Ministério do Futuro: Um drible na distopia climática

Ficção científica concebe uma reação global no limiar do colapso. Lançado em 2020, no livro Lula retorna ao poder, abandona o petróleo e se volta à proteção da Amazônia. Seria um Ministério dos Índios, com Krenak à frente, a semente da profecia?

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Por Bernardo Gutiérrez para o CTXT  | Tradução: Maurício Ayer

Depois de uma onda de calor brutal que deixa dezenas de milhares de mortos na Índia, o novo partido Avasthana começa a definhar. Avasthana, que significa “sobrevivência” em sânscrito, toma o poder e implementa políticas agressivas para defender o país das mudanças climáticas. O governo indiano toma medidas radicais, como bombardear o céu com produtos químicos de pequenos aviões para produzir chuva artificialmente. Por sua vez, a organização Os Filhos de Kali faz justiça com as próprias mãos: comete atos terroristas contra os grandes responsáveis ​​pelo aquecimento global. Em 2025, o desvio indiano força o nascimento de uma organização internacional, o Ministério do Futuro, para tentar evitar o iminente colapso planetário.

A novela O Ministério do Futuro, do americano Kim Stanley Robinson, transitando entre ficção científica, ensaios e ficção utópica, abre um horizonte de ações possíveis como poucos. Publicado em 2020, antecipou a pandemia, a seca devastadora do verão passado e alguns dos problemas que assolam o planeta. “Há uma centena de pessoas no mundo que, se você as julgar pela perspectiva do futuro, são genocidas”, diz o narrador. Stanley Robinson, amalgamando imaginação e conhecimento científico, oferece algumas soluções concretas, como intervir no deslocamento de geleiras no Ártico para devolver o gelo à sua base com mecanismos sofisticados. A grande aposta da Ministra do Futuro Mary Murphy, ex-ministra das Relações Exteriores da Irlanda é a criação de uma criptomoeda chamada carboncoin, cujo valor equivale a uma quantidade de dióxido de carbono não emitida para a atmosfera. Quem deixa de emitir CO2, acumula riqueza. No romance, a jornada rumo a esse futuro em que a sustentabilidade orienta o mercado financeiro não é um mar de rosas. Refugiados climáticos invadem a Europa. As multinacionais estão relutantes em mudar seu método de produção. Murphy descobre que seu número dois ativou uma espécie de terrorismo de Estado em seu próprio ministério para punir os grandes poluidores. Apesar da suspeita inicial dos principais bancos centrais do mundo, Mary Murphy consegue fazer da carboncoin uma das principais moedas do mundo. O planeta está salvo.

O Ministério da Transição Ecológica e o Desafio Demográfico Espanhol, comparado ao Ministério do Futuro, parece um brinquedo inofensivo. O Acordo de Paris, que está longe de cumprir seus objetivos, também.

Da receita sueca ao plano Lula

O mais próximo que já existiu de um Ministério do Futuro foi o Ministério de Desenvolvimento Estratégico e Cooperação Nórdica da Suécia. Nas mãos de Kristina Persson, chamada de ministra do futuro, durou apenas catorze meses (de fevereiro de 2015 a abril de 2016). Sob o lema Missão: O Futuro, o ministério sueco tentou lançar propostas de longo prazo. Sob a responsabilidade do ministério, como destacou o guru tecnológico Marc Vidal em texto entusiasta, estava “o desenho de respostas estratégicas às tensões econômicas e sociais ligadas aos avanços tecnológicos, à globalização, à emergência de uma sociedade que não precisa trabalhar para viver ou como integrar a ética do desenvolvimento no modo de vida escandinavo” . Vidal recomenda a incorporação de um Ministério do Futuro a qualquer executivo para enfrentar um “futuro líquido, flexível e mutável como o que nos espera”. Sua receita: o Ministério do Futuro deve ter secretarias de Estado do mais alto nível, liderar pesquisas baseadas em evidências e coordenar o planejamento de cenários transversais a outros ministérios.

A pandemia alterou o presente. O otimismo inicial dos tempos de confinamento ficou para trás. O pós-pandemia afastou os futuros sustentáveis. Ele antecipou futuros distópicos. Desequilíbrios climáticos assolam o planeta. A desigualdade aumenta. Os refugiados climáticos já são uma realidade. Altos funcionários europeus, como Josep Borrell, afirmando que a Europa é um jardim e o resto do mundo uma selva, põem em evidência o colonialismo mais grosseiro. A Amazônia desaparece devorada por garimpeiros, pecuaristas e multinacionais de soja transgênica. As grandes potências, em vez de buscar soluções, estão focadas em uma guerra absurda contra a Rússia. A ordem global explodiu. Inflação. Escassez de alimentos. Existe uma saída para o crescente caos e colapso?

Em O Ministério do Futuro, Stanley Robinson consegue traçar horizontes, soluções, mundos. As carboncoins provocam a quase extinção das viagens de avião. Tatiana, uma alta diplomata do ministério, está focada em criar uma nova religião na Terra na qual todos os habitantes sejam família e irmãos universais. Uma das profecias do livro é a volta de Lula ao Governo do Brasil. A esquerda lulista impulsiona um novo movimento chamado Brasil Limpo que abandona a exportação de petróleo e se compromete com a proteção da Amazônia. “Os grupos indígenas da Amazônia que contribuíram durante séculos para a floresta tropical neutralizar o dióxido de carbono” são compensados ​​com enormes quantidades de carboncoins.

Há alguns meses, Lula, que pode voltar a ser presidente do Brasil nos próximos dias, prometeu criar um ministério dos povos indígenas. E é neste ponto que a ficção do Ministério do Futuro e a realidade mundial podem apertar as mãos mais rapidamente. Nada mais parecido com um Ministério do Futuro do que um possível ministério indígena brasileiro. O futuro, excessivamente associado a inovações tecnológicas e gadgets, pode ser muito diferente de como a humanidade o imaginou. O futuro pode ter a ver com tecnologias e conhecimentos ancestrais. Com formas sustentáveis ​​de habitar o planeta. Com visões de mundo não produtivistas. Com outra relação com o restante das espécies vegetais e animais.

Se há candidato a ministro dos Povos Indígenas no governo Lula, é ninguém menos que Ailton Krenak. Transformado em um best-seller graças a títulos como Ideias para adiar o fim do mundo, Krenak nos encoraja a manter “nossas subjetividades, nossas visões, nossa poética de existência”. E acusa uma certa humanidade zumbi de ser incapaz de dançar, de cantar, de experimentar o prazer de estar vivo. “Eles proclamam o fim do mundo para que desistamos de nossos próprios sonhos”, escreve ele. A provocação de Krenak sobre adiar o fim do mundo tem a ver com sempre poder contar outra história: “É uma espécie de tai chi. Quando você sentir que o céu está muito baixo, basta empurrá-lo e respirar”. Então vem uma história de outro futuro. De outro mundo, como aquele invocado por Stanley Robinson, em que “ter petróleo torna-se uma maldição da qual deve-se libertar através de exorcismo”.

Depois de uma onda de calor brutal que deixa dezenas de milhares de mortos na Índia, o novo partido Avasthana começa a definhar. Avasthana, que significa “sobrevivência” em sânscrito, toma o poder e implementa políticas agressivas para defender o país das mudanças climáticas. O governo indiano…

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