[09.03.22] LULA, FACHIN E AS POLARIZAÇÕES DESPOLITIZANTES

A primeira sensação é de alívio e vitória. Mas, além de tentar preservar a Lava Jato, a decisão de ontem pode gerar uma dinâmica política semelhante à que elegeu Bolsonaro. O ex-presidente terá como evitá-la?

Edson Fachin, talvez o mais lavajatista dos ministros do STF, anulou numa penada sete anos de decisões tomadas por Sérgio Moro e seus colegas – deixando porém intacta a balbúrdia que elas provocaram na vida brasileira. O ato tem o refinamento barroco dos arranjos tramados pela elite, quando algo ameaça escapar a seu controle. Em sua camada mais aparente, é a clássica entrega de anéis. Os últimos vazamentos haviam tornado insustentável a situação da Lava Jato, ao revelar combinações entre o juiz e uma das partes que causariam escândalo num campeonato de futebol de terceira divisão. Ao anular as decisões, mas não a instrução dos processos, Fachin tenta poupar a operação de um vexame maior, iminente e de consequências muito mais vastas. Que acontecerá com os processos que destroçaram a Odebrecht e as grandes empreiteiras brasileiras (em favor das internacionais e especialmente norte-americanas…), se a suspeição de Sérgio Moro for estabelecida? Além disso, por enquanto o próprio Lula não está inocentado e sim submetido a novos juízes, em Brasília.

A manobra de Fachin pode não ter sucesso, e este elemento certamente entrou no cálculo político do ministro e de quem o aconselhou. A ação que aponta a parcialidade de Moro pode ser retomada hoje, no próprio STF – embora talvez com menos força. Mesmo que Lula volte a julgamento, os processos tramitarão aos solavancos, porque as “provas” de Curitiba serão seguidamente questionadas. As possibilidades de uma condenação em segunda instância antes das eleições de 2022 são remotíssimas. É altamente provável que Lula tenha condições de disputar a presidência.

E aqui entra a segunda camada – a mais importante – das consequências do ato de ontem. Que ele provocará, politicamente? A primeira sensação é certamente de alívio e vitória: repara-se, ainda que parcialmente, uma injustiça; e, na depressão profunda em que mergulhou o Brasil, todas as chances de resgate são bem-vindas.

Mas o maior risco é de uma polarização despolitizante, semelhante à que se deu às vésperas das eleições de 2018. À época, o confronto petismo x antipetismo serviu à direita. A opinião pública colocava-se maciçamente contra o golpe de 2016. A popularidade de Michel Temer havia caído abaixo de 5%. Mas o que a população julgou, nas urnas, não foram as suas políticas – e sim o que a mídia chamava insistentemente de “o maior caso de corrupção da história do Brasil”. Elegeu-se um presidente que endossava – e aprofundava de forma grotesca – as políticas rejeitadas pela esmagadora maioria. Sua vitória teve um segundo ingrediente. Os longos anos de convivência da esquerda com as piores práticas da política institucional brasileira haviam aberto espaço para que um aventureiro se apoderasse da narrativa antissistema. É tão poderosa, em todo o mundo, que Bolsonaro apoia-se nela (a mãe de todas as suas fake-news…) para devastar o país e manter, ainda assim, mais de 30% de aprovação.

A súbita decisão de Fachin foi um tapa no tabuleiro político. Lula está de volta ao centro, como gosta. Falará amanhã (10/3) [1], às 11h, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Terá, a partir de agora, dois caminhos. O maís fácil é cavalgar a polarização despolitizante e, em paralelo, os acordos com a “velha política”. O outro requer mobilizar o país e, num certo sentido, revirar a si mesmo. Que a memória das grandes greves que liderou há 40 anos – quando os operários eram o antissistema real, e ousaram desafiar a ditadura e mudar a face do país – o inspire.


[1] O texto foi alterado. A fala de Lula, em entrevista coletiva, havia sido marcada para hoje (9/11), mas foi adiado para não coincidir com a retomada, pelo STF, do julgamento da parcialidade do juiz Sérgio Moro

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6 comentários para "[09.03.22] LULA, FACHIN E AS POLARIZAÇÕES DESPOLITIZANTES"

  1. Rosângela Ribeiro Gil disse:

    Muito importante essa análise.

