Resgate: como fazer a reforma financeira e bancária?

Como levar o sistema financeiro a cumprir papel social, depois de décadas capturando a riqueza do país, das famílias e empresas. Que estratégia poderá ampliar a atuação dos bancos públicos e comunitários. Qual o papel das moedas alternativas

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> O texto a seguir foi construído a partir de entrevista com Ladislau Dowbor e Paulo Kliass, que está transcrita ao seu final. Acesse também as versões em vídeo (link acima) ou podcast (abaixo).

> O projeto Resgate, por meio do qual Outras Palavras quer debater ideias-força para a reconstrução do Brasil em novas bases, pode ser conhecido aqui.

Com Ladislau Dowbor e Paulo Kliass

O capitalismo financeirizado sequestra a riqueza social em todo o mundo, mas nada se compara a sua rapina nas perifeiras. Por décadas o Estado brasileiro pagou, à elite minúscula que concentra os juros da dívida pública, as taxas de juros mais altas do planeta. Das famílias brasileiras, 74,6% encontravam-se endividadas em outubro – oito pontos percentuais a mais que um ano antes. Milhares de pequenas e médias empresas têm, nos juros, sua despesa principal. E enquanto toda a economia mantém-se, desde 2015, em queda ou estacionada, os cinco maiores bancos brasileiros lucraram, no primeiro ano da pandemia, R$ 79,3 bilhões. Um novo projeto de país precisará rever esta captura da riqueza nacional, criando um novo sistema financeiro e bancário. Mas como?

Os economistas Ladislau Dowbor e Paulo Kliass abrem nesta segunda-feira (6/12), às 19h, a série de diálogos do projeto Resgate sobre este tema crucial. A ideia-força que debaterão é ousada. Sugere que, se houver disposição de superar o neoliberalismo fiscal, será possível criar uma rede de bancos públicos e comunitários, estimular moedas alternativas e promover uma revisão geral das dívidas, adequando-as à capacidade de pagamento dos endividados.

Quais as condições para fazê-lo? Ladislau Dowbor abordará o tema a partir de duas perspectivas. Autor de A Era do Capital Improdutivo, ele continua estudando em profundidade a financeirização do capitalismo, suas consequências e alternativas. Mas é, além disso, um observador atento de arquiteturas bancárias distintas da existente hoje no país. Estudou, por exemplo, as Sparkassen (espécie de caixas de poupança) alemãs e os bancos regionais e municipais chineses. Relacionou-se, ao dar consultoria a projetos de desenvolvimento no Brasil, com instituições como o Banco do Nordeste.

Já Paulo Kliass abordará aspectos pouco tratados no debate brasileiro sobre o tema. O sistema financeiro vive, nos últimos anos, grandes transformações – impulsionadas em parte pelas novas tecnologias. A digitalização do dinheiro favoreceu a multiplicação, nos últimos anos, de um vasto setor de fintechs, bancos e empresas financeiras que quase não têm funcionários nem estrutura física, atuando essencialmente na internet. Sua emergência representa um grande desafio para os bancos tradicionais, obrigados a enfrentar concorrentes cujas despesas de operação são muito menores.

E – muito mais importante – surgiu a hipótese instigante do fim da intermediação bancária. Se os bancos privados já dispensam cada vez mais a antiga estrutura de agências e pessoal, o que ainda oferecem à sociedade? Por que não permitir que o público abra contas diretamente nos Bancos Centrais, como começam a fazer alguns países?

Compreender o sistema financeiro em profundidade e transformá-lo é essencial para qualquer projeto de país com justiça social e combate às desigualdades. O Resgate dedica um capítulo especial ao tema e o tratará com destaque em 2022. A conversa desta segunda-feira é um ótimo começo de conversa.

Eis a transcrição do diálogo:

Antonio Martins: Boa noite, eu sou Antônio Martins, editor do site Outras Palavras, esse é o Programa Resgate, que chega a 46ª sessão,. O Resgate, por meio dele, nós queremos ampliar a possibilidade de derrotar a ameaça fascista, no ano que vem, mas contribuir, ao mesmo tempo, para o debate brasileiro a partir da sociedade e a partir de um ponto de vista: a vitória sobre essa ameaça fascista não pode ser a volta ao velho normal, o velho normal é o que nos trouxe até aqui e o velho normal tem um aspecto, que nós vamos discutir hoje, começar o debate dele, hoje, e avançar, ao longo de 2022, que é a financeiração das economias. O surgimento de um capitalismo que foi muito bem descrito pelo Ladislau Dowbor, um dos nossos convidados de hoje, no livro chamado “A era do capital improdutivo”, um capitalismo cada vez mais concentrador, mais alienante, em que os mercados financeiros determinam que as sociedades podem fazer e o que não podem. E que, para superar isso, um dos aspectos essenciais é compreender o sistema financeiro, compreender as possibilidades de transformá-lo. Essa é uma agenda pouco presente no debate nacional, talvez porque a força do capital financeiro seja tão grande que sumiu no horizonte político a ideia de transformá-lo, porque, tão bem como conversava com Paulo Kliass, outro dos nossos convidados, antes da gente começar aqui, entre certos setores, mesmo entre certos setores à esquerda, a ideia de que as finanças são essencialmente um mal e que não é possível, portanto, transformá-las, transformá-las em instrumento de igualdade, de luta pela igualdade, de justiça social, de um tipo de desenvolvimento que garanta novas relações com a natureza.

E para discutir esse tema, para começar esse tema no Resgate, ou seja, o tema da reforma do sistema financeiro e do sistema bancário, os nossos convidados são, como eu falei, Ladislau Dowbor, professor de economia na PUC, autor de “A era do capital improdutivo”, autor de um outro livro muito recente, “O Capitalismo se desloca sobre as transformações do sistema e as e a necessidade de dar outro sentido a elas” e o Paulo Kliasa. Paulo Kliass, pesquisador do Ipea e um dos criadores da Abed – Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia. Boa noite Ladislau! Boa noite Paulo!

Eu começaria te fazendo uma pergunta, Ladislau. Você que escreveu tanto sobre – e continua estudando – a captura da riqueza e da renda das sociedades pelo sistema financeiro, se nós entrarmos num novo projeto de Brasil, a partir de dos debates de 2022, 2023, de que forma o sistema – e você que também estudou sistemas financeiro e bancário de diferentes países, tanto como consultor da ONU, quanto como pesquisador mesmo -você acredita na possibilidade desse sistema trabalhar a favor das maiorias e de um outro projeto de país? De que forma isso seria possível?

Ladislau Dowbor: Olha, deixa eu comentar uma primeira coisa, tá? É que nós não temos falta de recursos no Brasil. É uma conta simples. Você pega o PIB do Brasil, 7.5 trilhões de reais, 7.5 trilhões de reais, dividido pela população 219 milhões, isso dá 11 mil reais, por mês, por família de 4 pessoas. É o que a gente produz de bens e serviços no Brasil, dá 11 mil reais, por mês, por família de 4 pessoas de quatro pessoas. E isso significa que basta reduzir um pouco a desigualdade, de maneira muito moderada, para assegurar a todo mundo, no Brasil, uma base, digamos, de vida digna e confortável e parar, em particular, essa tragédia que é por exemplo ter 19 milhões de pessoas passando fome, dos quase 25% já das crianças. Você simplesmente… revoltante, né? Ou seja, nosso problema não é de falta de recursos, nosso problema é de organização política e social. Isso é o ponto.

