Estupro em estação central escancara crise no metrô-SP

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Empresa e governo paulista tentam abafar informações, que confirmam: decadência do sistema e terceirização selvagem já comprometem segurança dos passageiros e funcionários 

Com informações da Federação Nacional dos Metroviários

A crise da rede de metrô paulista, que provocou nos últimos meses acidentes e falhas graves — além de superlotação permanente e paralisia nas obras de expansão — atingiu um patamar mais dramático na última quinta feira (2/4). Uma funcionária da empresa terceirizada Prodata, que trabalhava na bilheteria de recarga de bilhetes da estação República — uma das mais movimentadas e centrais –, foi violentada.
Ela estava cobrindo uma colega gestante em licença médica. Trabalhava sozinha na cabine e iria sair mais tarde. Às 23h27, dois homens aproximaram-se da cabine para rendê-la. Um ficou monitorando e chegou a sair do local por um tempo para despistar quaisquer suspeitas. Mais tarde, retornou e entrou na cabine também. Estupraram-na dentro da cabine e disseram para que saísse somente depois de 30 minutos do ocorrido, para que não fossem denunciados e seguidos.

O Sindicato dos Metroviários está investigando e recolhendo todas as informações possíveis sobre o caso. Um Boletim de Ocorrência do Metrô já foi emitido. Porém, para tentar evitar repercussão, a empresa está blindando ao máximo a notícia. Segundo o sindicato, a chefia está promovendo assédio moral, para que as demais funcionárias terceirizadas não comentem nada sobre o assunto. Alegaria que a revelação pode comprometer a imagem de “segurança” do Metrô, que deixou de ser verdadeira nos últimos tempos. As informações já subiram para a direção da empresa, que, numa tentativa de abafá-las, não libera nada — nem mesmo os vídeos que possam identificar os criminosos.
Trecho do Boletim de Ocorrência interno do Metrô, em que o crime foi registrado

Trecho do Boletim de Ocorrência interno do Metrô, em que o crime foi registrado

O crime realça a gravidade da terceirização selvagem promovida pelo metrô, sempre para reduzir salários e condições de trabalho dos que operam o sistema. As cabines de bilheteria das empresas terceirizadas já foram alvos de diversos ataques e ocorrências, por não terem o mesmo sistema de segurança das cabines dos metroviários. Além disso, ficam em acesso perigoso. Também falta pessoal no período noturno, o que gera maior risco — por haver seguranças suficientes e as trabalhadoras exercerem suas atividades sozinhas, sem uma companheira ao lado.
O sindicato está mobilizando as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), para enfrentar, mais uma vez, os problemas relacionados à terceirização e precaridade Também procurou a Secretaria das Relações de Trabalho (SRTE) para que as cabines inseguras sejam interditadas.
O crime ocorreu precisamente na semana que antecede a votação, no Congresso Nacional, do projeto de lei que facilita e estimula as terceirizações e a precarização do trabalho. (PL 4330/2004). Amanhã (7/4) haverá um grande protesto em Brasília contra o projeto. Espera-se que parlamentares, antes de votar, reflitam e se sensibilizem sobre a gravidade de sua decisão.
A crise do Metrô paulista, que atinge agora a própria integridade de funcionários e passageiros, arrasta-se há anos — e afeta ainda mais severamente a manutenção do sistema. Conhecido por longo período por sua excelência, o setor vem sendo desmontado e terceirizado. Parte importante das atividades, antes realizada pelos técnicos da companhia, foi repassada aos fornecedores privados de equipamentos — inclusive o cartel de empresas acusado de pagar propinas a diretores do Metrô e integrantes do governo paulista. Multiplicaram-se, em consequência, acidentes, interrupções dos serviços e atrasos. Uma série de matérias publicadas por Outras Palavras a respeito pode ser lida aqui.
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2 comentários para "Estupro em estação central escancara crise no metrô-SP"

  1. Respeito no metrô: o direto é luta
    Maria Vitória Moreira e Cândido, 13/06/15
    “Deixe-me ir
    Preciso andar
    Vou por aí a procurar
    Rir pra não chorar
    Deixe-me ir
    Preciso andar
    Vou por aí a procurar
    Rir pra não chorar
    Quero assistir ao sol nascer
    Ver as águas dos rios correr
    Ouvir os pássaros cantar
    Eu quero nascer
    Quero viver”
    Compartilhando da reflexão que Cartola, na música “Preciso me encontrar”, faz, o ser humano é impulsionado pela sua necessidade e desejo de ir e vir, mas muitas vezes seu caminho é indigno.
    Vivemos num Estado Democrático de Direito, mas como o cidadão pode ter acesso à rede pública de saúde se durante seu deslocamento tem sua integridade desrespeitada? Como pode ter acesso à educação, centros culturais e de lazer, liberdade de ir e vir, local de trabalho, e tantos outros direitos se tem um transporte deficiente e degradante? Diante desses questionamentos percebemos o quanto o direito ao transporte é essencial, porque influencia e condiciona o acesso aos demais direitos.
    No Brasil, é responsabilidade dos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (Constituição Federal, Artigo 30, V). Todavia, cabe aos governos estaduais e federais auxiliar aos municipais disponibilizando, por exemplo, um maior capital para despesas e investimentos mais custosos.
    Além disso, o Estado e as empresas que disponibilizam o serviço são responsáveis por garantir:
    • Obrigatoriedade: este serviço é de responsabilidade do Estado que tem obrigação de garanti-lo, seja de forma direta ou indireta;
    • Universalidade: estes serviços devem estar disponíveis a todos, sem qualquer discriminação e preconceito.
    • Eficiência: o planejamento do sistema de transportes deve observar e atender as demandas e necessidades de deslocamento da população;
    • Regularidade: os intervalos não podem ser excessivos e devem ser pré-definidos;
    • Previsibilidade: as rotas devem ser respeitadas (quaisquer alterações devem ser devidamente comunicadas aos usuários) e os pontos de parada também;
    • Continuidade: os serviços não podem sofrer interrupções;
    • Segurança: a segurança dos usuários deve ser garantida, tanto por veículos em bom estado de conservação, quanto pela direção responsável do condutor;
    • Conforto: os veículos devem oferecer condições de transportar os passageiros com comodidade;
    • Acessibilidade: os veículos devem ser aptos a receber passageiros com necessidades especiais.
    • Cortesia: bom tratamento aos usuários,
    • Modicidade: tarifas justas;
    • Atualidade tecnológica: os veículos mais novos oferecem maior conforto, exigem menos manutenção e poluem menos.
    • Controle: formas de garantir que os princípios sejam cumpridos. A prestação adequada deste serviço envolve a premissa básica de um serviço público e social: a melhoria da vida em sociedade e a garantia de um cotidiano digno à população.
    Na cidade de São Paulo, apesar da existência de plataformas como o “ SMS Denúncia” e a Ouvidoria, exigir essas garantias é um grande desafio ao cidadão.Situações recorrentes como de assédio sexual em metrôs lotados, revelam uma omissão do Estado e, portanto, dos próprios cidadãos. Primeiramente, destaca-se a quase ausência de informações quantitativas a respeito de reclamações feitas, e até possivelmente atendidas, pela sociedade. Em seguida, encontramos usuários do sistema de transporte público afastados da luta por seus direitos, ou seja, pelo direito de todos.
    Conhecer o que nos une como brasileiros, o que nos constitui “brasileiros – a Constituição-, é ver-se dentro dela. Após esse processo de empoderamento constitucional, de conhecimento de seus direitos, o propósito de reclamar e exigir melhorias nas deficiências das formas de transporte oferecidas,mobilizar-se para mobilizar a sociedade torna-se não a porta de saída, mas a entrada para um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

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