O grande desafio de Miguel Nicolelis

Experimento que conectará cérebro de paraplégicos a exoesqueletos atrai atenção do mundo científico. Mas integração mente-máquinas enfrenta obstáculos cruciais

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Experimento que conectará cérebro de paraplégicos a esqueletos externos atrai atenção do mundo científico. Mas integração mente-máquinas ainda enfrenta obstáculos cruciais

Por Lia Imanishi, no Retrato do Brasilparceiro de Outras Palavras

Miguel Nicolelis tem 52 anos, é médico com doutorado pela Universidade de São Paulo, pós-doutorado no Hospital Universitário Hahnemann (EUA) e há duas décadas é professor na Universidade Duke (EUA), onde lidera um grupo de pesquisadores da área de neurociência. Ele também leciona no Instituto Cérebro e Mente, da Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça), e é presidente do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (IINN–ELS), idealizado por ele. O êxito de suas experiências na captação de sinais cerebrais de primatas e roedores para o comando de robôs ou avatares foi relatado nas revistas mais conceituadas do meio científico. No inicio dos anos 2000, foi considerado um dos 20 maiores cientistas do mundo pela revista Scientific American e foi o primeiro cientista brasileiro a ser capa da Science.

O trabalho de Nicolelis é criar interfaces cérebro-máquina, ou seja, máquinas diversas controladas pelo pensamento, que servem para restaurar movimentos de pacientes vítimas de lesões na medula espinhal ou moléstias neurodegenerativas. Ele estava todo faceiro no início de março: “Mais uma etapa vencida com sucesso”, postou em sua página no Facebook. Acabavam de desembarcar no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, pesando 70 quilos cada, dois dos três exoesqueletos – esqueletos externos, uma espécie de vestimenta robótica – que serão usados por voluntários com paraplegia no espetáculo que Nicolelis coordenará na abertura da Copa do Mundo, na Arena Corinthians, na capital paulista, minutos antes do jogo entre as seleções brasileira e croata, dia 12 do próximo mês.

“Se tudo der certo, um brasileiro, ou brasileira, jovem adulto, de até 1,70 metro de altura e com até 70 quilos, vai levantar de uma cadeira de rodas, dar 25 passos da linha lateral até o centro do gramado e abrir a Copa do Mundo com um chute da ciência brasileira para toda a humanidade”, disse Nicolelis em entrevista coletiva realizada em maio passado, na sede da Financiadora de Estudos e Pesquisas/Agência Brasileira de Inovação (Finep), do governo federal, no Rio de Janeiro.

Quatro meses antes, a Finep aprovara um financiamento de 33,2 milhões de reais ao projeto Andar de Novo, coordenado pelo neurocientista. O projeto é conduzido por um consórcio internacional sem fins lucrativos, que envolve cerca de 40 cientistas da Universidade de Duke e de universidades dos estados americanos do Colorado, Kentucky e Califórnia, além da Escola Politécnica Federal de Lausanne (Suíça), da Universidade Técnica de Munique (Alemanha) e de instituições científicas francesas.

No Brasil, o projeto é desenvolvido em Natal, no IINN–ELS, e em São Paulo, na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), que selecionou oito voluntários para os testes com os exoesqueletos. Os voluntários já estão treinando com as vestes robóticas e no dia 25 de março Nicolelis postou um vídeo em que se vê uma pessoa da cintura para baixo, andando em uma esteira, vestida com o exoesqueleto. Três voluntários serão escolhidos para o evento da Copa do Mundo, um titular e dois reservas.

Na AACD foi criado, com recursos da Finep, um dos mais completos simuladores de neurorrobótica do mundo. Os testes realizados até março ocorreram como no jogo de simulação de voo Flight Simulator, usado para treinar futuros pilotos de avião. Os voluntários se viam andando na tela de um computador, através de um avatar deles mesmos. Seus sinais cerebrais foram usados para controlar, no ambiente virtual, os movimentos do avatar.