O segundo ponto importante é o seguinte: nos dizem que tem problema de de recurso, porque o déficit né? Primeiro que esse governo aí, ele expandiu o déficit de maneira espantosa e vim comparando com governos anteriores, com governos populares,  gerou um déficit. Porque ele está repassando dinheiro para bancos, para grupos financeiros, pagando dividendos de grupos internacionais e não usando dinheiro, porque é necessário para as populações. Ele se esconde, esse governo, atrás de uma aparência de respeitar o déficit, né? Da necessidade de manter as contas públicas… Na realidade, não está respeitando nenhum dos dois, porque não está utilizando de maneira útil. E ele se esconde através de leis econômicas. Isso é bobagem, tá? O essencial é o seguinte, que economias são pactos, não são leis, certo? Quando viu os veículos “ nos Estados Unidos decide a repassar muito dinheiro para a base da sociedade” e dinamizou a economia americana, que voltou a funcionar, ele colocou, por exemplo, um imposto sobre grupos financeiros, alíquotas acima de 90%, e funcionou, tá certo? São opções, se chamou o novo pacto, o New Deal. A Europa, que eu participei muito da reconstrução do pós-guerra, é o estado de bem-estar social, é uma opção política. Não há nenhuma razão pra ter miséria, nenhuma razão para ter essa paralisia econômica no Brasil, em termos de economia. São razões políticas, razões de opções em termo de funcionamento.

O terceiro ponto que eu quero é mencionar é o seguinte, a gente sabe que funciona, quando você coloca mais dinheiro na base da sociedade, isso gera demanda. As empresas, elas não precisam de discurso ideológico, a tal da confiança, elas precisam de gente com dinheiro para poder ter para quem vender, e precisam de crédito barato para financiar a produção. É tão simples assim. Isso funciona para China, para o Vietnã, para Honduras, para o Canadá, para o Brasil, para qualquer país. Só que, no Brasil, você ferrou as famílias que, estão endividadas até o pescoço, por cento delas em bancarrota pessoal, certo? Com essas taxas de juros, com esse sistema financeiro. E, por outro lado, as taxas de juros para pessoa jurídica, para as empresas, são do nível tal que as pessoas, empresas, não conseguem financiar a produção. Se não tem consumo, se não tem a produção, resultado. Você tampouco tem o equilíbrio fiscal do governo. Que esse governo desequilibrou radicalmente. Por quê? Porque você travou o consumo. Você reduziu os impostos sobre o consumo, receita para o estado, você gerou grande desemprego? As empresas estão trabalhando no Brasil a 70% da sua capacidade e esse negócio também não funciona porque gera pouco recurso para o estado. Resultado: que nós temos, hoje, com esse tipo de financeirização, de apropriação dos recursos financeiros, por grupos financeiros que fazem especulação, inclusive mandam dinheiro para o exterior, para paraíso fiscal, etcétera, em vez de colocaram o dinheiro onde funciona.

E o denominador comum, para mim, Antonio e Paulo, é que eu, olhando a China, olhando o Vietnã, olhando a Coreia do Sul, olhando o Canadá, enfim, Suécia, uma série de países que funcionam, a base é rigorosamente a mesma: processo redistributivo que assegura uma base de consumo, portanto, uma demanda forte, o que dinamiza as empresas em ambas, geram recursos e equilibram as contas do Estado. Esse é o que funciona para mim, esse é o norte de um sistema financeiro que funcione para fomentar a economia e não para enriquecer atravessadores.

Antonio Martins: Paulo, o Ladislau é um grande estudioso da financeiraização das economias e das alternativas, mas você tem estudado, especificamente, o desenvolvimento dos bancos mais recentes. Inclusive, tem algumas coisas que são muito pouco debatidas, no Brasil, como por exemplo o surgimento das Fintecs, de bancos praticamente eletrônicos, impulsionados pela digitalização das moedas e mesmo o surgimento do debate sobre a criação de contas diretas da população, diretamente nos bancos centrais, e articulação disso com possíveis iniciativas contra-hegemônicas, digamos assim, que não sejam de concentração de renda, mas que sejam de canalização da poupança da sociedade para outros fins. E seria interessante você contar pra gente as novidades, relatos mesmo, das novidades que têm surgido nesse setor e de que maneira elas podem ser apropriadas para quem deseja a transformação da sociedade.

Paulo Kliass: Bom, antes de tudo, boa noite, Antonio. Obrigado, mais uma vez, pelo convite. Um prazer enorme estar aqui com Ladislau, o nosso grande mestre para assuntos de economia, de financeirização.

Veja, eu acho que essa questão é uma questão fundamental, né? Quer dizer, para o Resgate, no sentido de a gente começar a discutir alternativas ao sistema, ao modelo em que a gente está vivendo. E por mais que a gente não consiga colocar isso no foco do debate, vamos dizer assim, eleições do ano que vem, eu acho que a gente não deve perder essa oportunidade. Porque, quando a gente discute eleições de 2022, a gente discute a possível substituição, a necessária substituição, do Bolsonaro e do regime de política econômica, de política social que está por trás do seu governo, isso implica também rediscutir a questão da financeirização, de uma forma geral, e da questão bancária, de uma forma particular, que a gente estava conversando, né? Antes de abrir a emissão para quem está nos assistindo.

O Ladislau colocou isso no último artigo, no penúltimo que ele publicou no site de vocês, no Outras Palavras. A gente não pode, necessariamente, demonizar a questão das finanças. Está certo? Quer dizer, o fato da gente ter um sistema financeiro perverso, no Brasil e no mundo, O fato da gente ter uma dominância desse financismo, nada mais é do que uma forma de subtrair recursos da economia real, subtrair recursos de quem produz, de quem oferece serviços, ainda que os serviços sejam, relativamente, nos tempos de hoje, da população, dos trabalhadores, dos aposentados. O fato concreto é que finanças é um tema muito importante. Quer dizer, a intermediação financeira, ela é um avanço, do ponto de vista da organização das sociedades. Qualquer projeto de utopia, de transformação dessa sociedade, faze-la de uma maneira menos desigual, mais distributiva, mais justa socialmente, ambientalmente, etcéteras, passa por alguma forma de intermediação financeira.

A questão é saber quem faz a intermediação e com que objetivo, está certo? Quer dizer, a gente vive um mundo em que o financismo subtrai, quer dizer, recursos, os quais ele não tem direito, ele se vale da condição, primeiro, de cartel, de oligopólio, né? Quer dizer, quantos bancos grandes são os que dominam a economia brasileira? Você tem Banco do Brasil, você tem Caixa Econômica, você tem BNDES, você tem o Banco do Nordeste, você tem o Banco da Amazônia, que são bancos públicos, quer dizer, se você tivesse um governo interessado em promover e aprofundar a importância positiva das finanças, reduzindo os prédios, oferecendo condições de crédito para quem não tem acesso ao crédito, essa chamada popularização do crédito, é um fenômeno importante, está certo?

