Bebê indígena: investigação principal precisa ser contra o racismo

racismo

Manifestação em Curitiba (Foto: Daniel Caron/FAS)

Hipótese de satanismo pode ajudar a explicar caso isolado; mas desvia polícia da obrigação de investigar casos de racismo contra indígenas em SC e no Brasil

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

O delegado que investiga o assassinato do bebê Kaingang em Santa Catarina insiste na hipótese de satanismo como motivo para a degola de Vítor Pinto, de 2 anos. Ele estava com a mãe na rodoviária de Imbituba (SC), quando foi atacado por um jovem que, tudo indica, seja Matheus Silveira. Vejamos este título no UOL, com texto do Estadão (a Folha continua sem querer saber do caso): Acusado de matar bebê indígena integraria um grupo satânico, diz delegado.

Nada contra essa linha adicional de investigação para o crime específico. Mas apenas a condenação de um jovem perturbado por problemas psiquiátricos pouco ajudará o combate ao racismo contra os povos originários, caso este não apareça como motivo. Afinal, foi escolhido um bebê indígena – e não um bebê branco – para o suposto ritual. Não estou falando de hipótese remota: os Kaingang relatam casos de racismo em vários municípios de Santa Catarina, particularmente em rodoviárias.

Vou mais além: as investigações sobre racismo precisam ser feitas mesmo na hipótese de que a degola não tenha tido motivação racial. Os crimes de racismo precedem e sucedem o desolador assassinato de Vítor. Trata-se de necessidade de preservar outras crianças, outras mulheres, outros homens – povos inteiros que são vítimas de discriminação em Santa Catarina. Ou a polícia acha que basta solucionar o crime do dia 30 de dezembro? Temos mais que um crime: temos uma cultura multiplicadora de crimes.

O raciocínio vale para outras Unidades da Federação. A violência contra indígenas não costuma ser associada à palavra “racismo”. E já está mais do que na hora. Os crimes de racismo contra negros são mais numerosos, até porque eles constituem metade da população. Povos indígenas e ciganos, por exemplo, enfrentam uma invisibilidade ainda maior do racismo do qual são vítimas há séculos. Não há hierarquia: todos são vítimas e todos precisam ter seus direitos preservados. Não à toa, povos indígenas de Curitiba fizeram manifestação por justiça e contra o racismo no caso de Vítor.

Se estamos falando de algo que acontece em todo o país, cabe a singela pergunta: por onde anda a Polícia Federal? Que as polícias de Santa Catarina, São Paulo, Amazonas, Mato Grosso do Sul – todas as polícias estaduais – apurem também os casos de ódio e intolerância contra indígenas. Serão úteis. Mas a PF não pode continuar assistindo de camarote algo que é generalizado, enraizado. O apartheid tem escala nacional. E é em tal escala que precisa ser combatido.

Quando se fala de Polícia Federal estamos falando do Estado brasileiro. De atribuições que vão além da política do governo de plantão – um dos piores deste período democrático no que se refere à política indigenista. Por outro lado, caberia a esse governo se pronunciar de modo eloquente em relação a Vítor. E isso não foi feito. Apenas o Ministério da Cultura emitiu uma nota. Secretaria da Igualdade Racial, zíper. Dilma Rousseff, silêncio. E o povo Kaingang espera mais do que investigações acima de qualquer suspeita de crimes de racismo.

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3 comentários para "Bebê indígena: investigação principal precisa ser contra o racismo"

    • Alceu Castilho disse:

      Olá, Camila. Muito legal. Gostei da abordagem jurídica, com a sensibilidade de quem viveu (importantes também os relatos sobre o Exército) diretamente o problema.

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