Como os Consórcios Públicos podem servir ao SUS
Livro joga luz sobre experiência inovadora, que reduziu incidência da covid no Nordeste e resultou, no Ceará, em policlínicas regionais capazes de multiplicar atendimento especializado e exames. Qual seu papel num futuro governo Lula?
Publicado 06/12/2022 às 11:23 - Atualizado 06/12/2022 às 11:25
Em meio aos encontros do 13º Abrascão, dezenas de livros foram lançados. Entre eles, Consórcios Públicos de Saúde, editado pela Hucitec e organizado por Fabiano Tonaco Borges, Brunna Raphaelly Amaral da Silva, Raimundo José Arruda Bastos e Carlos Eduardo Gomes Siqueira. Consórcios públicos são a união de ao menos dois entes federados para compartilhar recursos, investimentos e custeios para prestar algum tipo de serviço.
O que ganhou mais destaque nos últimos tempos foi o Consórcio Nordeste, que envolve todos os nove estados da região. Quando foi criado, em 2019, a ideia principal era traçar estratégias comuns de desenvolvimento e articulações políticas. Já havia ações em relação à Saúde, explica ao Outra Saúde Hêider Pinto, pesquisador e um dos autores do livro. “Chegamos a montar uma proposta para o Mais Médicos Nordeste, quando o governo federal desmontou o programa. Mas o principal aconteceu quando veio a pandemia”, segundo ele.
“Em março de 2020 foi criado o Comitê Científico do Consórcio Nordeste, que tinha Miguel Nicolelis, Maurício Barreto e Sérgio Rezende. Na pandemia, o Nordeste viveu um ponto de partida pior na pandemia, por causa da vulnerabilidade social, mas teve ao fim os melhores indicadores de casos e mortes, o que mostra que a ação do Estado teve mais efetividade. O Consórcio organizou um conjunto de ações para os estados, que era mais interessante fazer de maneira consorciada do que isoladamente”, desenvolve Hêider.
Mas o exemplo do Ceará mostra que é possível ir além. Arruda Bastos, um dos organizadores do livro, foi secretário de Saúde do estado entre 2007 e 2013, e foi o articulador de um consórcio público de saúde inovador e muito reconhecido pela população. Todos os municípios do Ceará acabaram aderindo à iniciativa, e construíram, entre outros equipamentos, uma série de policlínicas regionais para prestar serviços à população. “As policlínicas não oferecem apenas serviços médicos especializados, mas também procedimentos, exames de diagnósticos que são difíceis de encontrar no SUS como tomografia, ressonância magnética, mamografia”, conta ao Outra Saúde.
Para tanto, os municípios utilizam seus próprios recursos e os do estado, mas também conseguem financiamento privado. O primeiro a custear os projetos do consórcio do Ceará foi o Banco Interamericano de Desenvolvimento, conta Arruda. Segundo ele, a experiência de seu estado é a mais bem estruturada do país, pois tem mecanismos para evitar que as disputas políticas se sobreponham ao interesse público. “Nós elaboramos dois tipos de contratos – de rateio e de programa – de maneira engenhosa para que, por exemplo, um município maior tenha acesso a mais serviços, mas não necessariamente pague mais ao consórcio. Porque se o município menor tiver mais arrecadação de ICMS, vai pagar mais”, explicou. “E o estado banca esse diferencial, quando há perda de arrecadação, porque tem barreiras, gatilhos para isso.”
Arruda Bastos defende enfaticamente o modelo, que diz ser uma alternativa muito superior à das Organizações Sociais de Saúde. Ela envolve todos os entes da federação e os gestores de saúde na construção de equipamentos e oferta de serviços. As prefeituras se tornam responsáveis pela gestão, e por isso podem ser cobradas diretamente. Além disso, é possível regionalizar os serviços, diminuindo o inchaço nas capitais e distribuindo pelo estado. Arruda se lembra inclusive dos elogios que a então presidente Dilma Rousseff fez ao visitar o Ceará para inaugurar um hospital ao seu lado: “Ela disse: ‘secretário, esse é o SUS que dá certo’”.
E qual o papel do governo federal nesse tipo de consórcio, num novo mandato de Lula? “O governo tem a oportunidade de colocar esse como um modelo nacional. Pode ajudar a financiar, coisa que não tem sido feita hoje. No Ceará, tudo que nós conseguimos foi feito com recurso internacional. Fizemos um projeto bem feito e um banco financiou, mas nem todos os estados têm a mesma configuração. Deveria haver recurso federal para ajudar no custeio, poderia ter um financiamento tripartite”, sugere Arruda Bastos.