Despejo de camponeses em RO; despejo de indígenas na BA; “despejos”

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Despejo de indígenas Pataxó no sul da Bahia (Foto: Deusuleide Câmara)

Brasileiros vivem no país dos Pinheirinhos invisíveis; quatro anos após reintegração famosa em São José dos Campos, pessoas seguem sendo tratadas como coisas

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Terra para poucos. Despejo, para muitos. “Despejo”. A palavra sintetiza o desprezo que se tem pelas pessoas expulsas. “Despejar”. Vivemos no país dos despejos. O primeiro dicionário disponível no Google informa: “O que é despejar: v.t. Desobstruir; desembaraçar, desocupar: despejar o lixo das ruas”. O lixo como primeiro exemplo? O lixo como primeiro exemplo.

O dicionário Houaiss não é mais animador. Vejamos duas definições para o verbo despejar: “desvencilhar-se, livrar-se de impedimentos, estorvos ou obstáculos”; “fazer sair, por castigo ou com violência; expulsar”. (“Despejou da sala o aluno turbulento”)

Notícia no site Resistência Camponesa: “Polícia Militar despeja camponeses em Ariquemes“. Despejo em Rondônia, portanto. Camponeses tratados como obstáculo a ser removido.

Notícia no site Amazônia Legal em Foco: “SOS Pataxó: indígenas despejados na TI Kaí-Pequi no extremo sul da BA“. Despejo na Bahia, portanto. Indígenas tratados como estorvo.

CAPIM

Em Rondônia, a PM do governador Confúcio Moura (PMDB) despejou na segunda-feira mais de 50 camponeses. Mulheres, crianças. Estavam em um latifúndio de 6.000 hectares. A ordem judicial previa levar todos os acampados até a delegacia. Eles dizem que os policiais queimaram os barracos “enquanto riam e diziam que tinham vencido”.

Um oficial de justiça informou que, caso não desocupassem a fazenda em 15 dias, estariam cometendo um crime. Uma camponesa respondeu: “Estamos aqui para ganhar um pedaço de terra para a gente plantar. Você tem filho? Eles não vão comer capim, vão comer arroz, feijão, banana, abóbora, mandioca – o que os camponeses plantam. Fazendeiro não planta isso, ele planta capim e capim quem come é só boi”.

ESCOLA ABAIXO

Na Bahia, a Polícia Federal e a Polícia Militar cumpriram mandado de reintegração de posse da Terra Indígena Pataxó Kaí Pequí Comexatoba, na praia de Cumuruxatiba, em Prado. “Tudo que estava em pé na aldeia de nossos parentes foi destruído”, relatou Sandro Hawaty Tuxá. “Posto de saúde, escola e casas de moradia”.

Segundo Tuxá, o território foi declarado Terra Indígena no ano passado, pelo Ministério da Justiça. Uma professora da aldeia disse que havia previsão de reintegração em mais dez aldeias indígenas na região.

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PM e PF participaram da reintegração em terra indígena (Foto: Deusuleide Câmara)

PINHEIRINHO, HÁ QUATRO ANOS

A expulsão dos moradores do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos, foi o despejo mais famoso dos anos 2000. Centenas de famílias foram retiradas, com violência, da área pertencente ao especulador Naji Nahas – que nunca pagou IPTU à prefeitura. Uma foto da Reuters registrou o momento em que mães saíam correndo, com os bebês no colo, no início da invasão policial. Foi no dia 22 de janeiro de 2012 – há quatro anos.

Escrevi, na época, sobre os que apoiam ações como aquela: “Vejo cada uma dessas pessoas – muito mais do que metaforicamente – dando socos e pontapés naquelas mulheres de São José dos Campos; derrubando-as ao chão, humilhando-as. Vejo cada uma dessas pessoas atirando aquelas crianças em algum galpão enlameado. Escarnecendo do sofrimento delas, enviando-as para a fogueira, alimentando o fogo com sua violência e seu cinismo”.

NO CINEMA

O cineasta italiano Vittorio de Sica eternizou um conflito decorrente de despejo em “Milagre em MIlão” (1951). O filme se encerra como fábula, mas parte de bases realistas. Quase se chamou “Os Pobres Atrapalham”.

De Sica e o roteirista principal, Cesare Zavattini (um dos criadores do neorealismo italiano) não viam o mundo apenas com lentes econômicas. Caracterizam a burguesia não somente pela violência, mas também pelo do ridículo:

– Quem são eles? – pergunta o novo dono do terreno, senhor Mobbi.

– Pobres – responde o antigo dono.

– O que fazem?

O diretor buscava na poesia – e na união dos trabalhadores – a possibilidade de superação daquela violência.

MAIS DESPEJOS

Há outros casos iminentes no Brasil. Em Petrolina (PE), moradores da Vila Chocolate pedem revisão da ordem de despejo. Em Araguaína (TO), no ano passado, pessoas há mais de 45 anos no local estavam para ser despejadas por um grileiro.

Mas são casos sem visibilidade. William Bonner não modulará a voz por esses brasileiros.

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