Por que os EUA temem o TikTok?

Washington planeja banir ou forçar a venda da rede social chinesa, hoje a mais valiosa do mundo. Diz ser risco à segurança nacional. Mas há outro temor: sua organicidade capaz de superar as Big Techs na influência dos principais debates contemporâneos

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A livre concorrência como algo natural ao mercado é uma falácia metafísica liberal. A história do capitalismo, na verdade, é a história do protecionismo. Da espionagem industrial. Da engenharia reversa. Do roubo de patentes. Das sanções e bloqueios comerciais. Do monopólio e da concentração produtiva. Da guerra. Da exploração. Da manipulação política e do monopólio. O capitalismo monopolista, dizia Lenin, possibilitou o surgimento de uma política colonial caracterizada pela partilha do mundo e guerras imperialistas renhidas.

A ficção ideológica do livre mercado foi mais uma vez desnudada com a recente tentativa do governo dos EUA em obrigar, judicialmente, a ByteDance vender o TikTok para o capital estadunidense. A Câmara dos EUA aprovou um projeto de lei que força essa venda. O texto seguiu para a avaliação do Senado e pode ser sancionado em breve. Joe Biden afirmou que pretende ratificar a lei se ela for aprovada. O assessor de segurança do presidente, Jack Sullivan, declarou: “Queremos que o TikTok, como plataforma, seja de propriedade de uma empresa norte-americana ou da China?”

A justificativa é que a rede social representaria uma ameaça à segurança nacional. Ela é acusada de transferir os dados de seus usuários para o Partido Comunista Chinês. O que, até agora, não passa de especulação. Outro argumento é o de que o aplicativo pode influenciar o debate político, modificando os “resultados naturais das eleições” ou ampliando a visibilidade de ideias que contrariam os interesses de Estado. Dados recentes da Axios Trends Media mostram como vídeos favoráveis à Palestina são mais vistos na plataforma do que os de apoio a Israel. Um desafio aos esforços da poderosa máquina de propaganda estadunidense em criar consenso sobre o conflito.

A dificuldade de controlar a circulação dos conteúdos políticos, ao contrário do que acontece com o Facebook, YouTube e Instagram, não é o único motivo para o governo dos EUA barrar a rede chinesa. O TikTok se tornou em 2023 a marca de rede social mais valiosa do mundo, desbancando o Facebook. Segundo a Forbes, a empresa de Mark Zuckerberg perdeu 42% de valor em 2022, enquanto a rival chinesa cresceu 11,4% no mesmo período. Pela primeira vez uma empresa de fora dos EUA desafia a hegemonia do país nessa área da comunicação.

O TikTok é a rede mais utilizada pela Geração Z, superando até mesmo os serviços de streaming. Seu uso vem alterando os hábitos na internet. Os jovens, nascidos entre 1995 e 2010, preferem fazer pesquisas no TikTok do que no Google. O número chega a 60%, segundo dados divulgados pela Adobe. Uma mudança que seria inimaginável há pouco tempo.

A Geração Z acha mais orgânica as informações do TikTok, geralmente compartilhadas a partir de experiências individuais, sem os filtros e anúncios pagos que são comuns à primeira página do Google. O formato em vídeo também é mais apelativo do que o texto. A força entre os mais jovens fez com que Joe Biden, contrariando o próprio discurso, apostasse numa campanha massiva na rede. Vários vídeos dele e da vice Kamala Harris podem ser assistidos no TikTok. Ao ser questionada pela correspondente da ABC News no Congresso, Harris disse: “Não pretendemos banir o TikTok”(…) “Precisamos lidar com o proprietário e temos preocupações de segurança nacional sobre o proprietário do TikTok, mas não temos intenção de banir o TikTok.”

