O sucesso da Psiquiatria livre de remédios
Na Noruega, hospitais constataram: recuperação de esquizofrenia é melhor sem medicação. Apostaram em convívio social, dieta balanceada, contato com a natureza, exercícios físicos e contato próximo entre médicos e pacientes
Publicado 19/12/2019 às 07:44 - Atualizado 19/12/2019 às 13:49
Por Raquel Torres
MAIS:
Esta é a edição do dia 19 de dezembro da nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada.
LIVRE DE MEDICAMENTOS
O texto do jornalista Robert Whitaker no site Mad in Brasil é longo, mas vale a leitura. Fala da experiência norueguesa de hospitais psiquiátricos que
estão se propondo a cortar ou reduzir drasticamente o uso de
medicamentos pelos pacientes. Embora o ministro da Saúde norueguês
viesse pedindo essa solução às instituições públicas – o que de fato
começou a acontecer três anos atrás –, ela foi levada a cabo primeiro no
Centro de Recuperação Hurdalsjøen, um hospital particular perto de Oslo
inaugurado em 2015. A ideia nasceu a partir de evidências de que, no
longo prazo, a taxa de recuperação para pacientes com esquizofrenia é
melhor sem medicação do que com remédios. Alojamentos aconchegantes,
convívio social, uma boa dieta em refeições comunitárias, contato com a
natureza, exercícios físicos e relações estreitas entre pacientes e
profissionais são algumas das características do lugar.
A primeira pessoa que apareceu por lá foi Tonje Finsås,
uma mulher com 31 anos e um histórico mais do que complicado: distúrbio
alimentar aos oito anos, uso de antidepressivos desde os 11, mais de
200 internações ao longo da vida e uma lista de prescrições de 31
remédios no momento em que chegou ao Centro. Três deles eram
antipsicóticos. Com se não bastasse, ela havia passado os três anos
anteriores internada em isolamento, vigiada por dois auxiliares e
frequentemente contida por camisa de força. Após quatro anos em
Hurdalsjøen, ela só toma dois medicamentos, vive sozinha em uma
cidadezinha próxima e começou a trabalhar em meio período na
instituição, dirigindo a sala de atividades.
Dentre as unidades públicas, a primeiro a criar uma
enfermaria sem medicamentos foi o Hospital Asgård, em 2017. Já foram
tratados cerca de 50 pacientes – mais de 90% tiveram um diagnóstico
psicótico e metade deles não tomou nenhum neuroléptico durante a
hospitalização. A maioria não apresentou sintomas psicóticos; outros
apresentaram às vezes, mas começaram a encontrar “novas maneiras de
lidar com os sintomas” segundo o diretor Magnus Hald. Doses mais baixas
também mostraram muitos benefícios: “Essas pessoas têm um sentimento
muito forte de ter de volta as suas emoções, e isso também é vivenciado
por suas famílias. Uma mulher nos disse: ‘Pensei ter perdido meu marido
há quatro anos e agora ele voltou’”.
Hoje, há no país 56 leitos em 14 hospitais para
tratamento sem medicamentos (ou para sua drástica diminuição). E a
demanda dos pacientes por esse tipo de cuidado está crescendo.
OUTRO OLHAR
A entrevista com a ex-juíza Maria Lucia Karam é desconfortável para muita gente, inclusive para a repórter Bruna de Lara, do Intercep,
que conversou com ela: “Pesquisando violência contra a mulher há quase
cinco anos, já ouvi centenas de sobreviventes, como eu, narrarem os
horrores a que foram submetidas por agressores”, escreve Bruna – mas
Karam, que defende a abolição do punitivismo, dizia que a parte mais
frágil dos processos não é a vítima, mas o réu; que a Lei Maria da Penha e a lei do feminicídio são retrocessos;
que a punição não ajuda agressores a entender seus erros nem a impedir
que os repitam. “Tirada de minha zona de conforto, eu tentava manter em
mente que suas palavras, embora difíceis de engolir, abriam caminho para
uma discussão necessária”, prossegue a jornalista.
E a ex-juíza explica como e por quê o sistema penal é
ineficaz tanto como instrumento de promoção da harmonia social quanto
como instrumento de enfrentamento à violência contra a mulher. “Por pior
que sejam as condutas cometidas, as pessoas mantêm sua dignidade, pelo
simples fato de serem pessoas. Nesse sentido, todas as pessoas são
iguais. E o sistema penal é profundamente desigual. É um sistema de
poder que recai preferencialmente sobre as pessoas mais vulneráveis e
que não serve para promover direitos. (…) A reação punitiva,
especialmente por sua visibilidade, força e rigor, tem sempre uma
tendência monopolizadora. Ela projeta a falsa ideia de que, com a
punição, o problema estaria resolvido, o que joga para um plano
secundário outras formas mais eficazes, mas menos imediatistas e
visíveis de enfrentar esse problema”, diz.
