Combate ao zika em imóveis abandonados mostra função social da propriedade

piscinaabandonada

Piscina abandonada no Rio (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Cinismo das elites em relação ao “sagrado direito à propriedade” cai por terra diante das ameaças do Aedes aegypti; sem-terra e sem-teto sempre estiveram certos

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

O Estadão de hoje mostra, ao lado da manchete, agentes de saúde e soldados do Exército visitando casas em São Paulo em busca de focos do Aedes aegypti. O jornal informa que, desde ontem, a Medida Provisória 712 autoriza ingresso à força em imóveis abandonados “públicos e particulares”. O plural disfarça o objetivo da MP: os imóveis particulares parasitas. E que oferecem risco à população. Ao bem comum.

Está demonstrada a função social da propriedade.

Ela está prevista na Constituição. E costuma ser ignorada pelos cínicos de plantão, que invocam certo “direito sagrado à propriedade”, uma evocação mística e sem base na história das propriedades. Estas não podem estar acima do bem público. E nem se trata do debate entre propriedades “produtivas e improdutivas”. E sim que há limites para a percepção de que são intocáveis.

Sem-terra e sem-teto sabem disso há tempos. No entanto, juízes, policiais e imprensa não se cansam de condenar as ocupações políticas de propriedades – entre elas as improdutivas e as abandonadas – como se fossem “invasões”.

Existe uma percepção cínica de que essas propriedades seriam fruto de um trabalho gigantesco e heroico dos proprietários. Como se não tivessem nunca um histórico de espoliação, grilagem. Ou não significassem um acúmulo indefensável – muita terra para pouco rico – em um país onde as pessoas precisam de terra para plantar e casa para morar.

Cabe agora a um mosquito refrescar a memória desses distraídos. Aquele proprietário que abandonou a casa com a piscina cheia não é um parasita apenas porque ameaça a saúde pública. É um parasita porque a casa poderia ser utilizada por seres humanos – e não para a especulação, para o ganho fácil de alguns. O mesmo vale para prédios inteiros abandonados no centro das metrópoles.

Aquela fazenda com capim onde havia floresta, cerrado ou caatinga, com bois pingados pastando, é o equivalente no campo dessa casa do parasita com piscina. Em um país que expulsa os camponeses, confina indígenas, desmata em escala gigantesca. Movimentos de sem-terra ocupam esses locais e são chamados de “invasores”. Não são. São movimentos políticos reivindicando seus direitos.

E não, nem um milímetro dessa discussão surgiu em 2016 ou por causa do mosquito. O zika não era um vírus conhecido pelos deputados constituintes, em 1988. São outros os motivos do reconhecimento, pelo Direito, da função social da propriedade. Nas últimas décadas temos visto uma campanha muito bem elaborada pelas elites para minimizar essa função e demonizar aqueles que lutam pelo direito à terra e pelo direito à moradia.

E chegou hora dessa sociedade desinformada identificar e combater seus parasitas.

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14 comentários para "Combate ao zika em imóveis abandonados mostra função social da propriedade"

  1. Danilo Chaib disse:

    Que texto maravilhoso. Muito obrigado. Gostaria que a essência deste texto fosse passado a todos os brasileiros, mas infelizmente, vivemos uma guerra de ignorância e irracionalidade em que poucos observam a jóia desta mensagem: quanto menos propriedade privada ociosa, menos doenças. Quanto menos acúmulo de propriedade, menos doenças. A Zica é um microcosmo de toda uma problemática global. Temos que usar nossa mídia comunitária contra esses aparelhos midiáticos que servem o acúmulo de propriedade parasita.

    • Paulo Teixeira disse:

      Ignorância é atribuir unicamente ao cidadão a responsabilidade deste estado de coisas, não que em parte ele efetivamente não tenha culpa, mas por desconsiderar a culpa do maior responsável, ou seja, o governo, postei um comentário e se abaixo e, se for do seu interesse, dê uma olhada.

  2. Danilo Chaib disse:

    Que texto maravilhoso. Muito obrigado. Gostaria que a essência deste texto fosse passado a todos os brasileiros, mas infelizmente, vivemos uma guerra de ignorância e irracionalidade em que poucos observam a jóia desta mensagem: quanto menos propriedade privada ociosa, menos doenças. Quanto menos acúmulo de propriedade, menos doenças. A Zica é um microcosmo de toda uma problemática global. Temos que usar nossa mídia comunitária contra esses aparelhos midiáticos que servem o acúmulo de propriedade parasita.

    • Paulo Teixeira disse:

      Ignorância é atribuir unicamente ao cidadão a responsabilidade deste estado de coisas, não que em parte ele efetivamente não tenha culpa, mas por desconsiderar a culpa do maior responsável, ou seja, o governo, postei um comentário e se abaixo e, se for do seu interesse, dê uma olhada.

  3. Patrick Dalpaz disse:

    Ótimo texto! Casas desocupadas deveriam se tornar disponíveis para aqueles que mais necessitam. Aposto que com o que tem de propriedade privada inútil seria possível dar casa aos sem-teto e espaço para plantar para os sem-terra!

  4. Patrick Dalpaz disse:

    Ótimo texto! Casas desocupadas deveriam se tornar disponíveis para aqueles que mais necessitam. Aposto que com o que tem de propriedade privada inútil seria possível dar casa aos sem-teto e espaço para plantar para os sem-terra!

  5. Carlos Oliveira disse:

    É bom lembrar que entre perceber um problema e solucioná-lo existe uma grande diferença.

    Quer combater “um acúmulo indefensável”, que seja pelos meios legais. Abrace a ideia de regulamentar o único imposto previsto e que não o foi constitucionalmente, o IGF, por exemplo (Imposto sobre grandes fortunas).