“A nossa teoria é que leva certo tempo para essas ferramentas complexas serem incorporadas pelo nosso cérebro como se fossem extensão do nosso corpo, para ter a sensação de que é natural”, disse Nicolelis ao Portal da Copa 2014. “Temos alguns meses para fazer com que os pacientes sintam que o exoesqueleto é o corpo deles literalmente. Precisamos dar tempo a eles para interagirem com o exoesqueleto. Certo dia, quando o paciente entrar no laboratório, vai falar: ‘Parece que é o meu corpo’. Vai ser como um estalo, porque o cérebro vai ter feito essa transição.”

Ele prossegue: “Nossa intenção não é fazer apenas essa demonstração [na Copa], mas manter toda essa equipe, continuar trabalhando com o governo brasileiro e com os nossos parceiros, para chegar até o objetivo final, que é criar uma veste robusta o suficiente para que qualquer paciente com uma lesão na medula espinhal possa tirar vantagens”, diz Nicolelis. “Não só pacientes com paraplegia, mas também pacientes com tetraplegia, com lesões mais altas e que tenham boa parte do corpo paralisada. O que queremos é usar a abertura da Copa para mostrar para o mundo que nós estamos chegando perto disso.”

Nicolelis é nacionalista. Mandou colocar uma bandeirinha do Brasil no exoesqueleto, cujo modelo batizou de Brasil Santos Dumont.

O Portal da Copa também entrevistou outros cientistas ligados ao projeto. Um deles, Fabrício Brasil, de 33 anos, engenheiro elétrico com mestrado em engenharia mecânica e doutorado em neurociência, contou que trabalha em tempo integral no projeto: “Não tem fim de semana, não tem feriado, Natal, Ano-Novo. Estamos dando o máximo para que tudo aconteça da forma mais tranquila possível. Os dedos estão cruzados, mas o que vale é o trabalho, não é sorte”. Ele é um dos responsáveis pela codificação dos sinais cerebrais no computador.

Os sinais cerebrais são captados através da técnica da eletroencefalografia (EEG), com 32 eletrodos instalados em uma espécie de capacete, que será usado pelo voluntário. Esses sinais serão codificados num computador localizado numa mochila, nas costas do voluntário, e serão transformados em comandos para mover o exoesqueleto. Uma bateria – com duração de duas horas – e um sistema hidráulico na mochila moverão os membros do exoesqueleto. Um giroscópio deve manter seu equilíbrio.

O exoesqueleto está levando em conta as últimas novidades disponíveis no mundo da robótica. Ele incorpora conceitos de controle que permitem a interação em tempo real do cérebro com todos os circuitos robóticos, o que os neurocientistas chamam de controle compartilhado. O cérebro gera mensagens genéricas do tipo “quero me mexer”, “quero andar”, “quero parar” e essas macromensagens, passadas por meio de sinais elétricos – as chamadas sinapses, descargas elétricas com as quais os neurônios se comunicam –, são captadas por sensores, os quais permitem registrar os minúsculos sinais que os neurônios produzem e extrair desses sinais conjuntos um controle motor, que pode ser traduzido por um algoritmo e que interage com os chamados controles de baixo nível das articulações do robô. As articulações são alimentadas por 17 geradores hidráulicos – uma inovação na robótica, que possibilitará que o exoesqueleto mexa os membros inferiores.

O pesquisador Gordon Sheng, da Universidade Técnica de Munique, desenvolveu os sensores táteis que ficarão nos pés dos voluntários. Eles foram modulados como uma pele artificial, que restabelece a sensação de tato e propriocepção (sensação de estar no espaço) dos membros inferiores dos usuários do exoesqueleto.

O afegão Solaiman Shokur, de 34 anos, é formado em engenharia da computação, com mestrado em robótica e doutorado em neuroengenharia pela Escola Politécnica de Lausanne. Ele trabalha hoje em Natal e integrou a equipe que desenvolveu, em Lausanne, uma camiseta especial que termina de transmitir o feedback tátil ao voluntário. “A camiseta tem pequenos sensores que vibram e que dão o retorno para o paciente, transmitem a ele sensações táteis. Ele não precisa olhar para o chão para saber onde está pisando. A pessoa não vai acreditar apenas no que vê – também vai sentir o que está vendo.” Essa sensação tátil, captada com os sensores no pé do voluntário, será transmitida, através da camiseta, a áreas do corpo como os braços ou o dorso, onde o voluntário paraplégico ainda tem sensibilidade intacta.

