas necessitavam de acesso a um atendimento psiquiátrico de qualidade e de uma vida digna.

Além disso, essa ferramenta é por vezes colocada em um pedestal de erudição completamente afastado da realidade da maioria da população e, por isso mesmo, algo que poderia ser utilizado em benefício de todos, torna-se mero acessório das elites. 

Em busca de traçar outros caminhos para esse cenário,  junto de nossos parceiros da Revista Cult, sorteamos 1 vaga para o curso “Psicanálise e Revolução“. Promovido em parceria pelo Espaço Cult e a Escola Tamuya de Formação Popular, o projeto tem por objetivo apresentar “diversas perspectivas das relações entre horizontes radicais de transformação social e a teoria e práxis analítica”, no intuito de “reencontrar as linhas mestras das raízes e potencialidades subversivas do saber fundado por Freud”, além de pretender “apresentar chaves de leituras renovadas para a presença e operatividade da psicanálise nas lutas por libertação no século XXI.”

Construída por várias mãos, a atividade será ministrada por: Priscilla Santos de Souza, Clarice Pimentel Paulon, Douglas Rodrigues Barros, Pedro Ambra, Luiz Souza e Patrícia Ferreira. O valor arrecadado será revertido para movimentos sociais.

Para saber mais sobre o curso e também sobre as potências e possibilidades de uma psicanálise engajada, conversamos com uma das responsáveis: Clarice Pimentel Paulon. Clarice é psicóloga e pós-doutoranda pela USP. Atualmente, é professora e supervisora de práticas psicoterápicas e psicanálise na residência de atenção integrada em psiquiatria da prefeitura de São Paulo e co-coordenadora da Escola Tamuya de Formação Popular. Confira abaixo nossa conversa!


Clarice, você é uma das professoras do curso Psicanálise e Revolução, promovido pelo espaço Cult em junho. Conta para a gente um pouco de onde surgiu a ideia de fazer o curso.

Bom, a proposta desse curso surge de uma necessidade que nós percebemos de uma psicanálise que esteja mais diretamente alinhada a um horizonte político revolucionário. Ao longo da história da psicanálise, ela sempre esteve articulada – de uma forma ou de outra – com outras disciplinas do que se chama teoria crítica. Uma das principais, que logo vem à cabeça, é a Escola de Frankfurt, mas também temos a psicanálise de cunho Freudo-Marxista, desenvolvida por Althusser. Além disso, há outros espaços e outros momentos teóricos e históricos em que a psicanálise fala mais diretamente com a política. Isso acontece porque a psicanálise é uma teoria e uma clínica que propõe certa retificação subjetiva, ou seja, propõe que a partir de um processo de escuta se realize algum tipo de transformação subjetiva e social, a partir daquilo que é escutado e que pode ser transformado e repensado. Seria contraditório com a psicanálise que ela se propusesse a esse tipo de transformação subjetiva sem que isso estivesse ligado a um certo tipo de horizonte político de transformação. Isso seria não só contraditório com a psicanálise, mas seria equivocado. Pensar que de alguma maneira, uma teoria que se propõe a uma transformação subjetiva, não estivesse alinhada a uma certa transformação política também. Então, de alguma forma, esse curso surge justamente com a ideia de retomar esse lastro epistemológico de transformação da psicanálise, e realinha-lo a um horizonte político de transformação social de caráter revolucionário, que é o que vai fazer com que seja possível pensar em aspectos e propostas de cura efetivas para os indivíduos.

Outras Palavras e a Revista Cult sortearão 1 vaga no curso “Psicanálise e Revolução” entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 1/6, às 14h.

São pouco conhecidas – ou, pelo menos, não tanto quanto deveriam – as ideias e práticas que surgem dos encontros entre psicanálise e revolução através da história. Como o curso pretende contribuir para analisá-las? O que esse encontro pode trazer para o Brasil hoje?