    Que sejam usados meios regulares para definir os “parasitas”, pois há que se separar quem obtém propriedades por meio ilegal e quem as fez por merecer, trabalhou e tornou-se, com licença da má palavra, rico.

  6. Carlos Oliveira disse:

    É bom lembrar que entre perceber um problema e solucioná-lo existe uma grande diferença.

    Quer combater “um acúmulo indefensável”, que seja pelos meios legais. Abrace a ideia de regulamentar o único imposto previsto e que não o foi constitucionalmente, o IGF, por exemplo (Imposto sobre grandes fortunas).

    Que sejam usados meios regulares para definir os “parasitas”, pois há que se separar quem obtém propriedades por meio ilegal e quem as fez por merecer, trabalhou e tornou-se, com licença da má palavra, rico.

  7. Paulo Teixeira disse:

    Este modo falacioso de atribuir um mal a apenas um ator social é a forma mais incensata, hipócrita e condenável de querer vencer um debate sem ter razão ou apresentar argumentos minimamente convincentes, sugiro ao Sr.Alceu Castilho a leitura atenta do livro “Como vencer um debate sem precisar ter razao ” de Arthur Schopenhauer, pois bem ! Neste contexto pessimamente exposto pelo Sr. Alceu ao governo não cabe nenhuma responsabilidade, pois a culpa invariavelmente recairá sobre o cidadão, ou seja, não é responsabilidade do governo adotar nenhuma medida profilatica de controle de doencas, também não lhe cabe a aplicação de recursos suficientes no Ministério da Saúde, nesta hora é que percebemos o quanto R $ 5 bilhões retirados da pasta fazem falta, não é ? Mais ainda, o governo não é responsável por desestruturar a pasta ao realizar a proeza de em 6 (seis) meses trocar o ministro 3 (tres) vezes, mais ! Que responsabilidade tem o governo federal de adotar a estrategia errada de delegar a estados e municipios, sem recursos, o combate a esta edemia de espectro nacional, não é ? Ao que parece, falta ao Artur humildade em reconhecer que não ha como chegar a uma conclusão verdadeira partindo-se de uma ou mais premissas falsas, pois isso nada tem haver com ideologia de classes, mas sim com lógica e com ciência.

    • Alceu Castilho disse:

      Olá, Paulo. Também sugiro a você a leitura atenta – mas bem atenta – de Schopenhauer. De filósofos e pensadores diversos. Sobre este singelo texto, ele não foca no zika nem no Aedes Aegypti, e sim na função social da propriedade. Estaria bem longe de mim a ausência de atribuição a sucessivos governos (não somente esse que está aí) a responsabilidade pela proliferação do mosquito. Pois não é prioridade apostar em saneamento básico e em medicina preventiva. Por critérios, sim, de classe. Sobre função social da propriedade e sobre ideologia (um conceito bastante útil) sugiro leituras igualmente atentas, tenho certeza que será produtivo a todos. Com lógica e com ciência, sem hipocrisia.

  8. Paulo Teixeira disse:

    Este modo falacioso de atribuir um mal a apenas um ator social é a forma mais incensata, hipócrita e condenável de querer vencer um debate sem ter razão ou apresentar argumentos minimamente convincentes, sugiro ao Sr.Alceu Castilho a leitura atenta do livro “Como vencer um debate sem precisar ter razao ” de Arthur Schopenhauer, pois bem ! Neste contexto pessimamente exposto pelo Sr. Alceu ao governo não cabe nenhuma responsabilidade, pois a culpa invariavelmente recairá sobre o cidadão, ou seja, não é responsabilidade do governo adotar nenhuma medida profilatica de controle de doencas, também não lhe cabe a aplicação de recursos suficientes no Ministério da Saúde, nesta hora é que percebemos o quanto R $ 5 bilhões retirados da pasta fazem falta, não é ? Mais ainda, o governo não é responsável por desestruturar a pasta ao realizar a proeza de em 6 (seis) meses trocar o ministro 3 (tres) vezes, mais ! Que responsabilidade tem o governo federal de adotar a estrategia errada de delegar a estados e municipios, sem recursos, o combate a esta edemia de espectro nacional, não é ? Ao que parece, falta ao Artur humildade em reconhecer que não ha como chegar a uma conclusão verdadeira partindo-se de uma ou mais premissas falsas, pois isso nada tem haver com ideologia de classes, mas sim com lógica e com ciência.

    • Alceu Castilho disse:

      Olá, Paulo. Também sugiro a você a leitura atenta – mas bem atenta – de Schopenhauer. De filósofos e pensadores diversos. Sobre este singelo texto, ele não foca no zika nem no Aedes Aegypti, e sim na função social da propriedade. Estaria bem longe de mim a ausência de atribuição a sucessivos governos (não somente esse que está aí) a responsabilidade pela proliferação do mosquito. Pois não é prioridade apostar em saneamento básico e em medicina preventiva. Por critérios, sim, de classe. Sobre função social da propriedade e sobre ideologia (um conceito bastante útil) sugiro leituras igualmente atentas, tenho certeza que será produtivo a todos. Com lógica e com ciência, sem hipocrisia.

  9. Adu Cruz disse:

    Podíamos criar um Blog para apontar casas de fato abandonadas e precisando de ocupação, ajudaríamos a todos, isso em todo Brasil! Existem milhares!

  10. Adu Cruz disse:

    Podíamos criar um Blog para apontar casas de fato abandonadas e precisando de ocupação, ajudaríamos a todos, isso em todo Brasil! Existem milhares!

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