As últimas neuropróteses produzidas na forma de trajes possuem sensores que podem colher muitas das sensações que chegam de uma multidão de receptores na pele, os quais detectam textura, vibração, dor, temperatura e forma, o que ajuda a reproduzir a sensação de músculos, juntas e tendões, que contribuem para a sensação de propriocepção.

O problema é fazer esses sinais fluírem de volta para o cérebro e precisamente para a parte correta dele, com seus aproximados 86 bilhões de neurônios. Nos últimos três anos, a equipe de Nicolelis na Universidade de Duke e no IINN–ELS pesquisou como mandar esses sinais do mundo exterior captados pelo robô de volta para o cérebro, para fechar o circuito de controle, ou fazer a interação bidirecional, como diz Nicolelis. Ele começou a testar a tecnologia com macacos já em 1999. Naquele ano, a macaca Belle, de seu laboratório, moveu um braço robótico com o pensamento. O cientista registrou os sinais de 90 neurônios, com eletrodos implantados no córtex cerebral da primata. Em 2001, esse experimento foi considerado pelo renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) uma das dez descobertas que influenciarão de forma profunda o destino da humanidade.

Dez anos depois, uma equipe composta por Nicolelis e quatro outros cientistas da Universidade de Duke e mais seis da Politécnica de Lausanne publicou artigo na revista Science descrevendo uma experiência feita com macacos que tiveram chips com eletrodos implantados em seus cérebros, em áreas responsáveis pelo movimento e pelo tato (córtex motor primário e córtex somassensorial). Na experiência, os macacos viam três imagens em uma tela e eram capazes de mover um braço virtual com a ajuda de um joystick. Ao passar sobre duas das imagens com o cursor, o sistema enviava sinais elétricos para o cérebro dos primatas, que eram interpretados como sensações táteis distintas. O joystick foi retirado e os macacos passaram a mover o braço virtual apenas com a mente, por meio de sinais elétricos. Eles perceberam que, ao ficar com o braço virtual sobre uma das imagens, recebiam suco de laranja – o preferido deles – como recompensa e passaram a utilizar a sensação tátil para identificar a imagem com o prêmio.

“Vencemos um grande desafio”, disse Nicolelis na ocasião. “Os estímulos são enviados ao cérebro, ao mesmo tempo em que registramos a atividade elétrica do córtex. Os sinais elétricos do cérebro podem controlar o avatar do corpo e o órgão pode receber um feedback do que esse avatar encontra no espaço virtual.”

Num outro estudo conduzido pelo laboratório de Nicolelis na Universidade de Duke e no IINN–ELS, no ano passado, macacos foram encorajados a colocar mãos virtuais de um avatar extremamente realista deles mesmos dentro de alvos específicos, que apareciam na tela de um computador durante a execução de uma tarefa bimanual. Os macacos observavam que seu avatar era tocado por uma bola virtual. Ao mesmo tempo, seus braços reais eram tocados pelos pesquisadores, o que levava a uma resposta em seus cérebros. Após a primeira fase, os macacos observavam o braço virtual sendo tocado pela bola de borracha, mas seus braços reais não eram tocados. Os cientistas notarem que, nas duas situações, o cérebro reagia da mesma maneira. À medida que os animais melhoravam seu controle mental dos movimentos dos braços virtuais, os cientistas observaram um alto grau de plasticidade cerebral em múltiplas áreas corticais do cérebro dos animais.

Os resultados sugerem que os cérebros desses primatas literalmente incorporaram os braços virtuais do avatar como uma extensão da “imagem interna” do corpo contida no sistema nervoso de cada um deles. “Enquanto ficamos proficientes no uso de ferramentas – um violino, uma raquete de tênis, um mouse ou um membro protético –, nosso cérebro provavelmente muda sua imagem interna de nossos corpos para incorporar essas ferramentas como extensões de nós mesmos”, explica Nicolelis.

Os cientistas da Duke também observaram que neurônios corticais, distribuídos em múltiplas regiões corticais, exibiram padrões de disparo elétrico específicos durante a execução de movimentos bimanuais. Além disso, o estudo confirmou a teoria segundo a qual grandes populações de neurônios – e não neurônios isolados – definem a verdadeira unidade funcional para a geração de comandos motores. Sendo assim, pequenas amostras neuronais seriam totalmente insuficientes para reproduzir comportamentos motores complexos através de um robô. Nessa última experiência com os macacos, foram captados sinais elétricos de quase 500 neurônios, o que foi considerado um recorde na literatura científica.

“Quando medimos as propriedades funcionais de neurônios individuais, bem como de populações inteiras de células corticais, notamos que a simples soma da atividade elétrica neuronal correlacionada com movimentos isolados dos braços direito e esquerdo não nos permitiu prever como os mesmos neurônios e populações neuronais se comportariam quando ambos os braços se engajavam na realização de uma tarefa motora”, disse Nicolelis à revista Science Translational Medicine. “Esse achado sugere a existência de uma propriedade neural emergente – uma soma não linear – quando ambos os braços são movidos ao mesmo tempo.” Ele declarou que “o estudo mostra que o córtex somatossensorial pode ser influenciado pela visão, o que vai contra tudo já escrito nos livros de neurociência”. Ou seja, o córtex não está estritamente segregado em áreas que trabalham sozinhas com uma função, como toque ou visão.

Apesar dos vultosos recursos e das grandes esperanças envolvidas no projeto Andar de Novo, até hoje, o máximo obtido sob o comando de pensamentos humanos foi movimentar mãos robóticas para realizar tarefas muito mais simples do que andar ou chutar uma bola de futebol. Em maio de 2012, por exemplo, uma equipe coordenada pelo pesquisador John Donoghue, da Universidade Brown (EUA), divulgou o progresso de dois pacientes no controle de uma mão robótica. O projeto, batizado de Braingate, emocionou muita gente com imagens da tetraplégica Cathy Hutchinson, de 59 anos, bebendo café de uma xícara com a ajuda de uma neuroprótese, um braço robótico. Donoghue implantou no córtex cerebral de Cathy um chip com 4 milímetros de lado e 96 eletrodos. Com o dispositivo, ela também conseguiu mover o cursor de um computador, com o braço robótico, mas com grande dificuldade. Porém, Donoghue considerou a experiência vitoriosa: “Foi um marco, porque o chip [implantado no cérebro de Cathy] continuou produzindo sinais úteis mais de cinco anos após ser implantado”, disse ele à revista Nature, onde o estudo foi publicado. A meta de Donoghue era gerar sinais úteis não apenas para o braço robótico, mas para aparelhos capazes de transmitir sinais elétricos diretamente aos músculos, possibilitando que a tecnologia seja usada também para pessoas vítimas de amputações. Não por acaso, um dos principais financiadores de seu trabalho é o Departamento de Veteranos de Guerra dos EUA.

Donoghue afirmou, na época, que ainda seria preciso esperar muitos anos para que o braço robótico se tornasse comercial. Sua empresa, a Cybernetics, fora fundada com esse fim, mas faliu em meio à crise econômica de 2008.

Outro trabalho divulgado no final de 2012, dessa vez pela revista The Lancet, relatou os movimentos – considerados bem mais naturais – de um braço robótico controlado por uma mulher tetraplégica de 52 anos, que também recebeu um implante de chip no córtex cerebral. A equipe responsável pelo experimento foi comandada por Andrew Schwartz, da Universidade de Pittsburgh (EUA). O treinamento com a voluntária – cujo nome não foi divulgado – durou 13 semanas, mas, já no segundo dia de testes, ela foi capaz de executar movimentos em três dimensões com o braço robótico. Na 13ª semana, já conseguia fazer tarefas complexas, como empilhar objetos.

