Rubrofobia: fascismo brasileiro consolida sua intolerância bruta a uma cor
Publicado 15/03/2016 às 01:16
https://www.youtube.com/watch?v=OAHp9LIOzms
Eles começaram a criar asinhas em 2013 e se espalham pelo país, sob o olhar complacente da mídia, da polícia e do Ministério Público; até onde vão chegar?
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
O vídeo acima mostra um tipo que se multiplica: um rubrofóbico. Ele tem intolerância aos comprimentos de onda mais longos (entre os visíveis): a cor vermelha. Fica agressivo ante à possibilidade – que ele imagina muito concreta – de a bandeira brasileira ser tingida dessa forma. Nesses poucos segundos ele decide que os jovens na Esplanada dos Ministérios, todos do movimento negro, são petistas; e que, portanto (raciocina ele), devem portar alguma assinatura cromática. “A nossa bandeira nunca será vermelha”, grita. E cospe no diretor de Combate ao Racismo da União Nacional dos Estudantes (UNE), Rodger Richer. Cospe.
A cena ocorreu no domingo. E não foi a única em Brasília. Outros ativistas do movimento negro foram vítimas dessa violência específica – conjugada com o mais puro racismo. E não seria preciso mais nenhum exemplo para caracterizar a consolidação desse formato brasileiro de fascismo explícito: uniformizado (com usurpação das cores verde e amarela), uma raiva taurina de determinados oponentes (filiados a determinado partido, negros, usuários de camisetas vermelhas), um ódio espumante, a disposição à violência e à exclusão. Gente perigosa, portanto.
Esse tipo de fascismo afirmou-se em 2013, durante as manifestações que começaram reivindicando passe livre e acabaram como ponto de encontro da extrema direita. Vem se consolidando em duas frentes: a violenta e a patética. A face violenta é intrínseca, fruto de uma intolerância conhecida em setores mais extremistas das torcidas de futebol. A face patética comporta cenas que seriam risíveis, não trouxessem embutidas essa violência discriminatória e sem limites – e que o país assiste sem que alguma autoridade se pronuncie a respeito.
As cenas quase risíveis dizem respeito a bandeiras ou camisetas que trazem a cor vermelha, sem nenhuma conexão com alguma orientação política, mas mesmo assim motivam a ira dos escarlatofóbicos. O advogado Alexandre Simões de Mello foi agredido em 2014, em São Paulo, porque sua camiseta continha uma piada com o Partido Comunista. Nada escapa a essa seletividade grotesca: pode ser uma bandeira da Turquia, de alguma Unidade da Federação que contenha a cor – basta que ela esteja presente.
Como paranóicos, os rubrofóbicos não hesitam em abraçar teorias da conspiração. Ou distorcer os fatos. Assim, o hasteamento no Rio de uma bandeira idealizada na Bélgica em homenagem ao Brasil, quando a seleção daquele país se classificou para a Copa do Mundo de 2014, motivou farta indignação desses fanáticos. E o ódio se multiplica: em Chapecó (SC), no ano passado, manifestantes chegaram a invadir uma casa para retirar uma bandeira do MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Em agosto, em Curitiba, uma bandeira vermelha foi queimada.
Aqui vemos uma agressão pelas costas, em São Paulo. Aqui, no Rio, rubrofobia aliada à homofobia. Este homem explica: “Aqui não é Cuba. Aqui não é Rússia. Aqui não é China. Nós não queremos bandeira vermelha“. Como se vê nesse último vídeo, e em tantos outros, disponíveis no YouTube, há grupos organizados que propagam essa intolerância. E não apenas indivíduos tresloucados. São grupos identificáveis. Com líderes. Há organização, orquestração – sob o silêncio de muita gente que deveria ter um pouco mais de memória.
Algumas cenas são assustadoras. Em 2014, um grupo de estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina cantou com fanatismo o hino nacional ao hastear a bandeira do Brasil, em resposta “aos comunistas” que teriam hasteado ali “a bandeira do Stalin“. A sequência dura vários minutos e é absolutamente felliniana – com direito a uma espécie de grua no momento do hasteamento. Como tudo pode sempre ser pior, aqui vemos apoio explícito de um telejornal local a esse grupo. Título do vídeo: “A minoria se curva à vontade da maioria”.
Vale observar que nem sempre há registro em vídeo. No domingo, segundo reportagem do Valor, a psicóloga Júlia Melo andava pela Avenida Paulista com uma camiseta laranja, “quase vermelha”, e foi ofendida. Os manifestantes a confundiram com uma militante petista. Resultado: ela decidiu colocar uma camiseta preta. (Curiosamente, a cor do fascismo na Itália de Mussolini.)
Nem pessoas mais velhas são respeitadas. Em 2015, um homem foi obrigado a retirar sua camiseta do movimento de moradia, no Rio, sob os gritos de “vai pra Cuba”. Esta senhora na foto abaixo foi chamada de “comunista” e “corrupta”:
Perguntas: o que fazem a polícia e o Ministério Público para barrar esses fanáticos? E por que ainda não vimos um editorial de repúdio a esse tipo de intolerância?
É conveniente para alguém que essa insanidade se alastre?
LEIA MAIS:
2015 – O ano em que fascistas definiram seus alvos e cores
Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos
Usurparam-me as cores vermelha, amarela, verde, azul e agora a preta.
Não posso usar vermelho porque tenho medo dos escarlatofóbicos, não posso usar amarelo e verde porque posso ser confundida com os coxinhas, não posso usar
azul porque podem me confundir com os “tucanos” e não posso usar preto porque posso se confundida com quem quer o impedimento da presidente. Ufa.
Querida Eva … tente usar o branco, que ainda não é objeto de preconceito nem de perseguição. É a única cor que resta. O problema é que poderão confundi-la com um médico “cubano”, ou com a médica que não trata de filhos de “petralhas ladrões comunistas” e coisa que o valha. É, parece que está difícil hoje em dia usar roupa. Experimente sair pelada, com uma folha de figueira cobrindo as vergonhas. Se alguém se incomodar, diga que seu nome é Eva, e que sempre se vestiu assim. Está na Bíblia. Mas talvez irão chamá-la de fundamentalista… é, não tem solução.
Querida Eva … tente usar o branco, que ainda não é objeto de preconceito nem de perseguição. É a única cor que resta. O problema é que poderão confundi-la com um médico “cubano”, ou com a médica que não trata de filhos de “petralhas ladrões comunistas” e coisa que o valha. É, parece que está difícil hoje em dia usar roupa. Experimente sair pelada, com uma folha de figueira cobrindo as vergonhas. Se alguém se incomodar, diga que seu nome é Eva, e que sempre se vestiu assim. Está na Bíblia. Mas talvez irão chamá-la de fundamentalista… é, não tem solução.