"Rendam-se, ou vocês acabaram"

A Grécia tem hoje a chance de dizer “não”. O medo é força poderosa, mas dignidade e independência podem voltar, prestigiadas, ao centro do palco

150705-Grécia

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Por James Galbraith | Tradução: Vila Vudu

Neste domingo, a Grécia faz um referendo de cujo resultado dependem o futuro do país e de seu governo eleito. Estará na balança, também, o destino do euro e da União Europeia. Pela escrita de hoje, a Grécia não pagou ao FMI parcela já vencida; as negociações foram interrompidas, e os “grandes e bons” estão dando por descartado o governo grego e pregando um voto “Sim”, que aceite os termos dos credores para o que dizem ser “reforma”, para “salvar o euro”. Em todos esses juízos, eles estão – e não é a primeira vez – errados.

Para compreender essa luta amarga, é importante que, antes, nos demos conta de que os líderes europeus hoje são gente rasa, enclausurados, preocupados com a política local de cada um e mal preparados moralmente ou intelectualmente, para lidar com um problema continental. É verdade sobre Angela Merkel na Alemanha, sobre François Hollande na França, e é verdade também sobre Christine Lagarde no FMI. Especialmente no Norte da Europa, os líderes não sentiram a crise e nada sabem de economia. Nesses dois campos são o perfeito oposto dos gregos.

Para os norte-europeus, os profissionais nas “instituições” definem os termos, e só há uma atitude pensável: aceitar. A negociação que houve foi sempre do mesmo tipo: mais e mais concessões do lado grego. Qualquer adiamento, qualquer objeção, só podia ser interpretado como má intenção. As intenções adversas são normais, é claro: os políticos esperam encontra-las. Mas aos ministros das Finanças europeus, jamais ocorreu a ideia de que seu colega grego, Yanis Varoufakis não seja movido por alguma intenção inconfessável. Quando Varoufakis não parou nem cedeu, a resposta dos “grandes e bons” foram ofensas e assassinato de reputação.

Ao contrário do que pretendem comentários mal informados, o governo grego sempre soube, desde o início, que enfrentava furiosa hostilidade de Espanha, Portugal e Irlanda; desconfiança profunda da esquerda mainstream na França e na Itália; obstrução implacável da Alemanha e do FMI; e disposição para desestabilizá-lo, do Banco Central Europeu. Mas por muito tempo, esses pontos não foram visíveis internamente. Havia gente influente, muito próxima de Tsipras, que não acreditava nisso. Outros imaginavam que, ao final, a Grécia teria de se conformar com o que conseguisse arrancar. Então, Tsipras adotou uma política de ceder terreno. Deixou que os negociadores intermediários negociassem. E quando voltaram com concessão e mais concessão, ele acedeu e concordou.

Em resumo, o governo grego descobriu que tinha de ceder às demandas dos credores por superávit primário vasto e permanente. Foi um golpe duro; significava aceitar o arrocho que o governo havia sido eleito para rejeitar. Mas os gregos insistiram no direito de determinar a modalidade do arrocho — e sua modalidade seria principalmente aumentar impostos sobre os gregos mais ricos e sobre lucros das empresas. Pelo menos, a proposta protegia os aposentados mais pobres contra cortes ainda mais devastadores. E não cederam em direitos trabalhistas fundamentais.

Os credores rejeitaram também isso. Insistiram no arrocho e também em determinar a precisa forma desse arrocho. Foi quando deixaram claro que não tratariam a Grécia como haviam tratado qualquer outro país europeu. Os credores lançaram sobre a mesa uma proposta tipo “pegar ou largar”, que sabiam que Tsipras não poderia aceitar. De um modo ou de outro, Tsipras estava sobre a linha de alvo. Decidiu correr seus riscos, num referendo.

A reação furiosa e destemperada dos líderes europeus não foi, provavelmente, inteiramente falsa. Talvez ainda não se tivessem dado conta de que enfrentavam coisa que não se vê na Europa já há alguns anos: um líder político.

Alexis Tsipras está no cenário internacional há poucos meses, apenas. Não é refinado, mas é sedutor. É natural que gente tão limitada, como são os atuais líderes europeus, não perceba que Tsipras, como Varoufakis, queria dizer e dizia, sem simulação, exatamente o que todos ouviam.