Mas você tem uma outra alternativa, que é proporcionada principalmente pela questão tecnológica. Veja o caso dos meios de comunicação. Quer dizer, até vinte anos atrás era muito difícil você fazer um jornal atingir a grande maioria da população. A gente teve, no Brasil, a experiência dos jornais alternativos, da imprensa alternativa, no final da ditadura e mesmo nos primeiros anos da transição democrática. Do ponto de vista das televisões, quer dizer, os grandes impérios continuam. Do ponto de vista dos rádios, a gente tinha a tentativa das rádios comunitárias, etc. Agora, com o avanço tecnológico, a gente tem, por exemplo, nós aqui conversando, há possibilidades de lançar, é óbvio que precisa competência, precisa de uma série de outros atributos que a esquerda, as forças democráticas, ainda não têm, mas pra chegar no grande público através dos chamados Streaming.

Você tem a possibilidade também do ponto de vista das finanças, de fazer uso dessa alavancagem tecnológica, quer dizer, então por exemplo, você tem toda inovação na áreas das chamadas fintecs. Quer dizer, nada são do que articulações envolvendo empresas, às vezes indivíduos, sociedades, você poderia ter sindicatos, você poderia ter associações que fazem o recurso, que é o recurso tradicional, vamos dizer, da intermediação financeira. Eu estava conversando com o Antonio – eu tenho uma irmã que mora na Catalunha. A Catalunha é um dos países, dos espaços europeus, que mais tem avançado desse ponto de vista, primeiro da democratização do acesso ao crédito e da consciência da população de que as intermediações podem ser positivas. Então, você tem, por exemplo, bancos socialmente engajados. Você tem bancos ambientalmente engajados. A Moda lá, agora, é o chamado banco ético. Então você tem um deles, que é um banco já europeu, mas que atravessa fronteiras na Holanda, na Catalunha, outros espaços, da Espanha, da França, que é o Tríodos. Esse banco, ele se propõe a ser transparente nas suas operações, oferecer rentabilidade mínima – que lá não é tão difícil, porque você não tem uma Selic que os caras estão querendo aumentar para 9.25, na reunião, próxima, do COPOM, que é uma loucura, mas, enfim… e ali é totalmente transparente, você sabe aonde o seu recurso está sendo aplicado, ele pode parecer uma utopia sim, mas se a gente deixasse de ter a concentração bancária em dois, três, quatro gigantes dos conglomerados privados, a gente poderia, como o Antonio falou, o comum das finanças.

Apresentar uma alternativa contra-hegemônica, convencer a população de que as aplicações desse recurso são positivas e que isso pode, então, como dizia o Fórum Social Mundial, um outro mundo é possível, está certo? Então, eu ficaria aqui nessa primeira introdução, que a gente já tem uma experiência histórica, por exemplo, de créditos cooperativos, tem instituições cooperativas de crédito, que também pode ser alguma coisa, né? Que a gente atualize, vamos dizer assim, na realidade brasileira.

Ladislau Dowbor: Deixa eu complementar essa ótima fala do Paulo. Lembrar o seguinte, o dinheiro, que está nos bancos, é nosso dinheiro. O dinheiro que está no governo, que a gente está repassando para os bancos, é dinheiro dos nossos impostos. O banco, mesmo privado, pega um Santander, o Itaú, ele recebe uma carta patente autorizando eles a trabalhar com o dinheiro do público, a prestar um serviço público. E eles cobrarem o que querem? Isso aqui é absurdo, né? Agora, tem um negócio básico que que é o seguinte, os custos, sobretudo nessa era eletrônica do dinheiro imaterial, os custos de gestão administrativa dos bancos são extremamente limitados, né? Então, eles cobrarem essas taxas de juros e as tarifas, além disso, por exemplo sobre o que é transação de cartão de crédito, coisa do gênero, isso gera lucros fenomenais. E o essencial é o seguinte, a diferença entre um banco que extrai, e um banco que fomenta é, em grande parte, da taxa de juros, tá? Só para as pessoas terem ordem de grandeza, nós estamos falando, por exemplo, taxa de juros livre, para pessoa jurídica, no Brasil, acima de 40%. Nós estamos falando, acima de 70% para pessoa física, enfim. Temos, até saiu agora o rotativo do cartão, para pessoa física, 343%, saiu na Globo, hoje. Certo? Sabe qual é o nível desses juros na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, etc.? Entre 3 e 5% ao ano.  

Esse é o nível, ou seja, o que a gente cobra no Brasil não é 20%, 30% mais caro, o que já seria escandaloso, porque você está prestando um serviço público, autorizado pelo público. Aqui, não! Entre 800 e 1.200% mais caro. Esse é o nível. Agora, quando você dá um empréstimo, por exemplo, para uma empresa, que o juro é muito mais elevado do que o lucro, que o cara vai ter com essa empresa, você ferrou com ele e você gerou essa massa, no Brasil, de empresas e de pessoas que estão simplesmente alongando a dívida, em cada reunião que tem com seu gerente de crédito e vivendo pra pagar juros, em vez de reinvestir pra expandir produção. Então, para mim, esse eixo de extração é absolutamente fundamental, né? Os americanos chamam de extractive capitalism, capitalismo extrativo. Isso aqui é uma zona!

Antonio Martins: Acho que está sendo excelente, porque a gente está explorando a possibilidade de não simplesmente criticar o sistema de hoje, mas de construir um outro sistema financeiro, desde que haja, é claro, correlação de força, situação política, mas pra existir correlação de força e situação política, para isso, é preciso haver debate, haver consciência de que é possível uma outra situação. Vamos discutir alguns aspectos, aqui, relacionados a isso. O Ladislau enfatizou, agora há pouco, a questão da taxa de juros. Imagine que, após um debate, se elege um governo democrático, progressista, em 2022. De que maneira esse governo poderia, talvez, se utilizando, como se tentou fazer antes, mas sem Sucesso, os bancos públicos para forçar uma redução drástica da taxa de juros paras pessoas físicas, paras empresas, etc?

Paulo Kliass: É, eu acho que essa é uma questão essencial, viu, Antônio? Ladislau também tem colocado bastante esse aspecto, e a gente não pode se furtar a enfrentar esse debate, porque senão a gente vai ficar eternamente refém, na mão de grandes e poucos, enormes conglomerados do sistema financeiro privado nacional. E olha que, ainda o Brasil, comparado com os demais países do terceiro mundo, chamados subdesenvolvidos, ainda consegue manter uma espécie de ilha, de impedir, vamos dizer, uma internacionalização absoluta do seu sistema bancário como aconteceu com outros países. Então você pega – infelizmente eu vou ter que dar nomes, tá? Você desculpa, Antonio –  mas você pega Bradesco, você pega Itaú, pega alguns dos grandes, ainda são bancos nacionais, entre aspas, com propriedade ou poder de decisão internamente. Por mais que eles estejam internacionalizados. Então, o peso dos bancos públicos, ele é muito importante e ele oferece a possibilidade de fazer política econômica, ou seja, de fazer um aspecto essencial da política pública voltado para o interesse da maioria. O que precisa, é até a vontade política.

