Fazendas de cliques, face invisível da precarização

Depois da Ásia, proliferam no Brasil plataformas para turbinar artificialmente as redes sociais de empresas e influenciadores. Os métodos: pagar centavos por tarefa, obrigando trabalhadores a multiplicar difusão de notícias e perfis falsos

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> Este artigo integra as discussões sobre o espraiamento do processo de digitalização da economia, sobretudo no que se refere às empresas-plataforma de trabalho, no Brasil. São publicadas semanalmente em Outras Palavras e fazem parte de duas edições da Revista da Faculdade do Dieese de Ciências do Trabalho. A publicação é fruto de parceria com a Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR) e a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). Leia outros textos desta série sobre as várias faces da precarização do trabalho.

> Título original: Fazendas de Clique”: as invisíveis plataformas de trabalhok

Em 2014, mais de 90% da renda de $12.5 bilhões do Facebook foram obtidos por meio de propaganda. O Pay Per Like (PPL) – ou pagamento por curtida, em português – é um modelo de pagamento intrinsecamente associado a essa renda, já que a quantidade de likes em um post de propaganda significa o sucesso do produto e o aumento do espaço para publicidade no Facebook. Em 2016, Dhaka, cidade em Bangladesh com cerca de 7 milhões de pessoas, foi responsável por 30-40% dessas curtidas pagas, conforme o documentário “Field of Vision – Like”, no YouTube1. Como? Através de plataformas de impulsionamento de likes e do uso de mão de obra barata e precarizada.

Insta, Siga Social, Dizu e Farmar Social são algumas das plataformas de trabalho, dentre as inúmeras existentes, cuja premissa é ofertar serviços de impulsionamento de likes em mídias sociais como Instagram, Facebook, TikTok ou YouTube. Chamadas de “fazendas de clique” ou “click farms”, elas são frequentemente classificadas nos diferentes relatórios sobre empresas-plataforma como plataformas de microtrabalho. No documentário “O Dilema das Redes”2, Aza Raskin, ex-empregado do Firefox e Mozilla Labs, cofundador do Centre for Humane Technology e inventor do Infinite Scroll, chama atenção para o fato de que empresas anunciantes nas mídias sociais são as grandes clientes desse nicho de mercado.

Como mencionado anteriormente, o objetivo dessas “fazendas” é vender interações de usuários reais, ou seja, gerar curtidas e comentários em perfis de empresas e de determinadas pessoas para aumentar o engajamento dessas páginas nas mídias sociais e, consequentemente, impactar positivamente suas influências no meio virtual. O diferencial dessas interações é que elas não dependeriam de bots e robôs, portanto, seguem os termos de uso das mídias sociais e correm menos risco de serem banidas. Entre pessoas que contratam esses serviços encontramos influenciadoras/es, políticos, jogadores de futebol, atores/atrizes e cantores/as, por exemplo.

Para funcionarem, as plataformas de impulsionamento de likes precisam mobilizar uma multidão de trabalhadores/as para realizar a tarefa de clicar. Ao se cadastrarem na plataforma de trabalho, os/as trabalhadores/as têm segundos para curtir postagens, sem poder retirar essa curtida posteriormente. Essa multidão fica disponível através de seus perfis em mídias sociais, recebendo até cinco centavos de real por tarefa, sendo que o pagamento pelo trabalho só pode ser acessado quando o total atinge um valor mínimo entre R$ 20 e R$ 30.

Por receberem tão pouco por cada tarefa, os/as trabalhadores/as buscam manejar mais de um perfil, criando estratégias como: fazer um e-mail para cada perfil; conseguir um determinado número de seguidores na conta para começar a trabalhar; colocar diferentes fotos nos perfis de trabalho. Tais estratégias são utilizadas para evitar que as plataformas de mídia social bloqueiem suas contas. Assim, além de se submeterem à governança das plataformas de impulsionamento de clique, eles/as também precisam se atentar para as governanças das plataformas de mídia social. Além disso, os/as trabalhadores/as desenvolvem outros recursos para incrementar sua renda, como por exemplo, vender contas virgens de Instagram, comprar fotos uns dos outros etc.

Uma diferença das fazendas de clique em comparação às outras plataformas de trabalho que já conhecemos é que, enquanto nestas os/as trabalhadores/as são considerados/as autônomos/as e chamados de “parceiros/as”, nas fazendas de cliques os/as que são chamados.as de parceiros/as, são as empresas/pessoas que contratam o trabalho. Se os/as trabalhadores/as recebem centavos por like, os/as contratantes, ou “parceiros/as”, pagam cerca de R$ 170 para conseguir 2.000 seguidores nas mídias sociais.

No sudeste asiático as fazendas de clique estão em expansão há anos e agora se instalam no Brasil. Diferentes implicações do trabalho em plataformas digitais foram analisadas por Grohmann et al3 no âmbito da pesquisa The Hidden Labour of Brazilian on AI Platforms e apontam para a necessidade de: 1) visibilizar esse trabalho e as realidades dos/as trabalhadores/as, a fim de fomentar políticas públicas por melhores condições trabalhistas; 2) regulamentar as fazendas de clique de acordo com as formas de governança de mídias sociais; 3) esclarecer a relação entre as fazendas de clique e a circulação de fake news; 4) avaliar as fazendas de clique em um contexto de transformações do mercado publicitário.

Em resumo, queremos destacar a atuação dessas empresas-plataforma em dois sentidos: no que se refere ao aprisionamento cada vez mais complexo da atenção dos/as usuários/as através de técnicas sofisticadas e não transparentes, e na constatação da existência de uma gama crescente de trabalhadores/as “invisíveis” e sem nenhum direito laboral. Estes/as não têm acesso a direitos mínimos como um salário mínimo, licenças de saúde, 13° salário, férias. No Brasil, como tais direitos já estão assegurados tanto na Constituição Federal, especialmente nos incisos do artigo 7º, como nas legislações infraconstitucionais (a própria CLT), espera-se, nesse caso, que ao menos se aplique a legislação já existente.

Nota: Texto baseado em BARROS, Juliano Carlos. “Mistura de deep web com feira livre”: o trabalho nas fazendas de cliques. Uol Economia, 2021. Disponível em: https://economia.uol.com.br/colunas/carlos-juliano-barros/2021/06/08/mistura-de-deep-web-com-feira-livre-o-trabalho-nas-fazendas-de-cliques.htm> ACESSO EM e DIGILABOUR. Plataformas de fazendas de clique: como funcionam? DigiLabour, julho 2021. Disponível em: https://digilabour.com.br/2021/07/05/plataformas-de-fazendas-de-clique-como-funcionam/>. Acesso em 15.02.2022.


1 Disponível em: <https://youtu.be/JHh-_nevEiw>. Acesso em 15.02.2022.

2 O Dilema das Redes. Direção de Jeff Orlowski. Netflix, 2020.

3 GROHMANN, Rafael et al. O que são plataformas de fazendas de clique e por que elas importam. Nexo, maio 2021. Disponível em: <https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2021/O-que-s%C3%A3o-plataformas-de-fazendas-de-clique-e-por-que-elas-importam>. Acesso em: 15.02.1022

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