O agro quer passe-livre para crimes ambientais

Projeto que afrouxa licenciamento ambiental avança no Senado. Visa isentar ruralistas e indústrias de estudos de impacto e anistiar multas e crimes. 32% das terras indígenas e 92% dos territórios quilombolas podem ficar desprotegidos

Foto: Christian Braga/Greenpeace
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Por Renato Santana, no GGN

Pode ser votado a qualquer momento nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente do Senado o Projeto de Lei 2.159/2021, que modifica as regras do licenciamento ambiental no Brasil. 

Caso o PL seja aprovado, apenas serão consideradas para fins de licenciamento as terras indígena e quilombolas que estiverem homologadas e tituladas. 

Conforme levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) e do Observatório da Mineração isso deixaria desprotegidas 32% das terras indígenas e 92% dos territórios quilombolas do Brasil. 

O PL visa isentar os empreendimentos de licença e de estudos de impacto ambiental, beneficiando as empresas, mas socializando com o Estado os prejuízos ambientais, sociais e para a saúde decorrentes.

Aprovado na Câmara Federal em 2021, o texto é de interesse de dois dos lobbies poderosos do Congresso, o ruralista e o da indústria. O projeto anistia multa, anistia crimes ambientais passados e permite fazer a correção por adesão e compromisso. 

Nota técnica

Diante da ameaça contida em sua tramitação, o ISA e o Observatório do Clima divulgaram nota técnica conjunta analisando o PL (leia aqui). 

Conforme a nota, o PL da forma em que ele está como “tem um conjunto de inconsistências e inconstitucionalidades tão grande que será objeto de judicialização em massa — atravancando justamente o que ela se propõe a agilizar”, explicam as instituições autoras da nota. 

A boa notícia, aponta o documento, é que o projeto tem conserto: os próprios senadores já propuseram emendas que “amenizam problemas ou eliminam trechos inconstitucionais, bastando que a Casa as adote em substituição ao texto-base”. 

Mas é preciso enfrentar artigos como o 54, que introduz um elemento inédito no arcabouço do licenciamento ambiental, que é impedir que os bancos sejam punidos por crimes ambientais cometidos por empreendimentos que eles financiam. 

Renovação de licença sem consulta

Há muitos outros artigos considerados altamente danosos ao meio ambiente e seus povos, perigosos no sentido de criar ainda mais destruição e comunidades empobrecidas e miseráveis. 

Por exemplo, os parágrafos 4º e 5º do artigo 7o do PL 2.159 permitem ao empreendedor renovar sua licença vencida sem nenhuma consulta aos órgãos ambientais, apenas preenchendo uma declaração na internet.

“Assim, se a licença de um empreendimento vence antes de as condicionantes da licença serem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém”, diz trecho da nota.

Povos indígenas e quilombolas 

Um dos trechos mais graves do PL 2.159 são os artigos 39 a 42, que tratam das chamadas “autoridades envolvidas”, ou seja, do papel de Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Palmares, Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e ICMBio no licenciamento. 

“O texto afirma que esses órgãos só poderão se manifestar sobre o licenciamento — e mesmo assim sem poder de veto — quando unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e sítios arqueológicos estiverem ou no canteiro de obras ou na sua zona de influência direta, ou seja, no seu entorno imediato”, explica a nota técnica. 

Para as unidades de conservação a situação é ainda pior: além de limitar a análise de impacto ao canteiro de obras (excluindo até as unidades de conservação no entorno do empreendimento), o artigo 58 do PL retira todo poder do ICMBio e dos órgãos ambientais estaduais de barrar obras. 

“Assim, se o Dnit (Departamento Nacional de Estradas e Rodagens) decidir abrir uma estrada no meio do Parque Nacional do Iguaçu, por exemplo, o órgão ambiental não poderá fazer nada senão aceitar uma compensação”, diz trecho da nota.

Isenção e baixo impacto

Conforme a nota técnica, o artigo 8o do PL 2.159 traz uma lista de 13 tipos de empreendimento que estão isentos de licenciamento ambiental. Entre eles, estações de tratamento de esgoto e serviços de “melhoramento” de estruturas já existentes. 

Dois exemplos ilustram as consequências do artigo: “poderia permitir que as barragens do rio Madeira fossem aumentadas e que a BR-319 (Porto Velho-Manaus), que corta a região mais preservada do bioma, fosse asfaltada, uma vez que o Dnit considera que a rodovia, que já teve asfalto no passado, seria apenas repavimentada”.

Seguindo adiante, a lei diz que o licenciamento ambiental é necessário para empreendimentos com potencial de impacto ambiental, sendo menos rigoroso para obras de baixo impacto. O ISA e o Observatório do Clima perguntam: quem define o que é “baixo impacto”?

Agro sem licença 

O artigo 9o do PL dispensa de licenciamento atividades de agricultura e pecuária extensiva, inclusive em potenciais terras griladas.

No texto, se fala em isenção para propriedades com Cadastro Ambiental Rural (CAR) “com pendência de homologação”. Ocorre que o CAR é autodeclaratório, vale o que o fazendeiro disser que é dele, mesmo que não seja.

“A isenção contrária a três julgamentos do STF, que determinaram a inconstitucionalidade de normas que davam passe livre ao agro”, diz trecho da nota.

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