Mais polêmica sobre os “genes gays”

Empresa lança aplicativo que revelava “quão homossexual é você”, alegando apoiar-se em pesquisa científica. Os perigos políticos e psíquicos do “faroeste genético”. Leia também: 35% das cidades abaixo da meta de vacinação do sarampo

Imagem: Technology Review
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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FAROESTE GENÉTICO

Há cerca de dois meses, a divulgação de uma pesquisa sobre genética e homossexualidade na Science provocou várias discussões e preocupações relevantes, como acompanhamos aqui. Em poucas palavras, o trabalho concluía que o comportamento sexual poderia ser em (pequena) parte explicado pelo DNA, embora não houvesse um gene único responsável por isso.

Os primeiros resultados – negativos – já começaram a aparecer. Um aplicativo chamado “How gay are you?”, criado pelo empresário Joel Bellenson, foi lançado no início do mês afirmando se basear no estudo para medir o nível de atração de uma pessoa por outras do mesmo sexo, de acordo com seus genes. O app foi posto à venda na GenePlaza, um mercado online de ferramentas de interpretação de DNA. Por US$ 5,50, a pessoa poderia subir seus dados genéticos (previamente fornecidos por empresas de sequenciamento de DNA, cada vez mais populares nos EUA e na Europa) e ver seus ‘resultados’.

Os cientistas responsáveis ​​pelo estudo da Science dizem que o aplicativo deturpa seu trabalho. Benjamin Neale, geneticista do Broad Institute e autor da análise científica, enviou uma carta para a GenePlaza pedindo que o aplicativo fosse desativado ou que ao menos as referências à sua pesquisa fossem retiradas. Bellenson mudou o nome do app para “122 Shades of Grey” e adicionou uma nota explicando que os autores do estudo não eram afiliados ao projeto. E depois, no último dia 24, o app foi removido da GenePlaza.

Mas a questão continua preocupando. Cientistas e conselheiros genéticos dizem que essas ferramentas não regulamentadas podem prejudicar indivíduos, causando problemas como ansiedade, despesas médicas desnecessárias e estigmatização. “É o faroeste da genética”, diz Erin Demo, conselheira genética do Sibley Heart Center Cardiology em Atlanta. Para completar, Bellenson vive em Uganda, onde a homossexualidade é punível com prisão. Joseph Vitti, geneticista computacional do Broad Institute em Cambridge, não descarta que autoridades possam se apossar dos resultados de uma pessoa e usá-los como evidência de preferências sexuais.

BUSCA ATIVA

A primeira fase da Campanha Nacional de Vacinação contra o sarampo terminou na sexta. Ontem, o Ministério da Saúde divulgou o balanço parcial e, embora o país como um todo tenha atingido a meta, com 95% das crianças de seis meses a menores de um ano imunizadas, há muitos, muitos problemas mesmo em alguns lugares. Nada menos do que 1.923 cidades, o equivalente a 34,5% dos municípios brasileiros, ficaram abaixo da meta. Estados inteiros também não alcançaram o objetivo. São eles: Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte.

O governo federal disponibilizou uma lista para que os municípios façam uma busca ativa de crianças para localizar aquelas que não foram vacinadas. De acordo com o secretário de atenção primária, Erno Harzheim, é a primeira vez que o Ministério divulga uma relação assim, disponível no sistema E-Gestor Atenção Básica. A lista não é 100% precisa: foi produzida a partir de 6,5 milhões de registros no sistema de saúde envolvendo crianças de seis meses a cinco anos. Desse total, 1,1 milhão de registros não tinham informações de doses aplicadas da tríplice viral, o que pode indicar a presença de crianças não vacinadas. A aposta é que agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, por conhecerem os moradores de cada território, assumam a frente das ações. E que além da imunização contra sarampo, sejam aplicadas outras, de modo a atualizar a situação vacinal das crianças.

Enquanto isso, o vírus ainda circula em 19 estados brasileiros. Nos últimos 90 dias, período usado para definir o surto ativo, foram contabilizados 5.660 casos – 90% deles em São Paulo. Alguns dos estados com surto ativo não conseguiram atingir a meta. O pior resultado é do Rio de Janeiro, que teve 70 casos da doença confirmados, mas está muito longe dos 95% de cobertura, com apenas 69,24% do público-alvo imunizado. E também de Bahia, DF, Maranhão, Pará, Piauí e Rio Grande do Norte.