Ao longo da história muito foi se apagando. A contribuição, por exemplo, dos movimentos sociais ou das clínicas públicas de psicanálise é estrategicamente apagada. Isso acontece porque dentro da ideologia hegemônica, é a soberania da ideologia burguesa que sempre se sobrepõe em relação ao poder popular. Infelizmente, isso acontece, dentre muitos fatores, por conta da forma como muitas vezes a construção desse conhecimento é organizada dentro das universidades ou como as mídias o entendem e o relatam. Outro fator importante, é também como se desenvolveu a história da psicanálise no Brasil. Uma entrada que aconteceu através das elites brasileiras. Essas elites faziam formação na Europa e traziam os “grandes mestres” da psicanálise com uma espécie de status de erudição, e não exatamente de prática de trabalho. Essa é uma questão bastante importante – e bastante cara – quando pensamos nas articulações possíveis entre a psicanálise e os movimentos sociais. Entender a psicanálise como uma prática de trabalho e não como um signo de erudição de uma determinada classe social. Nesse sentido, o curso pretende trazer à tona essas várias articulações históricas que aconteceram entre psicanálise e revolução. Tanto na Rússia da União Soviética, quanto em movimentos progressistas dentro da Europa Ocidental e, também, na América Latina. Nós sabemos que isso aconteceu e continua a acontecer na Argentina, também aconteceu no Brasil da Ditadura Militar… Dito isso, é imprescindível reviver esses traços históricos que têm a ver com a materialidade da prática psicanalítica e, a partir disso, poder então questionar os nossos conceitos, a nossa teoria analítica, a partir dessas práticas. Dessa forma, esses encontros que nós faremos – Escola Tamuya com a CULT, podem contribuir para construção de discussões sobre o território brasileiro. Pensando o território brasileiro como esse território em que temos uma dificuldade gigantesca de entender a nossa identidade nacional, os nossos processos de exclusão; além de termos uma dificuldade muito grande em lidar com a diferença, por conta de um passado colonial que se repete. A psicanálise tem ferramentas possíveis, quando engendradas com esse interdiscurso político, de contribuição para realocação da memória, para organizações sociais, para incentivo de políticas públicas; em suma, para uma transformação política no país. Não que ela faça isso, obviamente, a partir dos seus próprios mecanismos, mas a partir do momento em que, a psicanálise é pensada como um trabalho, uma prática – no sentido da práxis, ela pode ser uma força política que coloca em evidência e leva à tona todas essas possibilidades.

O curso é promovido em parceria com a Escola Tamuya, uma escola popular de formação política. Para você, qual a importância desse tipo de iniciativa no Brasil de hoje?

O curso é uma parceria da CULT com a Escola Tamuya de Formação Popular. Atualmente, sou uma das coordenadoras dessa escola. Acredito que essa iniciativa no Brasil é fundamental justamente por termos – junto às escolas de formação popular – a possibilidade de pensar o campo da formação, o campo do ensino, como um campo da prática e como um campo de atuação política. A ideia de uma escola de formação popular é justamente para que possamos, a partir das nossas ferramentas educacionais, cuidar e cultivar para que o nosso ensino não seja voltado a um simples exercício de intelectualidade, para que ele seja muito além disso. Como, por exemplo, possibilitar um ensino voltado para práticas de organização e de luta política dentro do país. Dessa maneira, pensar uma escola de formação popular, junto com pensar a saúde mental, que é onde está o campo da psicanálise, é pensar e propor processos que ao mesmo tempo sejam processos de formação e de experiências terapêuticas para as pessoas que por ali circulam. Essas experiências terapêuticas não deixam também de ser experiências políticas, na medida em que elas ocupam territórios e podem reorganizar processos de identificação e de transformação social e subjetiva. Dadas as condições atuais e contemporâneas da população de um país que tem uma dificuldade enorme de lidar com suas discussões políticas, com suas análises de conjuntura, pensar em uma formação popular que seja dirigida pelos trabalhadores, é pensar um modo de formar a população nas práticas e nas possibilidades de ocupação e de empoderamento para uma luta política, essa é a importância de uma escola popular de formação política no Brasil. Essa também é uma outra questão imprescindível e que nos motiva a promover cursos que sejam de impacto e de organização social, não só de consumo intelectualizado de produtos.


Outras Palavras e a Revista Cult sortearão 1 vaga no curso “Psicanálise e Revolução” entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 1/6, às 14h. Para participar, é preciso ser membro do Outros Quinhentos, rede de financiamento coletivo hospedada em apoia.se/outraspalavras.

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