Então, vamos só lembrar, teve um momento do governo Dilma, não vão aqui discutir as razões e etc., e que ela tentou isso. Quer dizer, ela diz “olha, Banco Central é uma instituição do Governo Federal!”, e é aí mesmo. Essa balela de Banco Central independente e tal, é uma loucura. Por mais que os últimos, a maioria dos últimos presidentes e diretores fossem representantes dos interesses dos centros financeiros, o fato é que o Banco Central teria que responder ao Ministro da Fazenda ou responder ao presidente da república. Então, não tem essa história de “não, o governo está querendo lançar mão de política para influenciar”. O Banco Central faz política! Não existe, como eu chamo, neutralidade técnica em qualquer decisão do Banco Central. Muito pelo contrário! O que ele deveria fazer, que é fiscalizar e regular o sistema financeiro, ele não faz, ele fecha os olhos, faz cara de paisagem. Os bancos cobram o que querem nas tarifas, cobram o que querem no seu spreed, e o Banco Central fica quieto. Por outro lado, ele chancela a política monetária através das reuniões, a cada 45 dias, do chamado COPOM – como entende de política monetária – que é o próprio Banco Central, a diretoria reunida com uma outra etiqueta, e eles decidem a SELIC, tá certo? Quer dizer, com esses níveis absurdos que o Ladislau já nos comentou. Então, uma das primeiras questões, para um eventual cenário de mudança, a partir de 2022, é recuperar a natureza pública do sistema bancário, está certo? Quer dizer, o banco é uma instituição que opera, mesmo o privado, com anuência do governo. Não basta querer criar um banco, ele é submetido à regulação de uma agência chamada Banco Central, que deveria regular o interesse da maioria e não regular o interesse desses poucos bancos. Então, esse é um ponto. O segundo seria pensar nessa hipótese da mudança, né? De política geral e de política econômica, também para estimular essas alternativas, do ponto de vista de mudanças na institucionalidade do sistema financeiro. Uma amiga, colega aqui, a Leila Capela, acabou de lembrar um negócio que a gente estava conversando, Antonio. Você teve, recentemente, uma experiência em que o MST, tema tabu, precisando de um montante de recursos, não conseguindo recursos com esse governo, fez um levantamento, em inglês eles chamam isso de craud funding, na falta de recursos, uma vaquinha virtual, no limite foi isso. Eu participei dela, inclusive, pessoalmente, em que se conseguiu algumas de centenas de milhões de reais para uma causa extremamente correta, que era o avanço da capacidade produtiva e de beneficiamento de produtos agrícolas por uma instituição que produz orgânico, que produz bens agrícolas que a maioria da população precisa, a preços justos, e eu, como a maioria dos que participaram, recebi uma remuneração justa e adequada por isso.

Você percebe? Se começa um movimento para criar instituições financeiras permanentes, não um evento esporádico, como foi essa vaquinha virtual, eu vou ser dos primeiros a estar junto e a defender também essa alternativa. É óbvio que tem que pensar, corporar a transparência, a tal da governança, etcétera, mas é um caminho necessário e possível, para a gente pensar um novo Brasil, a partir de 2022.

Antonio Martins: Quer acrescentar alguma coisa, Ladislau, sobre isso? Já queria perguntar para vocês sobre a rede de bancos públicos. Vou perguntar, então, qualquer coisa você já fala sobre as as duas coisas. É claro que, num novo governo, o Banco do Brasil, o BNDES, o Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, podem cumprir um outro papel, mas em diversos países tem surgido, eu cito, por exemplo, os Estados Unidos – onde a economista Ellen Brown sugere isso com ênfase – e existe alguns movimentos, inclusive, para criar bancos públicos estaduais ou municipais. De que forma, a existência de um número maior de bancos não dependa, simplesmente, de quem vai estar no governo, mas a existência, a modificação de um sistema oligopolizado, onde você tem 5 grandes bancos, para um sistema em que haja bancos locais mais próximos da população, para vocês isso é uma alternativa importante para criar um sistema financeiro menos rapinoso, digamos assim?

Ladislau Dowbor: Olha, deixa eu pegar, paras as pessoas entenderem, tá? O dinheiro não é nada, hoje é um sinal magnético, tá? Eu ainda uso essas notas de papel, Paulo, que o Governo imprime. Né? Dizer que na China já pouca gente usa até cartão, né? Que a coisa mudou, está mudando, o dinheiro imaterial representa ordem de grandeza no mundo, 97% por cento da liquidez, certo? Então, o dinheiro é apenas um direito que se coloca na mão do governo ou na mão de um banco, de uma empresa, ou na mão de uma pessoa, para ela, por exemplo, uma família decidir abrir uma oficina, uma empresa, decidir expandir uma produção de sapato, ou que seja, certo? Ou seja, é um facilitador de você canalizar recursos reais. Ou seja, capacidade de pessoas, contratar gente, comprar máquinas, etcétera… O dinheiro é apenas um canalizador, nesse sentido. Isso é muito importante de entender, porque aí a gente pega o conjunto, no conjunto nós temos que assegurar que o dinheiro seja útil, e significa política tributária, política de crédito e política fiscal, tá? São os três eixos que manejam isso.

Política tributária, por exemplo, e dividendos distribuídos, não pagam impostos. E pego esses meus amigos, aqui estão os 315 bilionários do Brasil, na Forbes, para eles aparecerem na foto, olha são todos sorridentes aqui, felizes, viu? Você conta nos dedos os que fazem alguma coisa útil? Dois, nenhum deles paga imposto, certo? Imposto, quando é recebido como pessoa física, rendas dele, etcétera, ou seja, esse negócio, vamos ser realistas, é um negócio injusto, essa reforma tributária envolve também a lei Kandir, né? O pessoal exporta os grãos do Brasil, inclusive arroz, para o exterior, sem pagar imposto, sai mais interessante para eles do que alimentar a populaçã. O resultado: você tem inflação e tem gente com fome no país que, só de grãos, produz três quilos e duzentos por pessoa, por dia. Esse negócio. Então, essa isenção de tributação de quem extrai recursos naturais do Brasil e leva para o exterior, sem pagar imposto, gera pouco emprego, gera um desastre ambiental, certo? Que vantagem a Maria leva? Quer dizer, esse negócio é surrealista. Você tem o imposto territorial rural que, praticamente, não existe no Brasil e que existe na Europa. O cara que gosta de ter um terreno, sem plantar nada, para ter um cavalinho, para mostrar pra madame, ele paga, na Europa, um imposto de um tamanho tal que, ou ele produz ou ele vende para quem vai produzir. E ninguém inventou essa terra. Essa terra é da natureza. Chama Brasil, nosso caso, certo? E ela tem que ser útil! Eu calculei, Paulo, o espaço de terra subutilizada no Brasil, terra agrícola, tá? Com água, dá 170 milhões de hectares, de terra parada, 170 milhões de hectares! Dá 5 vezes o território da Itália. Essa gente está só esperando rentismo imobiliário, esperando valorizar. Isso aqui é surrealismo. Ou seja, esse tipo de mudanças tributárias, reduzir, por exemplo, a tributação que as pessoas pagam sobre o consumo. Porque, se você trava o consumo, você travando o consumo, as empresas não têm para quem vender. Você sabe que a metade dos recursos dos impostos são de imposto sobre o consumo, atingem muito mais pesadamente os pobres do que os mais ricos, o que torna toda a carga tributária regressiva, no Brasil, num país muitos muito desigual. Então tem esse capítulo, tá? Ou seja, eu diria, num conjunto, é racionalizar o uso dos recursos financeiros para que sejam úteis. Então, uma coisa, reforma tributária. Dois, é a reforma do sistema de crédito, que envolve obviamente taxa de juros. Não à toa, tinham colocado o artigo 192 da Constituição, que declarava que agiotagem é crime, né? Os bancos batalharam e conseguiram tirar o artigo 192, com a ajuda de José Serra, aliás, o que gerou o caos atual. Você não pode desenvolver uma economia com agiotagem desse porte. Mas, uma dimensão é juros.