POR CAUSA DO ATRASO

Entre setembro de 2018 e agosto de 2019 foram registradas 147 paralisações de trabalhadores da saúde no Brasil. E o número delas foi ligeiramente maior no setor privado: 55% foram feitas por funcionários de hospitais particulares e organizações sociais, as OSs. O que puxa o percentual para cima é principalmente o atraso de salários, que aparece como razão para 90% das greves no setor. É um baita crescimento desde 2013, quando ele motivava 58% das paralisações. Os dados são do Sistema de Acompanhamento de Greves, do Dieese.

EM COMPASSO DE ESPERA

Hoje é quarta-feira e o pacote que Paulo Guedes prometeu enviar esta semana ao Congresso para mudar o orçamento e as regras do serviço público ainda não saiu do Ministério da Economia. Segundo o Estadão, isso acontece porque a Pasta tem sofrido pressões e tenta blindar as propostas para que não cheguem “desidratadas” às mãos dos parlamentares. Não há nenhuma informação específica sobre a eliminação do piso constitucional para saúde e educação que alcançaria inclusive estados e municípios, segundo a Folha adiantou na semana passada. Mas ao menos uma desvinculação planejada – a dos fundos constitucionais que fomentam investimentos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – deve ser retirada do pacote. 

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) já afirma que a pauta vai “entrar de um jeito e sair de outro”. Semana passada, Rodrigo Maia (DEM-RJ) sinalizou que mudar piso dos gastos sociais será “difícil e polêmico”. A pauta vai atravessar ainda a crise do presidente com o PSL. Líder no Senado do partido, Major Olímpio (SP) alfinetou Guedes dizendo que, apesar de ele ser “muito capaz”, entende pouco “de ritmo do Congresso”. Ele reclamou da expectativa do governo de que o pacote seja votado ainda este ano.

UM TERÇO DO LITORAL

A essa altura, um terço do litoral brasileiro já foi atingido por manchas de óleo provocadas pelo vazamento que ainda permanece um mistério. Ontem, o Ibama atualizou o número de locais atingidos para 268. E o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, reconheceu que o fim da crise é “incerto”. Desde domingo, o petróleo cru começou a se aproximar da região de Abrolhos, santuário da biodiversidade marinha no Brasil. Pescadores e voluntários já recolheram 200 quilos do produto em alto mar, na tentativa de evitar o impacto. 

Em palestra, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, caracterizou o vazamento como a “maior agressão ambiental sofrida pelo país”, e comparou o impacto do desastre a um dos maiores acidentes da indústria do petróleo, ocorrido no Golfo do México depois da explosão de uma plataforma em  2010.

Também ontem, o Ministério da Agricultura proibiu a pesca de lagosta e camarão nas áreas afetadas. A Pasta calcula que 60 mil pescadores deverão receber até duas parcelas extras do seguro-defeso. O auxílio é no valor de um salário mínimo.    

NEGAÇÃO

Na semana passada contamos aqui que a FDA (agência dos EUA similar à Anvisa) havia encontrado pequenas quantidades de amianto em amostras de talco da Johnson & Johnson. Com isso, estabeleceu-se o recolhimento de 33 mil produtos. Agora, a empresa anunciou que realizou novos testes, inclusive nas amostras já analisadas pela FDA, e garantiu que a substância cancerígena não estava presente nos frascos – mas, apesar disso, vai manter o recall. Segundo a companhia, as novas análises foram feitas por dois laboratórios independentes… A FDA afirma que diferentes resultados nos testes podem se dever ao fato de que os contaminantes não são uniformemente dispersos pelas amostras e não há um teste padrão para amianto no talco.

MAIS COMUM

A piora na alimentação e mudanças nos hábitos pode ser uma das explicações para o aumento da frequência do câncer de estômago em pessoas mais jovens. O assunto ganhou muito destaque com o anúncio do diagnóstico do prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), que tem apenas 39 anos e descobriu na semana passada um tumor maligno na cárdia, válvula que separa esôfago e estômago. Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, esse tipo de câncer não é raro, mas historicamente afeta maiores de 55 anos. “A gente observa um aumento. Tem a ver com os maus hábitos adotados em grandes cidades. Os fatores mais relacionados são tabagismo, refluxo gastroesofágico, consumo exagerado de bebidas alcoólicas e obesidade”, listou Felipe Coimbra, cirurgião oncológico. Já Renata D´Alpino, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o principal fator de risco é o refluxo crônico: “Quando o alimento não fica no estômago e fica retornando para o esôfago, vai causando uma inflamação que pode gerar mutações e o aparecimento do câncer”. Ontem, Covas – que está internado no Sírio Libanês – iniciou sua primeira sessão de quimioterapia, tratamento indicado já que o tumor na cárdia se espalhou para o fígado e para linfonodos da região abdominal.

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