A organicidade da plataforma chinesa é um de seus pontos altos. Ela entrega melhor os conteúdos criados. Um usuário sem seguidores é capaz de viralizar um vídeo, alcançando milhões de pessoas desconhecidas, sem precisar pagar nada por isso. Um fenômeno cada vez mais raro em plataformas como o Instagram, que tem a política de estimular o consumo de tráfego pago.

O TikTok vem pautando as outras redes, que passaram a imitar o formato dos vídeos curtos, como foi o caso do Youtube que adotou o Shorts, e o Instagram o Reels. Curioso é que a estética dos vídeos tendem a surgir antes no TikTok e, só depois, são assimiladas pelas redes concorrentes. O mesmo vale para algumas trends e músicas que primeiro se tornam virais na plataforma chinesa. O conteúdo do TikTok tem mais facilidade de circular internacionalmente. Luva de Pedreiro e o africano Khaby Lame são bons exemplo de como a rede é capaz de criar celebridades mundiais.

Arrisco a dizer que, nos últimos cinco anos, praticamente todas as novas celebridades da internet surgiram no TikTok. Um fenômeno interessante é a criação de trends mundiais. Por exemplo, durante a Copa do Mundo de 2022, milhares de pessoas ao redor do planeta dançavam músicas brasileiras com passinhos que imitavam as comemorações dos nossos jogadores. No último Natal, uma trend com a versão funk da música Jingle Bell se tornou viral entre os gringos. Nos últimos dias, brasileiros e tailandeses estão fazendo vídeos que enfatizam as semelhanças entre a música paraense do Calypso e ritmos do país asiático. Um intercâmbio cultural bastante improvável de ocorrer nas outras redes.

É fantástico como o TikTok aumentou o interesse da Geração Z no cinema brasileiro. Existem vários perfis dedicados à nossa cinegrafia, que promovem os filmes através de pequenos cortes de cenas. Os edits, como são conhecidos, têm elevado a procura pelas obras e artistas nacionais. O diretor Daniel Rezende, em entrevista ao Jornal O Globo, disse que ficou espantado com os milhões de visualizações que os edits do seu filme Bingo, que conta a história do Palhaço Bozo no Brasil, receberam no TikTok e no X: “Provavelmente, mais pessoas assistiram a ‘Bingo’ nas últimas duas semanas do que em toda carreira no cinema e no streaming”.

Tem mais: a minissérie Hilda Furacão produzida pela Rede Globo, em 1998, se tornou um fenômeno mundial no TikTok, graças aos edits. Com isso Rodrigo Santoro e Ana Paula Arósio, os protagonistas da série, amealharam milhões de novos fãs. Aproveitando essa onda, a editora que detém os direitos da obra do escrito Roberto Drummond anunciou que vai relançar o livro que inspirou a série televisiva.

O TikTok está influenciando maciçamente a indústria fonográfica. Ele vem aumentando o alcance das músicas lançadas, criando novos hits com suas trends, trazendo à tona sucessos do passado, interferindo no formato, na duração das canções e revelando novos artistas. No Brasil, nomes como o pernambucano João Gomes e a mineira Marina Sena, tiveram suas carreiras alavancadas graças à plataforma.

A rede chinesa atua em diversas frentes. Até a gigante do varejo virtual, Amazon, vem sentido os seus efeitos nos EUA, desde a criação do TikTok Shop – que ainda não chegou ao Brasil. Com seus 150 milhões de usuários e algoritmos poderosos que potencializam a capacidade de direcionar os anúncios de forma mais precisa, o TikTok vem se apresentando como uma forte concorrente da empresa de Jeff Bezos, junto com a também chinesa Temu. Em alguns casos, os frequentadores da rede podem trocar produtos pela criação de vídeos promocionais.

Dessa maneira, é fácil entender por que os EUA temem o TikTok e querem tirá-lo do controle da ByteDance.

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Um comentario para "Por que os EUA temem o TikTok?"

  1. Erick disse:

    Uma pequena correção: Khaby Lame é italiano com ascendência senegalesa. Destaco pois o próprio já reforçou algumas vezes.

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