Dois, é uma dimensão técnica. É por exemplo o BNDES, o BNB, o Banrisul, o banco da Amazônia. Enfim, todos eles têm técnicos que podem orientar o dinheiro para onde ele se multiplica mais, certo? Eu penso, por exemplo, Banco Nordeste, eu acompanhei muito o programa de crédito produtivo, microcrédito produtivo, que desenvolveram e dinamizou a produção. Quando você orienta o dinheiro dessa maneira, ele gera muito mais retorno do que você colocou. É investimento, no sentido próprio. Que no Brasil confundem, o que todo mundo chama de investimento, quando são apenas aplicações financeiras feitas por esses bilionários, é só papelada. Agora, investimento mesmo, ou seja, você tem que ter essa capacidade técnica, capacidade técnica depende, por sua vez, Antonio, muito do que a gente chama de finança de proximidade, certo? Porque o BNDES, tudo bem, pode calcular grandes infraestruturas, esses grandes investimentos que você pensa em espaço territorial nacional, agora, para utilidade capilar do dinheiro, você tem que ter agências locais e não agências locais extrativas, né? Que chupam para o Itaú, para o Bradesco, para o Santander, etcétera, mas que sim, que fomentam.

Eu queria lembrar que isso existe na Alemanha, chama-se parcácia, né? São caixas de poupança locais, que usam o dinheiro da poupança das famílias para as necessidades de um desenvolvimento local, você tem, na França, na linha do que o Paulo falava, chama Plasmou Etique, aplicações financeiras éticas, é um sistema nacional que vai a ponto seguinte, como o Governo constatou, o uso do dinheiro, quando é organizado pelas comunidades, é muito mais útil do que quando está na mão dos bancos.

Então, na França, se um cara coloca a sua poupança, por exemplo, eu também contribuí com esse que o Paulo falou, do MST, quer dizer, a gente pode dizer “bom, eu coloco minha a poupança, da minha família, numa ONG, e amanhã a ONG fecha, o que que acontece?”. Na França, se uma ONG fecha, o Banco Central te repõe o dinheiro que você colocou, por quê? Porque ele sabe que o dinheiro se torna muito mais produtivo, então tendo essa dimensão de finanças de proximidade, é fundamental. Queria lembrar que o Estado da Califórnia, este ano, no início do ano, aprovou a formação de bancos públicos municipais em todo o estado da Califórnia. A China tem um sistema extremamente descentralizado de fomento, mas com controle central de agiotagem. Agiotagem, porque ganha dinheiro com dinheiro dos outros. Isso é absolutamente escandaloso. Isso é Lady of Shalott, o Shakespeare, o século XVI, enfim, isso é espantoso. Na modernidade, gente!? Não sabemos o que é tornar o dinheiro útil.

E você tem as políticas fiscais, que são, por exemplo, esse negócio tipo Bolsa Família, que o Brasil tem que sair dessa palhaçada, tem bolsa família, funcionou, mas aí tem a pandemia, a gente coloca outros seiscentos, aí baixa para trezentos, agora discute quatrocentos, entende? As famílias não sabem quem vai receber, quem não vai receber. Isso é ridículo, entende? Nós temos que estabilizar recursos para a base da sociedade, e aí é básico, o Paulo Kliass conhece os números da pesquisa do próprio IPEA. Cada real que você coloca na base da sociedade, pelo efeito multiplicador, 1 real colocado na base da sociedade gera 1.78 reais, dinamização do PIB. É não é um custo, é um retorno. A gente tem que entender que o problema nosso não é de onde vem o dinheiro, como coloca o Paulo Guedes, e sim para onde vai. Qualquer banqueiro, antigamente, pelo menos, sabia disso. Quer dizer, conforme o lugar que você coloca o dinheiro, o dinheiro gera efeitos multiplicadores pra sociedade, para mim esse é o eixo que a gente ia equilibrar, a política tributária, política de crédito e as políticas fiscais, de sistema de redistribuição, você monta um arcabouço financeiro que torna possível funcionar o financiamento da indústria, financiamento de escola, financiamento de universidade, financiamento de pesquisa científica e tecnológica, etcétera. Ou seja, você pensa quais são as prioridades do país e canaliza os recursos em função dessa prioridade.

Hoje o pessoal financeiro retira o dinheiro que o governo tem, retira o dinheiro que as famílias têm, endividando elas, retira o dinheiro das empresas, não sei se vocês pegaram o Globo, hoje. As empresas entraram no rotativo do cartão num montante de 22 bilhões de reais. São 22 bilhões de reais, basicamente pequena e média empresa, pagando 343%, certo? Isso significa, mais ou menos, que os bancos extraem, da pequena e média empresa, só nessa linha do rotativo do cartão. Dá, mais ou menos, duas vezes e meia o Bolsa Família, que serve os 50 milhões de pessoas. Esse é um nível, isso aqui, eu acho que o que há de mais forte nos artigos que o Paulo fica publicando, que você tem divulgado, Antonio, que outras pessoas, tanta gente está divulgando, essa compreensão de que isso aqui é um escândalo, entende? Se eu me aproprio do dinheiro dos outros, isso é roubo, né? Enfim, agora, o que os bancos fazem hoje a gente chama de apropriação indébita, né? É mais elegante.

Antonio Martins: Paulo, não sei se você quer comentar sobre isso, também, mas eu já vou te lançar uma outra questão. Nós vivemos, hoje, dinheiro da população brasileira está colocado em 5 ou 6 grandes bancos, e tem surgido, no mundo todo, o debate sobre, já que o dinheiro é imaterial, já que os bancos estão abrindo mão dos seus funcionários, das suas agências, por que não permitir à população que abra uma conta diretamente no Banco Central, como muitos países estão fazendo? E o que você acha? Que você nos diz a respeito disso?

Paulo Kliass: Bom, veja, eu acho que a discussão dessa questão, de alternativas do sistema financeiro, elas são fundamentais. Quer dizer, quando você discute, por exemplo, o Ladislau estava colocando, o que fazer com a crise brasileira? Parece que a gente não tem alternativas, que a gente não tem saída. O discurso que a gente ouve, há décadas, de sempre quem está no comando da política econômica, e verbalizado, e pulverizado pelos grandes meios de comunicação, sempre ouvindo os chamados, com muitas aspas, especialistas, é de que nós não temos recursos, infelizmente o Governo não pode fazer porque não tem recurso. Primeiro que isso não é verdade. Quer dizer, a questão dos recursos, de uma maneira ampla, quer dizer, pensando recursos naturais, recursos estratégicos, etc., esse país – a gente tinha aquela brincadeira, né – é abençoado por Deus.

