“O homem elefante”, teatro da crueldade e da compaixão
Peça que relembra shows de aberrações para proletários, sugere: há vida inteligente por trás do grotesco cultural e político
Publicado 23/09/2016 às 14:43
Peça em cartaz em SP relembra shows de aberrações para proletários, no século XIX e sugere que há vida inteligente e sensível, por trás do grotesco cultural e político
Por Wagner Correa de Araujo
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O Homem Elefante
Quinta, sexta, sábado e segunda, às 21h, domingo, às 20h
Centro Compartilhado de Criação – CCC – Rua James Holland, 57, Barra Funda, São Paulo. – Fone: 11- 3392.7485
Duração: 100 min
Classificação: 16 anos
Ingressos a 20 e 10 reais
Capacidade: 60 lugares
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A Cia Aberta, em seus três anos de atuação na cena carioca, vem se destacando pelo inusitado de suas propostas, em montagens teatrais que conduzem ao questionamento filosófico, como na abordagem estética da solidão em Farnese da Saudade e da dor existencial em Vermelho Amargo.
A Cia está, agora, de volta com sua investigativa leitura de O Homem Elefante, inspirada no tríptico – a peça de Bernard Pomerance, o filme de David Lynch e o livro de Frederick Treves.
O tema original se apoia na veracidade da existência de um ser disforme, John Merrick, na segunda metade do século XIX, transformado em atração dos “freak shows”, exibicionismo de aberrações para as classes proletárias da Londres vitoriana.
Acometido por uma estranha doença genética, tornou-se um paradigma da bizarrice da imagem humana, provocando o deboche e o riso cruel das audiências, até ser resgatado pela piedade de um médico, para estudos de anatomia em um hospital.
Nesta trajetória de análise clínica, o “homem elefante”, num processo de auto descobrimento e de revelação da sensibilidade, descobre, além da terrífica imagem, que é afinal um ser humano capaz, inclusive, de se apaixonar.
A proposta da direção de Cibele Forjaz, ao lado de Wagner Antônio, se apoia no dinamismo cênico com uma sutil e indagativa referência ao “Grand Guignol”, teatro francês de exploração do horror naturalista.
Desde uma claustrofóbica ante-sala do teatro onde o público é incitado, pela astuciosa envolvência do condutor Ross (Daniel Carvalho Faria), a ingressar nesse recinto de medo e pesadelo, quando a cortina vermelha subir, até o aparecimento do carismático protagonista o homem elefante (Vandré Silveira).
Na ação dividida entre dois palcos – do submundo ao hospitalar, enriquecida pelo convincente tom de recato do doutor Treves (Davi de Carvalho) e da intensidade emotiva da senhora Kendall (Regina França), uma apurada adequação cenográfica (Aurora dos Campos) e a ambientalista iluminação de Wagner Antônio.
Para o público, ao final, caberia uma reflexiva constatação:
se não ficássemos presos aos padrões culturais das aparências, poderíamos, talvez, sentir que a angústia por trás das deformidades humanas é mais digna, parodiando Shakespeare, do que “um indivíduo que pode sorrir, sorrir, e ser um vilão”.