Combustíveis: como chegamos ao caos

Entenda, em detalhes, a insana política de preços da Petrobras, após o golpe. Veja como as medidas anunciadas pelo governo tornarão pior o que já era muito ruim.

Pedro Parente, presidente-interventor da Petrobras desde 2016: um homem dos mercados

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Por Alessandra Cardoso e Nathalie Beghin, do Inesc

A greve dos caminhoneiros trouxe à tona a política de preços praticada pela Petrobras. Para determinar os valores dos combustíveis, a estatal tinha como regras básicas, até outubro de 2016: a convergência aos preços internacionais nos médios e longos prazos, reajustes sem periodicidade definida e decisão de preços a cargo da diretoria executiva da empresa.

Em outubro de 2016, a nova direção da Petrobras, liderada por Pedro Parente, mudou radicalmente a política de preços sob os argumentos de que as administrações anteriores aparelharam politicamente a empresa acumulando excessivas perdas financeiras. Os preços passaram a se basear no Preço de Paridade de Importação (PPI), que inclui entre seus custos o frete, transporte, taxas portuárias, adicionados a uma margem para remuneração dos riscos inerentes à operação, entre eles a volatilidade da taxa de câmbio.

Ademais, a decisão dos preços ficou sob a responsabilidade de um grupo executivo que, além do presidente e do diretor de Refino e Gás Natural, conta com a participação do diretor financeiro e de relações com investidores — ou seja, uma estrutura de tomada de decisão cuja visão estratégica passa a ser fortemente pautada pela geração de resultados financeiros.

Nesta nova versão da política, os preços eram revistos pelo menos uma vez por mês. Oito meses depois, em junho de 2017, a política foi novamente alterada para aumentar a frequência de ajustes nos preços, sob o argumento de que as alterações que vinham sendo praticadas não eram suficientes para acompanhar a volatilidade crescente da taxa de câmbio e das cotações de petróleo e derivados.

Os efeitos não tardaram. Determinados pela valorização do dólar e por maiores cotações internacionais do petróleo, os reajustes sistemáticos dos preços internos do diesel resultaram em uma hecatombe com desdobramentos ainda imprevisíveis.

A resposta do governo para equacionar a crise é a do aumento dos subsídios ao consumo na forma de uma fatura amarga a ser paga pela população. Na redução prometida de R$ 0,46 por litro do diesel, a menor parte (R$ 0,16) sairá da zeragem da CIDE-Combustíveis e do corte do PIS/COFINS – o que significa perda de arrecadação estimada em R$ 2,5 bilhões para a CIDE e R$ 14,4 bilhões para o PIS/COFINS, para 2018. Esta conta será apenas em parte paga com a reoneração da folha de salário de vários setores. Para compensar o restante da perda de recursos federais, o governo já anuncia que poderão ser tomadas medidas de aumento de impostos. Para piorar, a maior parte da redução da tarifa, R$ 0,30, que beneficiará também as importadoras, terá um custo de R$ 9,5 bilhões aos cofres públicos. Este valor será compensado com subvenções econômicas, ou seja, despesas correntes em um orçamento público já em frangalhos devido ao congelamento dos gastos primários por 20 anos (EC-95).

Com isso, os subsídios ao consumo aumentarão em R$ 26,4 bilhões. E não partirão do zero. Dados que fazem parte de um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) que será divulgado nos próximos dias mostram que, mesmo sem estas medidas, a perda de arrecadação da CIDE e PIS/COFINS para gasolina e óleo diesel já é da ordem de R$ 41 bilhões anuais.

Embora seja legítimo que governos se utilizem da redução discriminada de tributos ou contribuições para buscar efeitos econômicos e sociais desejáveis, são medidas que têm consequências e que devem ser cuidadosamente dimensionadas. Tampouco, a política de administração dos preços dos combustíveis no mercado interno foi uma invenção do Brasil. Segundo a Agência Internacional de Energia, a partir de 2008, em função do forte aumento do preço internacional do petróleo, diversos países recorreram a mecanismos para impedir expressivos incrementos de preços ao consumidor. Da mesma forma, quando os preços internacionais do petróleo se estabilizaram e caíram, a partir de 2014/2015, vários países se movimentaram na direção da eliminação destes subsídios, de forma gradual e mediante administração de preços, exatamente em função da alta sensibilidade econômica e social deste tipo de política. Ainda assim, a Agência estima que em 2016 os subsídios globais ao consumo de combustíveis fósseis foram de US$ 260 bilhões. A China lidera hoje o ranking destes subsídios.

O setor ainda conta com os subsídios à produção que favorecem a Petrobras e as petroleiras estrangeiras que operam no Brasil. Atualmente, as estimativas de renúncia associadas à produção de petróleo e gás são da ordem de R$ 17 bilhões. Mas, com a aprovação da Lei N° 13.586 de 2017, que amplia as renúncias fiscais às empresas petrolíferas, as estimativas tendem a aumentar exponencialmente. Logo, a situação é mais complexa do que parece. A Petrobras como empresa estatal, além de uma série de subsídios na forma de isenções e desonerações, tem aportes importantes de recursos públicos, seja por meio de gastos diretos (orçamentários), seja por meio de financiamentos subsidiados.

Não existe solução fácil para esta crise e a população brasileira sofre triplamente. Em primeiro lugar, porque continuará à mercê da atual política de preços para a gasolina, a qual não faz parte das negociações dos consumidores de diesel, que têm poder de parar o país. Em segundo lugar, porque os cortes orçamentários vão afetar a oferta de serviços públicos já precários.

Para piorar, sem entrar no mérito dos equívocos da escalada de desonerações instituídas a partir de 2011, no atual contexto de estagnação econômica, compensar a perda de arrecadação com a reoneração da folha de salários tem o potencial de causar estragos menos evidentes, mas preocupantes, como o aumento do desemprego.

Mas soluções existem e passam, inicialmente, por uma revisão dos equívocos da política de preços da Petrobras para diesel, gasolina e gás de cozinha. A história recente demonstra cabalmente que preços internos de combustíveis não podem ser livremente atrelados às cotações do dólar e do barril de petróleo. Há que se ter mecanismos de calibragem que impeçam uma transmissão direta e volátil de ambas as cotações aos preços internos.

Mais amplamente, cabe uma discussão sobre a própria política de investimentos da Petrobras. Depois de atingir o pico histórico de US$ 48 bilhões em 2013, puxados pela exploração do pré-sal, os investimentos recuaram em todos os segmentos de negócios, mas em especial no de refino, transporte e distribuição. Este setor, que em 2013 recebeu um recurso de US$ 14,2 bilhões, que corresponde a 30% do total de investimentos, em 2017 recebeu apenas US$ 1,2 bilhão, 9% do total.

Em paralelo, a capacidade ociosa das refinarias, que hoje operam em cerca de 30%, abriram rápida e perigosamente o mercado para importação de combustíveis por terceiros, o que reduz sensivelmente a margem para administração dos preços por parte do governo e da própria Petrobras. Em 2017, 78,6% das importações de gasolina e 95,7% de diesel foram feitas por empresas privadas. Vale lembrar que em março de 2018 entidade representativa dos importadores de combustíveis entrou com ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) contra a Petrobras sob alegação de que a estatal estava praticando menos do que deveria os Preços de Paridade de Importação.

Por fim, entendemos que as soluções passam, ainda, por uma reforma em médio prazo dos subsídios aos combustíveis fósseis no sentido da sua progressiva eliminação, buscando tanto a recomposição da arrecadação, quanto objetivos de justiça socioambiental e redução de emissões de gases de efeito estufa.

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