A gente tem capacidade de recursos naturais impressionantes. A gente tem uma dimensão populacional fundamental. A gente tem um continente como território, com uma diversidade de biomas, com possibilidade de produção agrícola diferenciada, etcétera. Quer dizer, esse tipo de recurso não é faltante, o que é necessário é a sua boa utilização, pensando num país justo, num país democrático, num país que tenha condições de atender às necessidades da sua população. Além disso, o que se diz “não, o governo não tem recursos, além do país não ter, o governo não tem”. Também é mentira! Quer dizer, os recursos do governo, eles estão aí para fazer as vontades e as necessidades de quem manda nesse governo. Esse é que é o ponto. Então, como o governo tira do Bolsa Família, tira da previdência, tira da saúde, tira da educação, mas não mexe uma palha – muito pelo contrário – só aumenta recursos de natureza financeira? Essa é a tal da armadilha do superávit primário, como eu falo. Não, o governo tem que gerar superávit. O governo tem que ser responsável fiscalmente. Que significa isso do ponto de vista concreto? Primário é um adjetivo malandro que esse povo do financeiro inventou. Porque se diz, o superávit primário é o quê? É tudo aquilo que não é financeiro. Então, eu faço um megaesforço fiscal, no sentido de comprimir despesa e, eventualmente, aumentar a receita, ultimamente não está conseguindo, para quê? Para gerar recurso para pagar juros da dívida pública. Houve, nos últimos doze meses, já pagou 352 bilhões do orçamento, que não existe, para pagar juros da dívida pública e vai pagar muito mais porque a Selic está aumentando e ela incide sobre o estoque da dívida pública, que também está aumentando. Problema não é ter dívida pública, de maneira nenhuma, problema também não é ter déficit público. A questão é saber o seguinte, se o governo quer fazer programas de políticas públicas, se ele quer responder às necessidades de investimento do país, de infraestrutura, em aumentar a capacidade de saúde, da educação, etc., isso significa gasto público e significa despesa pública, e é normal que seja assim.

Imagina a gente enfrentando essa pandemia sem que a gente tivesse o SUS, que é o Sistema Único de Saúde, que é recurso público gasto, se a gente não tivesse as universidades públicas, é recurso público gasto, só que é uma despesa que aponta para um futuro. A despesa com juros, a despesa do parasitismo, ela simplesmente serve pra aprofundar a nossa desigualdade, está certo? Então, o que acontece? Você tem um desvio da natureza da própria sociedade, com essa coisa que eu chamo da dominância do financismo. O ladislau estava contando, quer dizer, quando as empresas produtivas ou de serviços encaram essa questão do volume da taxa de juros, é um estímulo para a própria empresa deixar de produzir bens e ganhar dinheiro no financeiro.

Para que eu vou arriscar? Aumentar a minha planta, contratar um funcionário, arriscar, colocar no mercado, etc., se eu boto dinheiro no financeiro e ganho mais do que se eu tivesse a ousadia, entre aspas, de empreender e aumentar a produção de bens, e muitas empresas quebraram a cara com isso. Porque isso não tem futuro gente. Isso é uma bolha de momento, que o que falta é o elemento da regulação. O Ladislau falou a questão do crédito, da tributação, etcétera, etcétera. Muito importante, mas se não houver a regulação, nada disso funciona, está certo?

Por exemplo, a crise de 2008, 2009, que até hoje, nos Estados Unidos, depois na Europa, está influenciando a capacidade de recuperação do sistema capitalista no mundo. Ela teve, uma das suas razões, o quê? A incapacidade ou não desejo do próprio sistema financeiro de se permite regular. Por quê? Porque os bancos centrais não tinham e ainda não têm, a competência para impedir essa loucura, daquilo que a gente chama dos derivativos, do financeiro sobre o financeiro. Quer dizer, a gente tem riqueza financeira, os cálculos variam 5, 10, 15 vezes, maiores do que a a capacidade da economia real circulando no mundo e isso continua muito presente no Brasil.

Por exemplo, agora tem a PEC 23 aí, que está sendo debatida, a PEC dos precatórios. Não vamos nem entrar no mérito dela. O relator no Senado colocou, malandramente, no escondido da meia-noite, sem que ninguém visse a possibilidade do quê? Da terceirização da dívida pública e dos tributos. A tributação da União dos Estados e dos municípios. Você retira uma natureza que é fundamentalmente pública, que é arrecadar, que é gastar, tá certo, e transfere isso para o banco privado, para o agente privado, para uma instituição financeira privada. Uma loucura! A gente tem 5.600 municípios. A gente tem 26 estados, no Distrito Federal, fora a União. Os prefeitos estão com a corda no pescoço porque eles não tiveram condições, na verdade, a centralização sobre a União, etecétera, a prefeitura hoje está literalmente em dificuldades, porque ela arrecada menos, porque os impostos municipais são pequenos. Ela tem muita responsabilidade constitucional e os repasses do governo federal e dos estados também são baixos. Chega uma empresa como essa e oferece, para o prefeito: “Olha, eu compro a tua capacidade, eu compro a tua dívida, dou um desconto, um X por cento”. O prefeito acha ótimo, o dinheiro entrou no dia seguinte na conta da prefeitura, de uma coisa que ele ia demorar, provavelmente, anos ou décadas para recolher. Isso que é a mágica negativa da financeiraização.

O Paulo Guedes ofereceu o Banco do Brasil para o banco do qual ele era sócio, o BTG. O BTG comprou a carteira de crédito do Banco do Brasil com mais de 80% de deságio. Quer dizer que o banqueiro fez um mal negócio? Ele jogou dinheiro fora e ajudou o Estado brasileiro? Não! Já percebe? Quer dizer, então são instrumentos que não estão regulados, isso deveria ser proibido, tanto que eles estavam querendo colocar na própria constituição, que é uma loucura. Está certo? Mas que se o estado quer dizer não conseguir cumprir a sua função de regulador, aí a gente corre o risco do que o Ladislau falou, quer dizer, se a gente coloca o dinheiro nas instituições menores, pequenas, municipais, muita gente tem desconfiança, porque o histórico do Brasil não é muito bom nessa linha, muitas quebraram, muitas tiveram problema de corrupção, malversação de recursos e etc. Se a gente coloca uma institucionalidade, para dizer “olha, é uma função socialmente justa, é uma função importante e se quebrar a gente garante”. Porque isso eles fazem com os grandes. Eles até importam do inglês a frase too big to fail, né? Todo chique. São muito grandes para poderem quebrar. Então a gente ajuda o melaiman Brothers a não quebrar. A gente ajuda os nossos bancos aqui a não quebrarem, agora os pequenos a gente não pode ajudar, porque a gente não tem recurso. Esse é o discurso.

Ladislau Dowbor: Eu só queria lembrar que estão usando também hoje o Too big to jail, grandes demais para serem presos. Lembrem o caso do André Esteves, do BTG Pactual.

