⏯️ Os novos planos dos entregadores rebelados

“Galo”, liderança do movimento, afiança: exploração expõe falácia do empreendedorismo. Mas recuperar direitos exigirá novas relações de trabalho: deixar o jugo das empresas-aplicativos e criar redes de solidariedade e cooperativas…

Se preferir, escute na versão podcast:

Paulo “Galo” Lima em entrevista a Rôney Rodrigues, no OP Entrevista

O precariado começa a se organizar, demostrou a 1º Greve Nacional dos Entregadores (1°/6) que, embora não tenha paralisado completamente os aplicativos de delivery, causou significativo impacto — econômico e político – às empresas-aplicativo como Uber, iFood, Loggi e Rappi. Gerou, inclusive, grandes manifestações de rua em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Salvador e Recife. A próxima paralisação está marcada para o dia 25 deste mês, um sábado, dia com maior fluxo de pedidos e entregas.

Um dos grupos mais aguerridos à conclamação da greve são os Entregadores Antifascistas. O movimento é liderado por Paulo Lima, conhecido como Galo, de 31 anos, morador da periferia de São Paulo. Foi em março que, cansado de passar fome sentindo cheiro de comida nas costas, de ser punido pelo aplicativo ao não completar uma corrida por um pneu furado da moto, começou a articular as mobilizações. Empenha-se em organizar a categoria, mas de forma mais “política e combativa”, destaca, em torno da defesa da democracia – e desmontar os mitos da Era dos Bicos.

“Os caras querem passar que eles montam os horários deles”, analisa. “Eu quero provar que é uma mentira. Quem monta nossos horários são as nossas dívidas, irmão. Se acaba as fraudas da sua filha, você sai pra rua desesperado. Muitos companheiros acreditaram no discurso de empreendedor, caíram nessa conversa fiada. É mentira, mano. Nem a classe média consegue. O cara tem uma loja de tapete em Moema, passa a vida inteira trabalhando, acha que vai morar numa mansão. Coitado, vai morrer pagando dívida… Só vai conseguir comprar a capa do Batman, porque o Bruce Wayne mesmo não existe, por baixo da capa é um cara endividado. Tá mais próximo de morrer numa favela do que numa mansão”.

Na categoria dos entregadores, parcela significativa dos trabalhadores incorporam o discurso de flexibilização e empreendedorismo – e diversas lideranças, mais à direita ou ao centro do espectro político, rechaçam as conquistas da CLT e até organizações trabalhistas mais tradicionais como os sindicatos e as associações. Por isso, o desafio do Movimento Entregadores Antifascista torna-se hercúleo, mas instigante. Afinal, peitam não somente empresas altamente internacionalizadas, com bilhões na Bolsa, mas também uma tendência mundial do mercado de trabalho, a da uberização e retirada completa dos direitos trabalhistas.

Eles reconhecem que são um grupo ainda muito pequeno – e que suas reivindicações estão longe de representar a maior parte dos entregadores e das organizações do setor. Mas tentam canalizar a insatisfação generalizada – de certa forma, conferindo-lhes contornos críticos ao Capitalismo de Plataforma – contra os ganhos irrisórios pagos pelas empresas-aplicativos. Sua crítica tem enorme validade: em São Paulo, por exemplo, quem consegue rodar por 12 horas diárias ganha, em média, R$ 936 por mês, de acordo com a pesquisa da Aliança Bike, de 2019. Galo reconhece que, do Movimento, poderão emergir postulantes à política institucional (sempre lembra que não é candidato a nada), sindicatos ou associações, mas que “vamos nos manter sempre como políticos de rua”, contra a hiperexploração da categoria.

“[Por isso] eles querem falar que você é empreendedor: para te explorar mais. Eles não estão no ramo do delivery, eles estão no ramo da exploração. O trabalhador tem que querer trabalhar menos e ganhar mais. Mas o patrão quer o contrário – e coloca na sua cabeça que você é vagabundo. Temos que ter tempo pra viajar mais, descansar, ficar com a família, ver nossos filhos crescer e ter uma vida melhor”, afiança.

O Movimento Entregadores Antifascistas quer denunciar a hiperexploração do Capitalismo de Plataforma, mas também pensar e propor formas solidárias e pós-capitalistas de organização. Uma delas seria criar um Fundo Solidário para os entregadores do movimento, no caso de se acidentarem no trabalho, adoecerem ou precisarem para alguma despesa emergencial.

Trabalham também para impulsionar uma cooperativa que funcionará com tecnologia gratuita e aberta, conectando fornecedores de alimentos, clientes e entregadores. A princípio, pensaram na CoopCyle, utilizada em diversas cidades da Europa. Porém, segundo Galo, a plataforma apresenta um empecilho à realidade brasileira: aceita apenas entregas por bicicletas, rejeitando motos. No Brasil, analisa o líder do Movimento, ao contrário da Europa, o terreno é mais acidentado, as distâncias são mais longas e há uma reduzida infraestrutura urbana para bicicletas. Porém, voluntários da área de tecnologia e do Direito estão avaliando as alternativas para viabilizar essa cooperativa de entregadores.

Galo tem a certeza de que, estranhamente, a pandemia que avassala o país também gerou efeitos interessantes sobre as pessoas, desacelerando-as do ritmo frenético estimulado pelo capitalismo – e forçando-as a verem a hiperprecarização dos entregadores.

“As pessoas começaram a entender que é zoado pegar sua comida da mão de um cara com fome, que tá se matando ali pra ganhar nada. Fez enxergar a gente. Isso é louco de falar que a pandemia ajudou alguma coisa, né?”, analisa ele.

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