Golpe de 2016 se afirma também como um golpe ruralista

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Assim como em 1964, combate à reforma agrária ganha centralidade na chegada direta das oligarquias ao poder; não à toa, medidas de Temer alegram agronegócio

Por Alceu Luís Castilho (@deolhonoagro)*

O filme brasileiro com a premiação mais badalada da história, “O Pagador de Promessas” (1962) é um belo exemplo de como a reforma agrária era apresentada, nos anos 60, como um bicho de sete cabeças. Como se fosse algo comunista – e não algo do próprio capitalismo. Resultado: foi um dos principais motivos para a derrubada de João Goulart, em 1964. O que mudou de lá para cá? Troquemos a palavra “latifundiários” por “agronegócio” e teremos uma das chaves para entender o golpe de 2016.

O golpe de 2016 é também um golpe ruralista.

Já estava evidente na articulação da votação do impeachment no Congresso, pelos ruralistas Eduardo Cunha (PMDB) e Renan Calheiros (PMDB). Metade da Câmara é ruralista. Mais da metade do Senado é ruralista. Claro que há vários interesses empresariais conjugados na chegada de Michel Temer ao poder. Mas não há como negar o protagonismo dos proprietários de terras – e de empresas do agronegócio – no golpe. O pato da Fiesp nada em um açude. Dentro de um latifúndio.

As primeiras medidas de Temer apenas confirmam o roteiro anunciado. A extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, teoricamente agregado ao Ministério do Desenvolvimento Social, ganhou um escárnio adicional com a retirada, na sexta-feira, de algumas de suas principais atribuições. A começar da reforma agrária. Passando por políticas de agricultura familiar e pela demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Tudo isso migrou para a Casa Civil. Comandada por Eliseu Padilha, um dono de terras. E dono de uma empresa que arrenda terras para uma usina eólica. Um interessado direto no assunto que ele passa a comandar. Assim como quase todos os caciques do PMDB. (MIchel Temer não entra nessa lista, em tese, apesar de já ter multiplicado seu quinhão de terras em Goiás. Pois ele vendeu a propriedade. O MST o acusa de ser o verdadeiro proprietário de uma fazenda em São Paulo.)

Agora fica mais claro porque o PMDB cedeu o Ministério da Agricultura ao PP. Que, por sua vez, convidou o senador sojeiro Blairo Maggi (PP-MT), antes no PR, para o cargo. Porque essa política agropecuária – antes comandada pela senadora pecuarista Kátia Abreu – não vai mudar. Continuará a serviço do agronegócio. O PMDB chama para si o que resta de política agrária que não vá ao encontro desse modelo. E pretende demolir os lampejos de distribuição de terras e oportunidades.

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O AGRONEGÓCIO COMEMORA

Não à toa, as lideranças do agronegócio já comemoram os atos de Michel Temer. A Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) já foi explícita: “Primeiros sinais do governo Temer são positivos para o agronegócio, diz SNA“. É bem verdade que falando de medidas macroeconômicas. Mas o setor seguramente está exultante com o pacote completo. Com medidas que aumentam o estímulo do Estado ao setor e diminuem a presença desse mesmo Estado em relação aos trabalhadores.

No sábado, o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, também elogiou o governo interino e defendeu revisão das leis trabalhistas e construção de uma malha viária que ligue o Centro-Oeste (a produção de grãos) aos portos do Norte e Nordeste. (Tem uma Amazônia no meio do caminho. No meio do caminho tem a Caatinga. No começo do caminho, um restinho de Cerrado.)

Todos sabem que o governo Dilma Rousseff não foi bom para trabalhadores rurais, camponeses, quilombolas e indígenas. Apenas aos 45 minutos do segundo tempo decidiu fazer algumas demarcações de terras, por exemplo. Mas o que vem por aí é ainda pior – pois o que está sendo gestado é a retirada de políticas de Estado. No que se refere à inclusão no campo, estamos prestes a retroceder algumas décadas.

Que se dê também ênfase à face urbana do golpe capitaneado pelo PMDB. Por Eduardo Cunha e por Temer, o pagador de promessas. Mas que não se jogue para debaixo do tapete sua face agrária. Ela tem o tamanho de um latifúndio e significará ainda mais derramamento de sangue no campo. E ainda mais destruição de biomas. Sob o silêncio da imprensa defensora do agronegócio, também conhecida como “grande imprensa”.

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