Ela também rechaça a ideia do poder simbólico da
criminalização, que confirmaria que aquela violência não é aceitável, e
diz por que considera que as leis do feminicídio e Maria da Penha
fracassaram: “Primeiro, [a justificativa era] de que a pena iria
dissuadir outras pessoas de praticarem crimes, o que a história do
sistema penal, aplicado há mais de 200 anos, mostra que não funcionou.
As pessoas não deixaram de cometer crimes. Pelo contrário, a
criminalidade se tornou mais ampla. Então essa função de prevenção geral
demonstradamente não funcionou. A outra justificativa era a de
transformar o autor do crime. Também foi demonstrado que não funciona. A
prisão, em geral, torna as pessoas mais desadaptadas ao convívio
social. Até porque é uma ideia absurda você ensinar alguém a viver em
sociedade tirando essa pessoa da sociedade. Não vai funcionar. O que a
pessoa vai aprender é [como] viver na prisão. A prisão não serve para
reeducar ninguém”.
LONGO PRAZO
Saíram os resultados do primeiro estudo de longo prazo sobre cigarros
eletrônicos, que observou 32 mil adultos que não tinham doenças de
pulmão em 2013 e voltou a eles em 2016. Publicada no American Journal of Preventive Medicine, a pesquisa descobriu que os consumidores desses produtos podem ter 30% mais chances de desenvolver uma doença pulmonar crônica como
asma ou enfisema. Mas fumantes de cigarro convencional continuam em
situação pior: têm 2,5 vezes mais risco do que não-fumantes de
desenvolver doença pulmonar.
Aliás… um estudo da Universidade de Michingan com mais de 40 mil alunos do ensino médio indicou que, a cada cinco estudantes, um usou maconha em cigarros eletrônicos ao longo deste ano É praticamente o dobro do número encontrado em 2018.
E pela primeira vez em duas décadas, a OMS estima uma diminuição do uso de cigarro convencional por homens em 2020. Mas o relatório desconsidera justamente o consumo dos eletrônicos, que pode (e parece) estar crescendo.
MÉDICOS PELO BRASIL
A lei que cria o programa foi sancionada ontem por Jair Bolsonaro. Só
houve uma mudança em relação ao texto aprovado no Congresso: o
presidente vetou a possibilidade de aplicação de exames do Revalida por instituições particulares.
Esse era um ponto contestado tanto pelas entidades médicas como por
ativistas da Reforma Sanitária, mas defendido pelo ministro da Educação,
Abraham Weintraub. O MEC não quis comentar a decisão de Bolsonaro. “O
presidente, escutando a categoria médica e entendendo que isso deve ser
dever do estado, decidiu pelo veto no capítulo que diz respeito à
validação do diploma por faculdades particulares. A ideia é que as
faculdades públicas o façam”, declarou o ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta,
O primeiro edital deve sair no primeiro trimestre de
2020. Ainda não está definido quantos médicos irão para cada cidade, mas
Mandeta afirma que 13,8 mil devem ir para o Norte e Nordeste. O
primeiro nível salarial pode chegar até R$ 31 mil, dependendo do local
de trabalho. Mas antes os médicos vão receber uma bolsa líquida de R$ 12
mil. E o Mais Médicos deve se estender ainda por um ou dois anos, inclusive com os cubanos que permaneceram no Brasil, até que o novo programa tenha profissionais suficientes.
A controversa Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) ficou mesmo do jeito que saiu do Congresso, e vai definir critérios de seleção, distribuição e formação dos médicos.
SAIU A CARTEIRA
O Ministério da Saúde lançou ontem, enfim, a Carteira de Serviços da Atenção à Saúde,
com a lista de serviços que devem ser oferecidos por equipes e unidades
da atenção básica. São ao todo 212 tipos de cuidados, como pré-natal
da gestante e de pessoas com diabetes e hipertensão, consulta
ginecológica, vacinação e tratamento para parar de fumar. Como já
comentamos por aqui, há dúvidas entre especialistas sobre se ela pode
restringir a integralidade do SUS, em vez de organizar a atenção.
CHEGA DE CURA
O processo tem sido longo, e ontem o governo alemão concluiu um projeto de lei que proíbe as terapias de cura da homossexualidade,
já que isso não é doença e, portanto, não requer cura. Mas a proibição
só vai ser total para terapias com menores de idade. Quem tiver mais de
18 anos só vai haver punição caso haja provas de pressões, ameaças ou
mentiras. As penas vão de uma multa até um ano de prisão para quem
violar a regra. O parlamento deve começar a avaliar o projeto no próximo
ano.
ANTES TARDE…
O Papa Francisco promulgou ontem duas novas leis que eliminam o segredo pontifício
em casos de violência sexual e abusos de menores e vulneráveis por
membros da Igreja. Isso deve agilizar a tramitação das denúncias e seu
possível encaminhamento às autoridades civis. As dioceses de cada país
vão precisar fornecer toda a documentação sobre os processos e denúncias
quando solicitados pela autoridade judicial.
MAIS:
Esta é a
edição do dia 19 de dezembro da nossa newsletter diária: um resumo
interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la
toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada.