Controvérsia na superação da violência
Publicado 27/11/2011 às 18:34
Jardim Ângela, já considerado a região mais violenta do mundo, superou a criminalidade. Mas ainda não consegue lidar com a violenta falta de investimento público
O Jardim Ângela — região da periferia de São Paulo que, em 1996, foi considerada a mais violenta do mundo pela Organização das Nações Unidas — hoje é visto como exemplo de superação para outras comunidades. Diante deste quadro, o primeiro questionamento que se faz é como tal ascensão social se sucedeu? E o que o poder público fez para reduzir a taxa de homicídio em quase 90%? Na teoria, a reposta é simples e perceptível: entende-se que o governo investiu na região, no entanto o único investimento foi no policiamento. Reprimiu, mas não resolveu as questões que assolavam a comunidade.
A atuação da comunidade e o apoio da sociedade civil foram elementos fundamentais que culminaram na alteração na realidade da região. Na época, o bairro era esquecido pelas autoridades e a ausência de investimento em equipamentos culturais públicos (teatro, biblioteca e museu) minou as opções de entretenimento. Todavia, mesmo com desprezo cultural a comunidade ergueu-se e usou a violência como força motivadora para protagonizar seus eventos culturais e artísticos.Existem dois exemplos sucintos de ações que ajudaram a mudar a realidade da região e se perpetuam até hoje, mesmo com o índice de violência mais baixo. O primeiro é a Banda Poesia Samba Soul, que desde 1989 faz da música a porta de saída das perversas condições sociais que assombravam os moradores. Em 2010, a banda produziu um festival de música, o 1° Jd. Ângela Music Festival, que recebeu inscrição de mais de 300 grupos da periferia. Pretendem fazer algo maior no próximo semestre. Outra experiência interessante é a proposta d’A Banca, que iniciou sua trajetória com eventos na região e hoje atua como uma produtora cultural social que utiliza o Hip Hop como ferramenta de inclusão e transformação.
Tais iniciativas podem ser encaradas como um tipo de prevenção contra tudo que possa vir acontecer de ruim no futuro. O respeitado padre Jaime Crowe, da Paróquia Santos Mártires, também é considerado um dos principais agentes na mudança de comportamento da região. Na época em que havia alto índice de violência, ele começou a fazer a caminhadas pela paz, que neste ano comemoraram sua 16° edição. Foram ações contínuas de cultura e de paz que fizeram que os índices de violência baixassem.
Violências
O Jardim Ângela realmente pode ser visto como exemplo de superação na questão da violência (não por mérito do governo), mas deixa a desejar em outros aspectos (por responsabilidade do governo), como cultura, meio ambiente, mobilidade, infraestrutura e moradia. É como se esse avanço maquiasse outras necessidades que assolam o cotidiano da população. São fatos que permeiam entre o descaso público e descumprimento dos direitos e deveres legitimados na constituição.
Esta ausência de investimento público é a violência que a comunidade não consegue combater. Não é só o tiro que mata. O transporte da cidade é um câncer que mata vagarosamente, assim como a falta de um equipamento de lazer: crianças, adolescentes e jovens pulam, quebram e cortam grades de escolas para disputar o espaço de uma quadra, onde não há condição mínima para jogar uma pelada.
Os munícipes são reféns de uma política de exclusão violenta. Pessoas habitam em casas humanamente inviáveis, dividindo comida com insetos e roedores. Em uma região onde vivem quase 700 mil habitantes, só há um equipamento de cultura: não há biblioteca pública, museus e espaços de convivência. Assim, o trabalho cultural é limitado, diante de um quadro social onde se falta muito porque se investe pouco.
aqui uma iniciativa bem bacana de uma artista plástica (mônica nador) e da comunidade do jardim miriam:
http://jamacarteclube.wordpress.com/sobre-o-jamac/
Parabéns pelo texto, Joseh. Muito pertinente a tua análise, em tempos de UPPs e promessas de paz através da militarização. Abraços,
‘Combater’ a violência com outras formas de violências, principalmente aquelas praticadas pelo Estado, é simplesmente maquiar a realidade e esconder os problemas estruturais que geram as ações agressivas (a falta de perspectiva, a incerteza quando ao futuro, as carência e ausências, a solidão e o medo, o desemprego, a falta de moradia, a perda de dignidade humana, o tornar-se invisível exceto quando o fiscal ou ou policial bate à porta, …).