Uma carta a Lula para a soberania digital

Dezenas de entidades escrevem ao presidente: ele está certo em defender o país e livrá-lo do domínio das big techs. Mas enfrenta três problemas cruciais. Quais são eles? Por que só serão sanados na mobilização da inteligência nacional e diálogo com a sociedade?

Foto: WILTON JUNIOR
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Neste no site, qualquer pessoa ou organização pode assinar e apoiar a causa.

Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

O Brasil está sob ataque. E não se trata apenas de ataques às instituições. Atacam a infância e a saúde mental coletiva. Atacam a cultura e a ciência. Atacam camponeses, trabalhadoras e trabalhadores do transporte, do cuidado e da produção cultural. 

Estamos falando do domínio brutal e predatório das Big Techs — um conglomerado global que avança sobre os territórios, os dados, os afetos e a democracia. Uma nova indústria que opera sem transparência, sem regulação e sem qualquer compromisso com o bem comum ou com o povo brasileiro. O que antes se vendia como inovação e empreendedorismo, hoje se revela como projeto de dominação, manipulação e concentração de capital e de poder.

Foi em resposta a esse cenário que nos dias 8 e 9 de julho de 2025 realizamos em Brasília o Encontro Nacional Soberania Já!. Uma articulação inédita, que reuniu movimentos sociais, coletivos digitais, lideranças comunitárias, sindicais, parlamentares, pesquisadoras, artistas, universidades e representantes de todas as regiões do país. Um encontro que simbolizou a confluência de diversas lutas e saberes em torno de uma pauta comum, no qual consolidamos a Rede Nacional pela Soberania Digital.

Durante esse processo de escuta e articulação, ficou evidente que existe sim, esforço do governo federal em buscar a soberania digital do Brasil, mas esse esforço está seriamente prejudicado por três problemas principais:

  1. A fragmentação do tema na Esplanada dos Ministérios e no Congresso Nacional, que impede uma estratégia unificada e efetiva para um assunto complexo e transversal;
  2. A falta de uma melhor articulação desse tema com a sociedade civil e movimentos sociais, que historicamente acumularam conhecimento e experiências neste campo;
  3. As mentiras que estão sendo contadas pelas Big Techs, que se dizem comprometidas com a soberania, mas na prática sabotam qualquer avanço real.

A mentira da soberania enlatada!

O caso mais grave é o sequestro das Empresas Públicas de Tecnologia, como SERPRO, DATAPREV e outras organizações governamentais, como a RNP. Esses órgãos, que deveriam ser motores da autonomia tecnológica brasileira, hoje operam como barriga de aluguel das Big Techs, instaladas em território nacional. Pior ainda, ao abrir mão de sua soberania, lançam tendências para governos estaduais e municipais.

É uma soberania de mentira, pois entregam de mão beijada nossos dados estratégicos ao Cloud Act dos Estados Unidos — uma legislação que permite ao governo norte-americano acesso irrestrito a qualquer dado armazenado por empresas estadunidenses, em qualquer lugar do mundo, evidenciando vulnerabilidades às quais nossas infraestruturas públicas estão expostas, podendo ser gravemente prejudicadas ao clicar de um botão, colocando em risco a segurança nacional.

Essa falsa soberania está sendo vendida pelas big techs, que se aproveitam de normas estabelecidas nos governos golpistas, que proíbem universidades e órgãos públicos de adquirir infraestrutura própria, forçando-os a contratar serviços estrangeiros em nuvem. Isso impede o fortalecimento da infraestrutura nacional, acelera a dependência digital e cria vulnerabilidades geopolíticas graves.

Não por acaso, nos últimos 12 meses, o Estado Brasileiro gastou mais de 10 bilhões de reais com as Big Techs — em contratos de software, infraestrutura e serviços. Recursos públicos que poderiam estar financiando centros de dados públicos, formação de quadros técnicos, softwares livres e plataformas colaborativas.

Colaboração de baixo pra cima

É diante deste cenário que solicitamos uma audiência com Vossa Excelência, para formação de uma Força Tarefa de Políticas Digitais Colaborativas com a missão de formular respostas de curto, médio e longo prazo, conformando um Plano Nacional para Soberania Digital que possa potencializar e compartilhar as evidências, propostas e soluções construídas coletivamente por essa rede viva, criativa e comprometida com o futuro do Brasil.

Queremos construir juntas e juntos. Mas para isso, precisamos falar a verdade: a soberania digital do Brasil está sendo desmontada, e está sendo vendida como inovação. Nós não aceitamos isso. E estamos prontos para ajudar a construir outro caminho.

É preciso olhar para a sociedade civil organizada, coletivos, territórios, comunidades e universidades para perceber que há exemplos de uso do saber inclusivo e democrático que pode ser o ponto de partida para construir um futuro soberano.

Com urgência, coragem e esperança,

Rede pela Soberania Digital

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