Diante da decisão de Tsipras de convocar um referendo, Merkel e seu vice-chanceler Sigmar Gabriel, Hollande na França e David Cameron na Grã-Bretanha – e, para sua própria vergonha, também Matteo Renzi da Itália – todos enviaram mensagens ao povo grego, dizendo que estava em jogo a permanência da Grécia na zona do euro. O presidente da Comissão Europeia foi ainda mais longe: disse que seria votação para decidir a permanência dos gregos como membros da União Europeia. Foi ameaça orquestrada: rendam-se ou vocês acabaram.

A verdade é que nem o euro nem a eurozona estão em questão, no referendo: o que está em votação é o que responder aos credores. A ameaça de expulsar a Grécia é blefe óbvio. Não há meio legal para alguém ejetar um país para fora da eurozona ou da União Europeia. O referendo é de fato, e obviamente, sobre o governo eleito na Grécia. Os líderes europeus sabem disso. E estão tentando garantir que Tsipras caia.

O que Tsipras ganha com a vitória do voto “não”? Além de sobrevida política, só uma coisa: esse é o meio que ele tem para provar, de uma vez por todas, que absolutamente não pode ceder às condições que estão sendo impostas. O ônus, pois, volta a recair sobre os credores. Se escolherem destruir um país europeu, terão cometido um crime, e todos verão.

Isso posto, não há garantia alguma de que Tsipras vença neste domingo. Nas eleições de janeiro, seu partido obteve 40% dos votos; agora, precisa alcançar a maioria. Há medo e confusão por todos os lados. Os gregos estão votando, de fato, para escolher entre dois futuros desconhecidos — o que não pode oferecer garantia para ninguém, de lado algum.

Se os gregos votarem “Não”, há óbvia incerteza sobre o futuro econômico. Talvez os bancos continuem fechados, os depósitos se percam e os credores levemadiante suas ameaças. A incerteza é ampliada, inevitavelmente, pelo fato de que o governo não pode fazer campanha a favor de permanecer no euro e ao mesmo tempo explicar como enfrentará o trauma de ser forçado a sair. Se há providências preparadas, é segredo até agora muito bem guardado.

Por outro lado, se os gregos votarem “Sim”, a incerteza será política. A coalizão Syriza pode rachar e seu governo, cair. Então, o que acontecerá? Não há governo alternativo com credibilidade na Grécia. Acima de tudo, é difícil acreditar que algum governo (no sentido de qualquer governo, seja qual for) formado para aceitar a rendição e aprofundar a depressão durará muito tempo.

Parece certo que depois de um eventual “Sim” — uma rendição e depressão ainda mais profunda –, a oposição oficial deixará de ser feita pela esquerda pró-Europa que está hoje no governo da Grécia. Essa oposição terá sido destruída pela Europa. A nova oposição, e algum dia o governo, será ou um partido de esquerda ou um partido de direita que se oporá ao euro e à União Monetária. Pode ser a Aurora Dourada, o partido neonazista. A lição da Grécia ecoará sobre oposições em outros pontos do mundo, inclusive na extrema direita em ascensão na França.

A ironia do caso é que a verdadeira esperança – a única esperança – para a Europa está numa vitória do “Não” no domingo, seguida de novas negociações e um melhor acordo. O “Sim” é vitória do medo, contra a dignidade e a independência. O medo é força poderosa – mas dignidade e independência podem voltar, prestigiadas, ao centro do palco.

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4 comentários para ""Rendam-se, ou vocês acabaram""

  1. Norbert Fenzl disse:

    Provavelmente muitos não percebem a enorme importancia global da vitoria do NÃO na Grecia. Pela primeira vez um povo vota por um dos aspectos cruciais do capitalismo do seculo 21. A contradicao fundamental entre o capital financeiro e as economias nacionais. O Neoliberalismo contra a economia social. O enforcamento dos estados nacionais pelo capital financeiro global atraves de medidas de austeridade que conhecemos perfeitamente aqui. O povo grego não votou a favor ou contra um partido politico, senao o voto era fundamentalmente economico…
    Imaginem se no Brasil o povo iria para as ruas para protestar contra as medidas de austeridade impostas pelo capital financeiro e aplicadas por uma casta politica incompetente e/ou corrupta… em vez de gritar fora Dilma…

  2. Romero disse:

    Mas parabéns pelo artigo!