Schwartz explicou à revista que “a mão humana tem muitas complexidades. Conseguir afinar todas essas capacidades com os impulsos elétricos é o grande desafio. A maioria das próteses controladas pela mente atingiu seus objetivos usando um algoritmo que envolve o trabalho de uma ‘biblioteca’ complexa de conexões entre o computador e o cérebro”. Segundo ele, a equipe utilizou uma abordagem totalmente diferente. “Usamos um algoritmo de computador baseado em um modelo que mimetiza de maneira muito próxima o jeito como um cérebro intacto controla o movimento do membro. O resultado é uma prótese de mão que pode ser movida de forma bem mais acurada e natural do que em esforços anteriores.”

Um dos principais problemas a serem contornados pela equipe de Nicolelis no projeto Andar de Novo é a necessidade de captar a atividade neuronal de forma não invasiva. Nos macacos com os quais ele trabalhou, foram implantados chips com eletrodos no córtex cerebral. A cirurgia no cérebro poderia dificultar a aprovação desse tipo de técnica por órgãos reguladores, como lembrou Nitish Thakor, diretor do Instituto de Neurotecnologia de Cingapura, em artigo publicado pela revista da Academia Nacional de Ciências americana.

Nicolelis diz que a demonstração a ser realizada na abertura da Copa será restrita a algumas possibilidades da tecnologia. “É uma demonstração peculiar, com uma série de fatores de risco: ao ar livre, com 70 mil pessoas no estádio, sinais de TV do mundo inteiro e telefones celulares. Por isso, optamos por uma técnica mais conservadora, usando sensores superficiais no couro cabeludo, não invasivos.” Segundo Nicolelis, já foram desenvolvidos microchips que, no futuro, poderão ser implantados superficialmente no cérebro do paciente, por meio de cirurgia rápida, semelhante ao procedimento de um marca-passo cardíaco.

A experiência conduzida por Nicolelis com o exoesqueleto não é a única em andamento no Brasil. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, há um experimento do tipo, embora conte com recursos de financiamento bem menores do que o de Nicolelis, de pouco mais de 290 mil reais. Com equipamentos comprados no mercado – como câmeras e sensores infravermelho (como os usados em veículos não tripulados) e sensores Kinect (utilizados nos videogames Xbox) –, Carlos Julio Tierra Criollo, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), desenvolveu um braço robótico ativado pelo pensamento capaz de servir bebidas a pessoas vítimas de acidentes vasculares encefálicos (AVE), utilizando técnicas não invasivas, de EEG.

Criollo, 52 anos, equatoriano, começou a desenvolver o projeto na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) há cinco anos. Há dois, aperfeiçoa o braço robótico na Coppe, em parceria com o estudante de pós-graduação Alexsandro Silva e as professoras Ana Paula Fontana, do Departamento de Fisioterapia da UFRJ, e Claudia Domingues Vargas, do Instituto de Neurologia Deolindo Couto. Em sua sala no terceiro andar do bloco H do Instituto de Engenharia Biomédica, na Ilha do Fundão, capital fluminense, Criollo explica que sua equipe captura os sinais da atividade cerebral no couro cabeludo por meio de uma touca com eletrodos ligados a um aparelho de EEG. Ele diz que, geralmente, em estado de repouso, grandes populações de neurônios apresentam atividade sincronizada retida no sinal de EEG, na forma de uma onda periódica. Com a presença de atividade mental relacionada a uma tarefa, os neurônios começam a trabalhar em funções específicas, fazendo com que essa sincronização seja perdida e produzindo uma chamada dessincronização referente ao evento (ou DRE). Dessa forma, pode-se identificar em tempo real a DRE, que é determinada por quedas e incrementos na potência do sinal de EEG ao longo do tempo, para identificar quedas relacionadas à execução de uma tarefa específica. Por outro lado, quando a potência aumenta, geralmente após a conclusão de uma tarefa cognitiva, há uma sincronização referente ao evento (SRE), que se deve a uma rápida ordenação da atividade dos neurônios, para retornar a um estado latente ou de repouso.