Antonio Martins: Nós vamos entrar em 2023, muito provavelmente – vocês estão falando coisas importantíssimas para o futuro – mas existe uma dívida maldita, tem 75% dos brasileiros que estão endividados. O Ladislau estava dizendo o número, não tenho de cabeça. Mas é uma parte importante que está no Serasa, que está nos órgãos de proteção, mal chamados órgãos de proteção de crédito, e que não conseguem, inclusive, manter a sua vida normal devido ao que os juros comem da sua receita. Que tipo de atitude pode ser adotada para refinanciar essa dívida, para consolidar, para garantir a essas pessoas condições de voltar a ter uma vida econômica normal? E os bancos que ganharam tanto, como o Ladislau estava falando, em cima dessas pessoas, dezenas de milhões de pessoas, milhares de empresas também e, ao entrar no banco, elas caem num buraco negro do qual dificilmente saem. Não é preciso e não é possível fazer algum tipo de política para reduzir essa dívida e alongar essa dívida de maneira de maneira compulsória? Eu lembro que o Ciro Gomes defendeu isso, e com razão, e isso gerou repercussão positiva, nos Estados Unidos se discute isso também. E no Brasil, que é um país tão endividado, de que maneira começar a desenvolver políticas para aliviar a situação dessa dívida que, para muitos, é impagável, mas vai gerando um juro que compromete a vida da pessoa e engorda o lucro dos bancos?

Ladislau Dowbor: Olha, deixa eu primeiro retomar ali linha do Paulo, certo? Nós temos que ter bancos públicos para, no mínimo, o banco público poder introduzir concorrência e evitar esse comportamento cartelizado que os bancos têm hoje. Então, temos o setor público bancário em forte, importante, tá? Dois, ter regulação. Ou seja, gerar regras do jogo que impeçam que as pessoas, as empresas, se afundem na dívida, porque com sistema, inclusive com o sistema absolutamente chocante, que é apresentar aos clientes o juro ao mês, né? Juro não existe, uma fraude. Por exemplo, esses 4% que o governo disse que ia oferecer de até 1.000 reais, para as pessoas pegarem na caixa, 4% ao mês, é 60% ao ano. Lembrando, no resto do mundo o juro, para pessoa física, é entre 3 e 5% ao ano. Essa não, é 60% ao ano.

Quer dizer, essa combinação, de você ter bancos públicos, você ter um sistema de regulação e você ter as finanças de proximidade, sistemas locais de bancos, olha, dos países que funcionam, que eu conheço, têm sistemas financeiros descentralizados, tá? Eu pego China, pego na Alemanha, Suécia e Canadá, etcétera, etcétera, o Bank of North Dakota, que a Ellen Brown traz, o que a Califórnia está decidindo agora, os chamados financiamentos éticos da França, o sistema da Espanha que o Paulo estava levantado, isso existe e funciona. Nós sabemos como fazer funcionar essas coisas. Na Polônia, a Polônia está bem, obrigado! Está péssima em termos políticos, mas em termos econômicos está muito bem, se baseia em 470 bancos cooperativos, né? Não sabemos, na realidade, o que fazer. O problema agora é conseguir a base política para essa transformação.

Agora, eu tenho muita confiança na linha do que o Paulo estava falando, nos sistemas horizontais, digamos, de dinheiro colaborativo, né? Esse tecido multiplicado. Nós temos, hoje, os 118 bancos comunitários de desenvolvimento, eu acho que é uma grande oportunidade, ainda pesa muito pouco na economia, mas a verdade é que, como diria, uma coisa imaterial, você pode fazer plataformas colaborativas. Eu pego Maricá, pego o Banco Palmas, pego tantos exemplos que nós temos no Brasil. Isso funciona. Ou seja, as pessoas estão descobrindo que elas podem desintermediar o dinheiro, esse tipo de vaquinhas, que se menciona, de que comunidades organizam, entre si, que é de tornar o dinheiro útil sem passar por atravessadores, que geram custos e lucros fenomenais para gente improdutiva. Quer dizer, a gente não precisa desses intermediários, as tecnologias devem permitir esse tipo de desintermediação radical.

Agora, tem um ponto de interrogação, para mim, esse negócio da moeda virtual, de Banco Central, isso a China já está utilizando em escala razoável, mas experimental, a Bahamas já adotou como moeda básica, certo? Nós podemos perfeitamente tirar esses esse dreno que os bancos, que os intermediários financeiros estão gerando sobre a economia do país.

Antonio Martins: Paulo.

Paulo Kliass: Eu acho que essa questão que você colocou, Antonio, que o Ladislau também apresentou, suas observações, eu acho que é importante. A ideia de ter uma relação, vamos dizer, do cidadão, da cidadã, diretamente com o poder público, com a administração direta. A gente já tem algumas experiências, por exemplo, o tesouro direto. Então, antes o cidadão precisava, queria comprar título público, etc. Então tinha que entrar num banco, tinha que entrar numa corretora, numa distribuidora, etcétera. Hoje em dia você pode entrar no site do tesouro e fazer uma compra, fazer uma venda, etcétera, que ainda é muito marginal. O colega aqui, JC Mateus Souza pergunta como fazer com que esse assunto tão complexo chegue, de maneira prática e fácil, para a população menos esclarecida. É difícil, né? Quer dizer, a gente, economista, já tem dificuldade em lidar com esses temas tão complexos, até que isso chegue realmente na ponta de uma sociedade em que a população está com um nível de carência de renda, enorme desemprego, pouca informação, deseducação, o analfabetismo funcional campeando, população morrendo na rua, sem acesso à saúde, tem uma dificuldade enorme de compreender. Quer dizer, a dinâmica desses temas que a gente está discutindo, e é normal que seja assim, a gente precisa ter essa clareza, que esse é um processo muito lento de tomada de consciência. Então, por exemplo, essa coisa, vamos fazer com que os cidadãos tenham uma conta direta no Banco Central, sem precisar de nenhuma intermediação financeira. Em tese, eu acho ótimo, mas talvez, como primeiro passo, quer dizer, você imagina um banco central, você pode imaginar que, sob um governo progressista etc e tal, o Banco do Brasil também possa cumprir essa função, a Caixa Econômica também possa cumprir essa função. Então, do ponto de vista do cidadão, eu tenho a impressão que fica um pouco fluido, se o dinheiro está na conta do Banco Central ou se está na conta do Banco do Brasil. Está na conta do governo e ele pode movimentar, fazer débitos, créditos, arranjar empréstimos, fazer transferências, você percebe? O que é importante é que a gente faça, indique uma separação entre o dinheiro que está no Itaú, no Bradesco, no Santander e o dinheiro que está em algum tipo de instituição financeira pública. E aí, seja federal, estadual ou municipal.

A gente ainda não tem, quer dizer, a experiência do municipalismo, no Brasil, acho que isso é uma discussão,, não agora, mas que a gente precisa fazer. Quer dizer, a  constituinte de 1988 tinha esse sonho. Quer dizer, ela foi a cristalização desses sonho, desses sonhos. A ideia é que na época da ditadura tudo era concentrado, então o problema era a concentração no governo federal. E a solução passaria por, de alguma maneiram, chegar próximo da população por meio da municipalização. Então veio a municipalização dos direitos, por exemplo, saúde, educação, etc., veio alguma forma de recursos, transferidos via reforma, que foi feita na época, que não foi muito boa, mas o fato concreto é que não apareceram soluções milagrosas. Você teve plebiscitos espalhados pelo Brasil inteiro, emancipando município e etcétera. Foi muito mais uma forma de atender interesses corporativos, das oligarquias locais, do que propriamente um avanço, do ponto de vista da participação democrática, do enraizamento da cidadania, etcétera.

