A graça de Woody Allen

Meia-noite em Paris nos conduz a mundo de fantasia, cores esmaecidas-aconchegantes, sépia substituindo cinza, Cole Porter e bandas dixieland

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Meia-noite em Paris nos conduz a mundo de fantasia, cores esmaecidas-aconchegantes, sépia substituindo cinza, Cole Porter e bandas dixieland

Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo

A melhor definição de Woody Allen que eu li nos últimos tempos foi dada pelo amigo jornalista Márvio dos Anjos no Facebook: “Na categoria meio-médio-ligeiro, ele é campeão do mundo”.

Meia-noite em Paris é a comprovação disso. Resumindo drasticamente as coisas, no filme há um jovem casal americano em Paris; ele é escritor e tem uma visão romântica da criação artística; ela é patricinha e pragmática como o pai capitalista e só vê a arte como um verniz que não difere muito das roupas e jóias que consome.

Lá pelas tantas (meia-noite em Paris), o rapaz viaja fantasticamente aos anos 20, encontrando figuras carimbadas da vida parisiense da época: Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrud Stein…

Pílulas de conhecimento

Essa mudança de dimensão (temporal, no caso) não deixa de lembrar a passagem da tela de cinema para a “realidade” – e vice-versa – de A rosa púrpura do Cairo, outro sucesso de público do cineasta. Fechemos o parêntese.

O fato é que, para tornar o protagonista mais simpático aos olhos da plateia, Allen o contrapõe a um intelectual pedante (personagem recorrente em seus filmes), que lança mão de pílulas de conhecimento para se passar por culto.

Só que, reparando bem, isso não é muito diferente do que o próprio cineasta faz em seu filme. As noitadas secretas do protagonista no passado são pouco mais do que um encadeamento de clichês sobre os personagens históricos em questão: Zelda Fitzgerald sempre bêbada, Hemingway falando de boxe e coragem e indo caçar antílopes na África, Dali às voltas com imagens de rinocerontes etc.

A diferença é que, ao contrário do chato de galochas que fascina a noiva do protagonista com seu falatório pseudoculto, Woody Allen faz o seu número com graça e leveza. E insere entre os clichês algumas variações e piadas muito boas, como a do escritor do nosso tempo  sugerindo ao jovem Buñuel que faça um filme sobre um grupo de pessoas que não consegue sair de uma casa (o tema de Anjo Exterminador). O engraçado da história é a reação de Buñuel, que não entende o sentido daquilo e faz uma objeção que só os críticos mais obtusos fariam, décadas depois, a sua obra-prima: “Mas por que eles não saem simplesmente pela porta aberta?”

A cena me lembrou uma passagem análoga de Peggy Sue (o De volta para o futuro de Francis Coppola) em que Peggy (Katlhleen Turner), retornada à juventude, “sopra” a seu namorado roqueiro (Nicholas Cage) a letra e a música de She loves you, dos Beatles, como receita para o sucesso. Só que ele é um palerma tão completo que muda o refrão, de She loves you, yeah, yeah, yeah para um insosso She loves you, you, you. No cinema americano, mesmo no cinema “de autor”, nada se cria, tudo se recicla.

Velho encanto hollywoodiano

O que torna irresistível o encanto desses filmes agridoces do diretor, com seu mood “allegro non troppo”, não é a exibição superficial de cultura, nem a filosofia meio de auto-ajuda que se depreende deles (no caso deste: “o passado sempre nos parece dourado porque não somos capazes de ver a poesia que nos cerca no presente”, ou algo do tipo). O que torna Woody Allen campeão do mundo é a leveza, a elegância e a sem-cerimônia com que nos leva pela mão a um mundo de fantasia, de cores esmaecidas e aconchegantes, em que o cinza cede lugar ao sépia, ao som de Cole Porter e banjos de bandas dixieland. Assim qualquer época da história fica dourada.

Falta amadurecer esta ideia, mas desconfio que, ao fim de tantos desvios aparentes, Woody Allen retorna sempre ao seio materno de Hollywood e das fábulas contadas desde que o mundo é mundo, ao persistente mecanismo de identificação e projeção que nos lança por um par de horas no interior da tela, ligeiramente estupefatos, mas crédulos. É, em suma, um entertainer, um contador de histórias e um ilusionista.

Que esta sua arte superficial e ligeira – e até fajuta, se quiserem – siga nos embalando por muito tempo ainda.

José Gerado Couto é crítico de cinema e tradutor. Escreve suas criticas hoje em seu próprio blog e na revista Carta Capital.

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Um comentario para "A graça de Woody Allen"

  1. Anselmo Coyote disse:

    Falar de quem se gosta é mais fácil.

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