Como assim, paralisar reforma agrária por fraudes? Vão parar o INSS também?

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Este vilarejo na Transamazônica era para ser um assentamento (Foto: Alceu Castilho)

TCU vai proibir o comércio de madeira até acabar o desmatamento? O Brasileirão até a limpeza da CBF? As obras em todo o país até o fim da corrupção nas empreiteiras?

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Por meio de medida cautelar movida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a elite brasileira exerce seu escárnio contra o andar de baixo ao paralisar a reforma agrária no país. Alegação: fraudes. O Estadão informa que mais de 578 mil pessoas foram beneficiadas irregularmente nos últimos anos; entre elas, 1.017 políticos. Ótimo que se passe o pente-fino. Na reforma agrária, no Incra. Mas a paralisação prima pelo absurdo.

Todos sabem que há fraudes no INSS. Alguém imaginaria a interrupção da Previdência Social no país? Fraudes em bancos: existem. Vamos interromper a ciranda financeira? Corrupção das empreiteiras. Que tal paralisar todas as obras no país? Diante dos descalabros na CBF, cancelemos o campeonato brasileiro. Florestas destruídas? Aguardemos a interrupção do comércio de madeira. Violação sistemática de direitos humanos nos presídios? Que sejam todos derrubados, como fizeram com o Carandiru.

Ou seja, esse atrevimento só é possível porque a reforma agrária beneficia brasileiros excluídos. As nossas velhas vítimas: os camponeses. Punidos por causa dos fraudulentos (como aqueles professores que punem a classe inteira pela traquinagem de apenas um aluno). Que fraudes convenientes, não? Além de usurpar mais uma vez o direito desses brasileiros – expulsos do campo, nas últimas décadas, por motivos econômicos e por violência -, nossa plutocracia ainda arrebenta a perspectiva imediata de distribuição de terras. Em um país onde boa parte delas foi simplesmente roubada.

Sim, a grilagem de terras foi um processo de roubo, de fraudes associadas aos cartórios (neste país cartorial) combinadas com violência sistemática, de jagunços e de policiais, ou mesmo do Exército. Algum órgão público brasileiro determinou, ao longo dessas décadas de espoliação, que fosse interrompida a titulação de terras no Brasil? Ou, pelo menos, a titulação de terras acima de 2 mil hectares, ou de 5 mil hectares, já que os grileiros são conhecidos por sua volúpia? Claro que não. Porque, nesses casos, a elite é que foi beneficiada.

Há dois anos estive em uma área na Rodovia Transamazônica que deveria ser um assentamento. Por lá, porém, nada de assentados. Tornou-se um vilarejo de madeireiros e pecuaristas, em Manicoré (AM), entre Humaitá e Apuí. De lá foram articulados furtos de madeira na Terra Indígena Tenharim, um povo dizimado durante a construção da rodovia, e de lá partiu repressão (com direito a incêndio) aos próprios indígenas, no fim de 2013. O Incra não fiscaliza o desvio de finalidade porque os fiscais têm medo.

Pois bem: é possível ver, nesse vilarejo também conhecido como “170” (a um número do símbolo do estelionato), uma placa sobre financiamento do Banco do Brasil e do governo do Amazonas para a melhoria das vias. Em terra usurpada, terra que era para ser da reforma agrária e que foi transferida para o capital: os mencionados pecuaristas, madeireiros, comerciantes. Pois bem: vamos fechar o Branco do Brasil? E o BNDES, e todos aqueles que financiam obras e empresas corruptas?

Ninguém fará isso porque a nossa elite – política e econômica – sabe bem utilizar seu poder de forma cínica e covarde. Com dois pesos e centenas de medidas para perpetuar a desigualdade. Como se os camponeses fossem culpados pelos crimes cometidos por aqueles que os massacram. O TCU promove um momento obscurantista da história da questão agrária no Brasil. Triste o país (e a sociedade, a imprensa, a opinião pública) que naturaliza esse tipo de escárnio.

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Reportagem do Fantástico sobre Incra está correta; mas falta mais reforma agrária

 

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5 comentários para "Como assim, paralisar reforma agrária por fraudes? Vão parar o INSS também?"

  1. Arnaldo disse:

    Bom dia ,todos nós sabemos que em uma crise todos querem se passar por honesto mas se for o caso . Entraremos com o pedido de fiscalização em todas as esferas federal , estadual e municipal por enriquecimento ilícito porque tem muita gente que não está na reforma agrária mas tem propriedades que não condiz com seu salário, sem terra também à irregularidade mas é só retomar os lotes , diferente do dinheiro que nunca mais volta para o povo.

  2. Gabriel Almada disse:

    Não concordo .. Compreendo perfeitamente seu ponto de vista e sua coerência … Porém é simplesmente inadmissível 500mil beneficiários ou 30% programa apresentar fraudes gravíssimas.. Deve ser sistematicamente revisitado até porque governo acabou de conceder 56mil hectares para novos assentamentos ?? Se há uma pressão do agronegócio quem disseminou estas falsas informações deve ser punido, porém estas afirmações em relatório oficial deve ser obrigatoriamente investigado a qq custo, porque simplesmente deturpam completamente o conceito e a efetividade dos assentamentos rurais em um descalabro de corrupção sem precedentes com patrimônio de todo brasileiro.. A nação deve ter em mente que reforma agrária é primeiro é necessário passo para um país com maior desenvolvimento social e ambiental é uma revolução verde.. As divergências estão altíssimas para que esse modus operandi continue desta forma!!!!

  3. gilmar fernandes carneiro disse:

    olha no meu entender esta paralizacao nao resolvera o problema na reforma agraria , ja pensou se eles conseguicem pór um fim nestes ladroes era bom , mas sem a fetar a quem e de direirto ter suas terras , no meu entender sou criado na area rural sou filho de um agricultor , e meu pai tem uma terra legalizada , vindo do governo do PT, Isto nao tem nada aver com estes ladroes , ta faltando mesmo e fiscalizacao e sem paralizar esta area dos agriculas ou dos que aguardam serem possados nas suas terras. O Brasil nao pode deixar de investir na area rural. porque nos todos dependemos dela .

  4. antonio disse:

    ja estava na hora de algo acontecer pois e triste de se ver aqui no estado e tantos acampamentos e se chegar e ver e pura miséria pobreza enquanto isso as terras que se diz da união estão todas cheias de gado e soja nos nem passar nos corredores não podemos pois a um sistemas de segurança rigoroso pra muitos e pistoleiro .isso com concem timento da delegacia civil.que parece funcionário de fazendeiros .foi um bom começo agora noa pode e só ver o problema aponta e não achar solução estamos cientes e acreditando que algo vai mudar e que já era hora por favor lembrem se do nortão de mato grosso aqui e denominado por vale dos esquecidos pois lei aqui só funciona pra quem noa tem nada pois chegam e quebra o pau.e um apelo um pedido de socorro. nortao baixo Araguaia

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