A arte de envelhecer – e ensinar – dos povos verdadeiros

Escritora, a exemplo dos anciões indígenas, inicia nova missão: transmitir conhecimentos. Com experiência de 35 anos com povos originários, ela promove, com a presença de várias etnias, trocas de saberes em evento na capital paulista

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A jornalista e escritora Angela Pappiani, 64 anos, dá início a sua jornada de anciã: começa a transmitir conhecimento. Essa é a missão das pessoas nessa fase da vida, segundo os povos originários do Brasil.

“Os mesmos sábios anciãos que me convocaram para ajudá-los a apresentar-se aos warazu, ou não indígenas, me colocaram um novo desafio. Disseram que agora sou anciã e meu papel é transmitir conhecimento, não mais ‘ir para a roça, caçar e pescar’. Para eles, isso é tarefa dos jovens,” relata.

Para os povos indígenas, aos 45 anos a pessoa já é anciã, e o papel de transmitir sua experiência aos mais novos é levado a sério. Ainda têm grande respeito pelos velhos, e não mais se espera que lutem pela própria sobrevivência. “Os jovens é que devem cuidar disso”, relata Ângela. “Bem diferente de nós, que não temos a sobrevivência garantida, enquanto nossos filhos também estão correndo atrás.”

Foram 35 anos de vida dedicados à aproximação dos povos originários com os não-índios, levando suas vozes a um público mais amplo, ajudando a construir pontes e alianças. “Sempre nos bastidores, abrindo espaço, escrevendo.”

Agora, nos Encontros com o Povo Verdadeiro, vai contar o que sabe e refletir coletivamente sobre sua experiência com os vinte (no máximo) participantes do grupo. “Compartilhar um pouco do que vivi – o encantamento, as aflições e buscas, os avanços e conquistas . E o que ainda há por aprender.”

Angela conta que a autodenominação da grande maioria dos povos tradicionais significa gente de verdade, povo verdadeiro. Assim é com os Krenak, que se chamam Burum; os Bororo, autodenominados Boe; os Xavante ou A’uwê Uptabi; os Suruí ou Paiter; os Kaxinawa ou Huni Kuin.

“A conexão com a natureza, com o cosmos, com o mundo espiritual são aspectos que identificam esses povos tradicionais. E não é só no Brasil”, conta Angela. “Também se autodenominam povo verdadeiro os Ainu do Japão e o povo Sami, da Noruega, Finlândia, Suécia e Rússia – por exemplo.”s

Encontros

“Encontro verdadeiro é troca, é diálogo, com ou sem palavras, é aprendizado, é crescimento, é entendimento. Encontro é movimento, é fricção, faísca, acende brasas, faz reviver o fogo transformador”, diz Angela.

O formato é em roda de conversa, com liberdade para construir o caminho com o grupo. Há coisas programadas para acontecer e outras que vão ser construídas juntos, diz a anciã. “A proposta é de compartilhamento, não de curso.”

O primeiro encontro, explica, vai ser para as pessoas se conhecerem e perceber os interesses do grupo. Quem são, de onde estão chegando, de que maneira já se relacionam, ou não, com os povos indígenas. E também para ela passar informações básicas sobre o povo verdadeiro.

Onde estão, e como estão vivendo os mais de 300 povos indígenas, com mais de 270 idiomas falados, em terras brasileiras. De que modo ocupam o território. A relação criada com o Estado no decorrer desses 500 anos. Questões de saúde, como a interferência do contato com não índios. O positivo e o preocupante no movimento de implantação das escolas indígenas.

Para os outros encontros, Angela vai levar pessoas de diferentes etnias para compartilhar experiências. Ou que não sejam indígenas, mas tenham com eles uma parceria. Estarão presentes Tximá Huni Kuin, Ivandro Tupã i Guarani, Arako Mehinako. Também representantes dos povos Pankararu, Xavante e Fulni ô, ainda sem nomes confirmados.

“Infelizmente não tem como trazer gente das aldeias. Vou levar pessoas de passagem por aqui ou que vivem em São Paulo, como os Guarani e os Pankararu.”

Os Pankararu começaram a migrar do sertão pernambucano nos anos 40 e hoje são mais de 500 vivendo na favela do Real Parque, no Morumbi.

“Foram eles que construíram o estádio do Morumbi”, lembra. “E logo depois da eleição do Bolsonaro os Pankararu de Pernambuco foram alvo de vários ataques escancarados. Porque estão se fortalecendo, reivindicando. Tem uma moçada fazendo faculdade, trabalhando um senso de identidade forte, muito bonito ali na comunidade.”

Outra novidade dos Encontros é que, além da palavra, Angela vai trazer elementos de outras linguagens usadas pelos povos verdadeiros – grafismo, música, dança, imagens de audiovisual produzidas em parceria ou pelos próprios indígenas.

Sobe A Casa Tombada, Angela conta ser um espaço com o espírito dos encontros, dos compartilhamentos afetivos entre as pessoas.

“Isso nesse momento é fundamental”, diz. “A gente estar junto pelo afeto, pelas ligações mais essenciais. É quando vamos nos fortalecer, encontrar saídas, se alimentar e se curar. A força e a energia de cada indivíduo alimenta o coletivo, criando um circulo de poder que desafia o cansaço e o desânimo.”

Serviço

O que: Encontros com o Povo Verdadeiro

Quando: Início em 28.03, das 19h às 22h. Outros encontros acontecem nos dias 11 e 25 de abril, 09 e 23 de maio, 06 e 20 de junho e 04 de julho.

Onde: N’A Casa Tombada. Rua Ministro Godói, 109, Perdizes, em São Paulo (perto do metrô Barra Funda, em frente ao Parque da Água Branca)

Inscrições: https://acasatombada.com.br/


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