Contra as corporações, o cooperativismo de plataforma

Na contramão da exploração dos uberizados, autor formula estratégias para quebrar o monopólio das plataformas corporativas. Outros Quinhentos sorteia 3 exemplares do livro

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Na última segunda-feira (15), motoristas da Uber e 99 entraram em greve em vários estados do país. As reivindicações por melhores condições de trabalho passam pela diminuição da comissão retida pelas plataformas, que chega a ser 60% em alguns casos, o aumento da taxa mínima de viagem de R$5,64 para R$10 e, por questões de segurança para os motoristas, o reconhecimento facial obrigatório para todos os passageiros.

Todo esse cenário pode nos fazer pensar “Qual é o futuro para o trabalho mediado por plataformas?”. E é bom que nos faça mesmo, afinal, como coloca Trebor Scholz, autor do livro Cooperativismo de Plataforma, “daqui a trinta anos, quando enfrentaremos o fim das profissões e mais empregos serão ‘uberizados’, podemos muito bem acordar e imaginar por que não protestamos contra essas mudanças. Podemos sentir remorso por não termos buscado alternativas, mas não podemos mudar o que não entendemos.” 

No livro, o autor nos faz um convite a refletir – e agir – na contramão da uberização. Ao invés de “economia do compartilhamento”, o que o Scholz nos propõe de horizonte é algo que pode mudar a forma como as pessoas pensam sua relação com as novas tecnologias e a internet: as plataformas de cooperativismo

Escritor, artista e professor de cultura e mídia digital associado à The New School, em Nova York, nos Estados Unidos; Scholz dá aulas sobre internet e sociedade. Nos últimos anos, vem desenvolvendo um trabalho coletivo e colaborativo de análise crítica do sistema de valores da tal “economia do compartilhamento”. 

Com uma abordagem crítica e linguagem ácida, em Cooperativismo de Plataforma, Scholz pinta um quadro de análise do desenvolvimento e implementação dessa forma de “compartilhamento” aplicada pelas grandes corporações de tecnologia. 

O autor traça relações entre a década de 1980 – com os governos Reagan e Thatcher – e o atual momento de descrença em instituições como sindicatos e nas possibilidades de solidariedade entre os trabalhadores. Com a perseguição declarada e desestabilização planejada dos sindicatos e movimentos populares, esses governos foram os principais preparadores do terreno para o atual estágio do capitalismo: o neoliberalismo. É nessa onda que surfam as corporações que “vendem” a “economia do compartilhamento”, através da reestruturação do trabalho que vem sendo “maquinada” pelos magnatas do Vale do Silício, buscando tornar praticamente inexistente qualquer garantia de bem estar e minar a estabilidade de direitos dos trabalhadores de todo o mundo.

Orbitando a ideia de “construtores de pontes digitais”, forma-se um mercado que se insere entre pessoas que oferecem serviços e as que procuram tais serviços. Como é o exemplo da plataforma Amazon que, muito se sabe, vem enfrentando inúmeros processos e protestos por conta das más condições de trabalho, além de casos absurdos como forçar trabalhadores a urinar em garrafas e invasão de privacidade para vigilância do trabalho. Tudo isso apenas para alimentar a fome insaciável do capitalista de super explorar cada minuto de nossas vidas e extrair a maior quantidade de mais-valia possível.

Scholz finaliza o primeiro capítulo com a proposta de transformar as plataformas em propriedade compartilhada entre os trabalhadores, baseando-se em espaços de decisão democráticos e direcionando os lucros para beneficiar o conjunto da sociedade.

A segunda parte de sua análise se debruça em uma descrição da ascensão do cooperativismo de plataforma. O autor dá exemplos de cooperativas existentes, esboça uma tipologia das plataformas cooperativas e, mais além, nos dá vislumbres de possíveis modelos. Uma das plataformas citadas no livro é o Resonate, um serviço de streaming de música que busca garantir aos artistas maior domínio sobre suas obras e suas receitas. Através de decisões participativas e, com o uso do blockchain [1], maior transparência nos pagamentos e transferência justa de valores para os artistas, o serviço toma forma de uma gestão democrática e cooperativa.

Outras Palavras e Fundação Rosa Luxemburgo sortearão 3 exemplares de Cooperativismo de Plataforma, de Trebor Scholz, entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 25/5, às 14h.

No Brasil, o terreno do cooperativismo é bastante cultivado há gerações. Nos últimos anos, com a agudização das contradições de classe e ascensão do trabalho mediado por plataformas – e sua superexploração do trabalho, o cooperativismo de plataforma vem se tornando uma alternativa cada vez mais debatida e desenvolvida.

A cada dia surgem mais iniciativas nesse sentido. É o exemplo de aplicativos como o Contrate Quem Luta, plataforma desenvolvida pelo Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) que conecta os militantes a pessoas que precisam contratar algum serviço, fortalecendo assim uma rede de economia solidária e autonomia financeira. 

Outro caso, é o aplicativo RápidoCar, um exemplo de iniciativa territorializada, localizado na cidade de Foz do Iguaçu (PR). No final de junho de 2022, motoristas da cidade fizeram um movimento de migração em massa para o aplicativo. De acordo com a Presidente da Associação de Motoristas por Aplicativos de Foz do Iguaçu, Adrielly Marques Alves, a migração ocorreu em razão das condições de trabalho que são mais vantajosas nas plataformas regionais. “Conseguimos adequar a tarifa para abastecer o carro e colocar comida dentro de casa”, como disse em entrevista ao portal H2FOZ. Apesar de não se tratar de uma cooperativa, o aplicativo é um exemplo de como movimentos iniciados pelos próprios trabalhadores podem gerar novas alternativas.

Indo para a terceira parte de seu livro, após citar Elaine Browne, uma das líderes do Movimento dos Panteras Negras, que diz “você nunca se organiza ou se mobiliza a partir de princípios abstratos”, Scholz esboça dez princípios a serem aplicados em plataformas de trabalho colaborativas para promoção da equidade. Esses princípios já chegaram a orientar ações como o “Manifesto sobre a Regulação do Trabalho Controlado por “Plataformas Digitais”: pela garantia de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras no Brasil”, lançado esse ano por pessoas que pesquisam o trabalho explorado em plataformas digitais.

O livro ainda é recheado de comentários do pesquisador Rafael Zanatta, que também o traduziu para o português. Em suas intervenções, que aparecem de maneira criativa no decorrer do texto, o pesquisador complementa o quadro geral com detalhes do contexto brasileiro.

Sem se iludir com as possibilidades dentro do capitalismo, Scholz pondera os limites e as possibilidades das Plataformas Cooperativas. E o mais importante, elabora propostas de ação para não nos deixar na inércia e muito menos sem perspectivas de mudança.

Para quem pesquisa e já se mobiliza acerca do tema, essa leitura se torna imprescindível e motivadora. Para o nosso futuro, esse insumo é absolutamente necessário!

NOTAS

[1] Blockchain pode ser traduzida como corrente de blocos. De uma forma simples, trata-se de uma tecnologia que agrupa um conjunto de informações que se conectam por meio de criptografia. Assim, transações financeiras e outras operações podem ser feitas de forma segura.

A Blockchain é importante para garantir que ninguém consiga efetuar fraudes, tornando cada moeda rastreável desde o momento de sua criação. Funciona como um grande livro-caixa público, em que são registradas todas as transações, de forma rápida e segura.

fonte: https://coinext.com.br/o-que-e-blockc


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