  2. Darcio disse:

    Faltou falar da guerra híbrida operando no Brasil desde 2013, pelo menos, faltou falar que Bolsonaro é um personagem dessa estratégia em pinça que domina o espectro geral, faltou falar que o golpe foi militar e estamos vivendo numa ditadura 2.0, com STF e com tudo, faltou falar da traição dentro do PT contra Lula, faltou falar que se a esquerda quiser continuar existindo como oposição consentida da nova ditadura, o novo MDB, ela não pode falar de #Banestado, #Umbrelladeal, #voto impresso, faltou falar que a campanha do Haddad em 2018 tinha o áudio do Bozo pedindo caixa 2 recebido entre o 1º e o 2º turno e isso impugnaria a chapa Bozo-Mourão, mas enterrou esse áudio. Faltou falar que as urnas eletrônicas são facilmente fraudáveis, basta ver a eleição de Covas para a prefeitura de SP. Faltou falar que quem manda no Brasil de fato e de direito hoje são os militares no quarto andar do palácio do Planalto e quem desvia o olhar só para a família Bolsonaro ou é cúmplice da nova ditadura ou está extremamente mal informado.

  3. prof. disse:

    Faltou falar da guerra híbrida operando no Brasil desde 2013, pelo menos, faltou falar que Bolsonaro é um personagem dessa estratégia em pinça que domina o espectro geral, faltou falar que o golpe foi militar e estamos vivendo numa ditadura 2.0, com STF e com tudo, faltou falar da traição dentro do PT contra Lula, faltou falar que se a esquerda quiser continuar existindo como oposição consentida da nova ditadura, o novo MDB, ela não pode falar de #Banestado, #Umbrelladeal, #voto impresso, faltou falar que a campanha do Haddad em 2018 tinha o áudio do Bozo pedindo caixa 2 recebido entre o 1º e o 2º turno e isso impugnaria a chapa Bozo-Mourão, mas enterrou esse áudio. Faltou falar que as urnas eletrônicas são facilmente fraudáveis, basta ver a eleição de Covas para a prefeitura de SP. Faltou falar que quem manda no Brasil de fato e de direito hoje são os militares no quarto andar do palácio do Planalto e quem desvia o olhar só para a família Bolsonaro ou é cúmplice da nova ditadura ou está extremamente mal informado.

  4. Ricardo Arrais disse:

    Não concordo que Lula saia bem dessa situação, pois independente de qualquer conluio entre procuradores e o então juiz Moro, o que resta indiscutível é que existiu efetivamente um esquema de corrupção entre empreiteiras e principalmente o PT de Lula, e os partidecos satélites que apoiavam o governo de Lula/Dilma e que também se beneficiaram dos esquemas. Alguém é capaz de refutar isso?? E Lula até hoje nunca admitiu seus malfeitos e descaminhos, nunca fez uma autocrítica decente, coerente com sua megalomania, que corrói e desgasta seu próprio partido, hoje uma sombra pálida do que já foi, incapaz de oferecer oposição crível ao governo genocida de Bolsonaro. Lula não tem respaldo moral para derrotar Bolsonaro, pois juntamente com a banda mais podre do Congresso, o famigerado e insaciável Centrão, estão completamente unidos de forma bizarra para sepultar de vez a Lava jato. Não nego que Moro e a força tarefa de Curitiba devem ter cruzado as fronteiras em nome de um combate contra um inimigo mastodôntico e entrincheirado no poder, como o PT. Se mostrarem que Moro agiu apenas pensando em ter ganhos pessoais, vantagens indevidas, contas off shore, e outras coisas de que o acusam (sem provas convincentes nem para uma criança…) eu retiro meu apoio a ele imediatamente, pois nunca tive “político de estimação”. Hoje não temos oposição organizada com credibilidade para nos livrarmos do ex-capitão genocida e boçal, pois tenho total convicção que Lula já destruiu sua biografia há muito tempo. Todos os fundadores históricos do PT que revolucionou o panorama político brasileiro já se desvincularam há muito tempo, por não concordarem com seus desvios. Marina Silva, Christovam Buarque, o falecido Hélio Bicudo e outros, que nunca se desviaram do compromisso com o social, e com os desfavorecidos, e nunca aceitaram a postura de Lula hoje estão longe dele. Fora Bolsonaro, Lula nunca mais…

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