  3. Romero disse:

    Agora diga: acabarão(futuro), não é acabaram(passado), é triste o desconhecimento da lígua portuguesa

  4. Pedro Augusto Pinho disse:

    AS ALTAS FINANÇAS
    Pessoas com boa formação intelectual e facilidade de acesso às informações se retraem quando o assunto é a economia. Este é o desejo dos que manipulam as finanças. O capital financeiro não deseja que suas ações sejam conhecidas, desvendadas pois provocaria uma enorme repulsa na sociedade.
    Uma das maiores autoridades em Dívida Pública, com renome internacional, é a brasileira Maria Lucia Fattorelli, que foi Auditora da Receita Federal e, hoje, coordena a Auditoria Cidadã da Dívida, com atuação em diversos países.
    A convite do Parlamento Grego analisou a situação da Grécia e relatou um fato surpreendente. Aquele país nada recebeu para ter que pagar. Tentarei explicar.
    O sistema financeiro, neste caso analisado pela Doutora Fattorelli restrito aos bancos e instituições europeias, ficaram com um mar de títulos impagáveis, papeis podres, na crise de 2008. Pressionaram os Governos Nacionais a dar uma solução, evitando a quebradeira geral que ocorreria. Foi então criado em Luxemburgo uma empresa que emitiria novos títulos lastreados pelo títulos podres e que seriam usados para “garantir a estabilidade fiscal”. Na verdade eles serviam apenas para o resgate de bancos privados com o risco de toda Europa. Mas adiante descreveremos a origem deste títulos.
    A dívida grega foi constituída pelo repasse destes títulos, com aval da chamada troika: FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Embora todo o empréstimo desses papéis podres apenas tenham servido para maquiar as contas bancárias. Nenhum dinheiro entrou na Grécia, mas os governos coniventes assumiram estes papéis como dívida, ou seja, para pagar o capital nominal, os juros e todos os encargos desta transação.
    Não espanta, assim, que o povo grego haja dado um sonoro não à pressão dos órgãos financeiros responsáveis pelo estado de empobrecimento do país.
    Nos anos 1990, com a liberação de controles financeiros, inclusive quanto a origem dos capitais, havia no mundo mais dinheiro do que ativos para aplicá-los. Os programas de privatização foram uma solução para aplicar em ativos reais, mas estas privatizações, quer pelos custos sociais quer pelo esgotamento de bens para privatizar, logo foram encerradas ou não tiveram como absorver o capital existente. Começou-se então a engenharia econômica que se resumia em misturar alguns poucos ativos sólidos com dívidas impagáveis. Isto ficou claro com as crises do final dos anos 1990 e, sobretudo, com as de 2002 e 2005. Mas acreditava-se que estes títulos podres fossem saindo, paulatinamente, do mercado. A voragem e a irresponsabilidade falaram mais alto e deu-se a crise, em parte forjada para envolver o Estado norte-americano, de setembro de 2008. Mas o pior é que os capitais financeiros, misturando políticas regionais e ideologias, fizeram dos estados nacionais, que já contribuíam com as desregulamentações, cúmplices em saídas que violavam as próprias leis.
    A criação da sociedade anônima chamada Facilidade para Estabilidade Financeira Europeia (EFSF), em 2010, em Luxemburgo, para escapar de normas do Direito Internacional, passou a agir, coordenada efetivamente pela Agência de Gestão da Dívida Alemã. Todas estas informações estão registradas em sites de órgãos econômicos europeus. É a EFSF a grande “credora” da Grécia. Não temos ainda dados para afirmar, mas o modo de operação idêntico nos faz crer que Portugal, Espanha, Irlanda e vários outros devedores europeus estejam sendo usados para salvar as irresponsabilidades de agentes financeiros e seus governantes coniventes. A Auditoria jamais realizada da dívida brasileira revelaria certamente algo muito parecido em nosso País. O Equador pediu ajuda a Auditores Internacionais Independentes e reduziu drasticamente seu débito financeiro.
    Certamente o leitor está perguntando. Por que não se divulga isso? Ora meu prezado, qual imprensa dispensaria os anúncios de bancos, financeiras, governos cúmplices para relatar este verdadeiro crime? E que órgão de imprensa dispensaria um financiamento proveitoso para expandir seus negócios? E ainda mais, onde os magnatas da imprensa colocariam seus ganhos “por fora” em total garantia? Dá para entender?
    O exemplo grego, se for seguido, provocará um desmanche no sistema artificial que nestes últimos 25 anos apenas concentrou ainda mais a renda de grupos e pessoas.

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