SRE e DRE são comumente usadas para a implementação das interfaces entre o cérebro e o robô. Mas, no experimento que Criollo realizou na UFMG, as séries de SRE tiveram que ser descartadas porque havia uma interferência muito grande do movimento ocular dos voluntários que usavam a mão robótica. “O sinal de EEG é altamente suscetível a interferências de natureza variada”, explica Criollo. “Movimentos do usuário, principalmente dos músculos próximos à cabeça, provocam uma interferência de difícil tratamento. Elas prejudicam a amplitude do sinal do EGG tanto em baixa frequência (menor do que 10 Hz) quanto em alta (maior do que 30 Hz). Interferências externas, causadas por equipamentos elétricos e eletromecânicos, provocam componentes na frequência da alimentação de energia (50 Hz ou 60 Hz), o que também prejudica a recepção do sinal cerebral.”

Criollo diz que os eletrodos são transdutores da corrente iônica do nosso organismo – íons de sódio, potássio e outros elementos que vão e vem em nosso corpo durante todo o tempo. Os eletrodos captam essa corrente iônica e a transformam numa corrente elétrica que vai para um sistema bioamplificador – um hardware formado por circuitos eletrônicos. Esse equipamento amplifica os sinais elétricos dos neurônios captados de forma analógica e originalmente muito fracos, da ordem de microvolts. Esses sinais são convertidos para a forma digital e processados no computador, para obter padrões relativos à execução ou imaginação dos movimentos. A partir daí, as informações da atividade cerebral são traduzidas por um software que transforma esses dados em comandos.

No experimento de Criollo, os comandos são enviados pela internet à mão robótica, capaz de dar de beber a uma pessoa com braços e mãos inertes. O objetivo é desenvolver um sistema on-line para ser usado em um exoesqueleto, que inicialmente será dedicado exclusivamente a abrir e fechar a mão de pessoas vítimas de acidentes vasculares encefálicos. Todos os sistemas serão desenvolvidos nos laboratórios da Coppe. Criollo explica que o exoesqueleto será semelhante a uma luva e será utilizado no dia a dia do indivíduo com paralisia para executar tarefas simples, como levar um copo à boca, escovar os dentes e, na fisioterapia, em exercícios de reabilitação.

“A previsão é que em seis meses ele esteja funcionando”, diz o cientista equatoriano. Mas ele ressalta que o controle fino dos movimentos ainda é um complicador. Por enquanto, o braço e a mão robóticos criados por ele e seus colegas só executam movimentos de flexão e extensão do cotovelo, além de deslocar-se de cima para baixo e da direita para a esquerda ou vice-versa. O robô é, ainda, incapaz de controlar a velocidade do movimento, por exemplo. “Quando você tem uma fonte cerebral, uma intenção de movimento, você gera um campo eletromagnético que se espalha até o couro cabeludo”, diz Criollo. “Aí chega a atividade de muitos grupos de neurônios. É muito difícil identificar claramente a fonte cerebral. Nós, por exemplo, estimamos que a área motora é ativada, mas vemos que há a condução de várias outras regiões. Mesmo com técnicas invasivas, os controles mais finos são muito difíceis, porque eles envolvem outras estruturas além do córtex cerebral. O cerebelo, por exemplo. Cientistas fizeram experimentos com gatos, retirando seus cerebelos e os gatinhos continuaram andando, mas tremendo, sem equilíbrio”, exemplifica.

Alexsandro Silva, que participa da entrevista, completa: “Para o experimento de Nicolelis dar certo, seria preciso captar on-line sinais de estruturas subcorticais, e não apenas do córtex. Hoje em dia, não temos conhecimento de cientistas que tenham conseguido fazer isso”.

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Um comentario para "O grande desafio de Miguel Nicolelis"

  1. Edson disse:

    O Prof. Leopoldo de Meis ja foi capa da revista Science com uma pesquisa sobre um novo papel de enzimas conhecidas. E nem ele foi o primeiro brasileiro. Devemos parar de endeusar revistas e editoras e cientistas.

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