Ocupações de escolas em GO têm perseguição e espancamento de adolescentes

Pela versão de estudantes e de testemunhas, policiais retiraram ocupantes sem mandado de reintegração de posse; jovens são intimidados; um foi atropelado

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Policiais à paisana acompanharam pessoas que se apresentaram como pais de alunos e espancaram adolescentes que ocupavam desde o dia 17 de dezembro o Colégio Estadual Ismael Silva de Jesus, em Goiânia. A ação ocorreu nesta segunda-feira, conforme o relato dos estudantes. Eles estavam dormindo quando acordaram, às 5h40, levando chutes e cadeiradas. “Acorda vadia, acorda vagabunda“, diziam. Uma adolescente que tem tatuagem na perna foi espancada. Pois decidiram que a imagem era de um palhaço – o que policiais consideram uma ofensa.

Um estudante conta no vídeo acima que os populares não eram pais – o que caracterizaria a formação de milícia. E que, em seguida, policiais em cinco viaturas entraram na escola e retiraram os alunos à força. Algumas pessoas estavam com pedaços de pau, outras com cadeira. Armas foram apontadas. O advogado Hugo Hescer conta que os policiais não tinham mandado de reintegração de posse. Ou seja, participaram de um ato completamente ilegal. A Secretaria de Educação do Estado de Goiás sustenta que somente pais entraram na escola.

A repercussão se atém à imprensa local, à imprensa alternativa e às redes sociais. A reportagem do jornal O Popular, de Goiânia, chegou na escola após a desocupação e constatou a presença de policiais à paisana. Dois jovens foram atropelados por um carro de som, que chamava os pais para fazer matrícula. Guilherme, de 22 anos, machucou o pé e foi parar no Hospital de Urgências Otávio Lage. Segundo os estudantes, a maioria dos estudantes agredidos tem entre 13 e 16 anos. Alguns fizeram exame de corpo de delito, no IML, para comprovar as acusações.

Os estudantes ocuparam 27 escolas no fim do ano, inspirados pela ocupações feitas por secundaristas de São Paulo. Eles protestam contra a proposta do governador Marconi Perillo (PSDB) de transferir a gestão escolar para a iniciativa privada, por meio das organizações sociais (OS). Reportagem da TVT faz um resumo da história. Com relato de intimidações, desde o início do ano, feitas por diretores. O estudante Lucas Walker, de 16 anos, conta que acordou ontem levando pontapés na cabeça. Uma colega de 14 anos levou uma cadeirada nas costas.

MAIS AGRESSÕES

A violência não acabou com a desocupação ilegal. A historiadora Mariana Lopes Barbosa contou que advogados e apoiadores compraram lanche para os estudantes e os ajudaram a pegar colchões e mochilas para levar a outra escola ocupada. Fretaram uma caminhonete e saíram em comboio. “Éramos três carros: o do frete, o de um professor e o que eu estava”, relatou ela no Facebook. “Ao passarmos por uma rua um pouco mais afastada da escola e bem vazia, nossos carros foram fechados por mais três carros, sem nenhum tipo de identificação policial”.

Os policiais não tinham distintivo. Saíram com arma na mão e mandaram todos colocar as mãos na cabeça. saíram do carro , nem nos veículos e muito menos uniformes ou distintivos nos policiais. “Gritaram com as crianças, não nos deixaram pegar nossos celulares para avisar o advogado, revistaram nossas bolsas, jogaram as coisas dos meninos no asfalto”. Sob acusação de furto e depredação da escola. Não encontraram nada e convidaram a ir para a delegacia. “Perguntamos se podíamos não aceitar o convite e responderam que poderíamos ser encaminhados à força”. Um deles retirou algemas do bolso.

Na delegacia pegaram nomes, endereços, telefones e entregaram mandados de intimação – inclusive para os menores – para prestar depoimento nos dias 2 e 3 de fevereiro. Mais tarde, ela e os adolescentes foram ao Ministério Público relatar as agressões. De lá foram para o IML. “Vão criminalizar o quê?”, pergunta Mariana, doutoranda em História na UFGO. “Criminalizar pessoas que iam às ocupações diariamente levar comida, cozinhar, fazer oficinas? De ter ido ao Ismael e em tantas outras escolas discutir com as meninas sobre violência contra a mulher? De oferecer ajuda quando apanharam? De dar uma carona ao Ministério Público?”

OUTRAS OCUPAÇÕES

Ainda na tarde de ontem (25/01), estudantes da ocupação no Colégio Estadual Cecília Meirelles, em Aparecida de Goiânia, relataram que estavam “voltando a ditadura militar”. “Não temos direito de nos manifestarmos e quando ousamos lutar o senhor ditador dá sempre um jeito de nos pressionar: drone passando sem parar, carros da Rotam sempre rodando por perto, carros pretos escuros rodam sem parar e fogos de artifício. Estão querendo nos enlouquecer”.

Alunos do Colégio Estadual Bandeirantes disseram nesta terça-feira que o diretor incitou a violência contra os estudantes, durante uma reunião com pais e ocupantes. E que os pais, “alguns suspeitos de serem policiais infiltrados”, ameaçaram os alunos. Estes dizem que o Estado está utilizando populares como milícia, para dar a impressão de que é a sociedade “indignada e espontânea” que está desocupando as escolas. Eles perguntam onde está o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil.

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