Então, eu confesso que tenho um certo receio, por exemplo, de você ter um movimento de pulverização de bancos municipais, por exemplo. Porque a gente sabe, a dinâmica da política municipal é muito complexa, né? Quer dizer, ganha um novo prefeito, o cara muda completamente a política na prefeitura. E se você não tiver uma institucionalidade muito bem montada, uma regulação, uma garantia do governo federal, você pode fazer com que essas experiências sejam mal-sucedidas e acabem virando um contraexemplo do que a gente está querendo. Só trago esse aspecto pra gente, eventualmente, ponderar, entendeu?

Antonio Martins: Fizemos uma hora aqui de debate, acho que extremamente informativo, esclarecedor e e politicamente importante para transformar um tema que hoje é um tabu, é um não tema, praticamente, num tema do debate. Nós queremos prosseguir muito, aprofundar bastante esse assunto, assim como outros, do Resgate em 2022, que vai ser um ano extremamente intenso, do ponto de vista do debate nacional, esperamos assim, esperamos que termine muito bem. Ladislau e Paulo, últimas palavras assim, a despedida de vocês. Esse ano, esse é o último debate do Resgate sobre o sistema financeiro, mas esperamos ter muito a presença de vocês, no ano que vem, no Resgate também.

Ladislau Dowbor: Olha, eu queria agradecer o Antonio, ter feito iniciativas, com esse movimento, o Outras Palavras, extremamente importantes. O Paulo tem, eu tenho acompanhado esses artigos regularmente que ele tem publicado, esclarecido sobre isso, eu acho fundamental, esse esclarecimento que a gente está fazendo, sabe, Paulo? De dar a mais gente essa compreensão. Gente, não é tão complicado assim, tá? Agora, eu tenho muito mais confiança, Paulo, nas finanças descentralizadas, porque eu tenho acompanhado isso numerosos países, é muito rápido, digamos, mais fácil, relativamente, a população local se apropriar do controle dos recursos e, em particular, hoje, com sistemas de controle online aí. A gente tem que ter, junto com a descentralização, a regulação, o marco regulatório correspondente, certo? E como você está online, dá para acompanhar, no nível nacional, o conjunto dos fluxos, você pode gerar essa transparência. Então, ter um forte setor público, você ter um sistema de regulação e o sistema descentralizado de finanças locais, que se adaptem às diversas necessidades, muito diversificadas localmente. Eu acho que um eixo, um marco estrutural, digamos, que pode se batalhar – e isso funciona em diversos países – não é tão complexo de assimilar. Muito mais complexo é a gente tirar da frente esses caras que mantém o país. É o oitavo ano que a gente está com a economia parada, e a cada ano dizem que o ano que vem já está começando a retomada. Certo? Já é o oitavo ano, certo? Eu constatei, no último relatório de lucros do banco Itaú, que em doze meses, comparando o segundo trimestre de 2021, com segundo trimestre de 2021, aumentou os lucros fenomenais, que tinha, em 120%. Em doze meses, com a economia paralisada. Quando você enriquece muito e a economia está parada, vocês não está fomentando e tendo lucro, você está extraindo, você está empobrecendo alguém que está perdendo esse dinheiro. Isso é apropriação indébita, esse é um sistema simplesmente que que não funciona, enfim, tem sido chamado de capitalismo parasitário também. Para mim, isso é essencialmente parasita. E – deixa eu comentar, Antonio, saíram os dados aqui – os jovens, no Brasil, 31% estão desempregados. Saíram os dados também na folha, 47% dos jovens, no Brasil, querem deixar o país. Caceta, de que a gente está falando? Certo? É o oitavo ano que esses caras falando “não, porque o déficit, o superávit primário”, e olha, isso aqui é sem vergonha, porque é farsa, eles sabem desse negócio e estão se entupindo de dinheiro, dessa maneira. Francamente, nós temos que voltar ao país e o país não merece esse tipo de governo, nós já tivemos um palhaço no poder, que era o Collor, enfim… Agora voltamos com esse cara aí. Os nossos dilemas, eu volto a dizer, são essencialmente políticos. A gente sabe o que tem que ser feito.

Antonio Martins: Paulo.

Paulo Kliass: Bom, então, mais uma vez, faço minhas as palavras do Ladislau. Acho que o trabalho que vocês estão desenvolvendo, Antonio, no Outras Palavras, e nessa questão do Resgate, em particular, é muito importante. Pode parecer um pouco daquela coisa do Dom Quixote, mas a gente tem que ter essa nossa disposição, essa nossa coragem, porque eu tenho a impressão que, em algum momento, as palavras ao vento vão frutificar, elas vão convencer, elas vão se tornar, de alguma maneira, essa consciência coletiva. Eu deixo, Ladislau, a minha dúvida por seu conhecimento. Eu acho que, realmente, se a gente conseguir fazer com que esse processo de buscar o poder local, a municipalização, etc., seja positivo – e a gente tem exemplos, no país, de que isso funciona. O SUS, por exemplo, é todo montado no regime que você tem, o governo federal, estadual, municipal… e os municípios são os que aplicam, realmente, a política da saúde de família, agora a coisa da vacinação, etc. A educação, apesar de todos os problemas também. Então, eventualmente, a gente tendo regulação forte, como você diz, e impedindo a malversação por conta de eventuais rodízios das coalisões de poder, a gente consiga. Porque, realmente, quanto mais próximo da população e, agora, com essa alternativa da sofisticação tecnológica, seria, eventualmente, recursos melhor aplicados, tá certo? Para finalizar, eu acho que é importante essa conversa, porque a gente precisa também desfazer alguns mitos . Quer dizer, esses anos todos que a economia brasileira ficou submetida a esse torniquete do sistema financeiro, do superávit primário, da austeridade fiscal a qualquer custo, a gente só aprendeu que a situação piorou, a recessão foi aumentada, o desemprego foi aumentado, a desigualdade econômica e social foi aumentada, a desnacionalização da economia aumentou, a desindustrialização da economia aumentou, quer dizer, a gente só teve piora seguindo esse roteiro estabelecido pelo chamado ainda, lá em cima, chamado Consenso de Washington. Só que a grande maioria, inclusive dos países do centro do capitalismo, abandonaram isso logo depois da experiência da crise de 2008, 2009. Essa visão de que tem que comprimir gasto público, tem que privatizar, que Estado, necessariamente, é ruim, que privado, necessariamente, é bom, está se mostrando que não é verdade.

Quer dizer, os próprios Estados Unidos aumentaram a presença do estado na economia, a União Europeia também. Só que a nossa elite tupiniquim, insulada nessa ilha da fantasia do financismo, eles adoram tudo que vem dos Estados Unidos, menos isso. Amanhã vai ter reunião do COPOM, Comitê de Política Monetária, terça e quarta-feira eles se reúnem, quarta-feira, provavelmente, vão anunciar um novo aumento da Selic, para 9.25, que é uma loucura. Ela estava em 2, há dez meses atrás, ela foi multiplicada por quase 5, isso é um crime! Se eles adoram tanto os Estados Unidos, vamos pegar o que é o mandato do Banco Central de lá, que é o Fed, Federal Reserve. Eles também têm esse regime de metas de inflação, que a gente tem, mas eles têm dois mandamentos, cada vez que os dirigentes do FED tem que se reunir pra decidir a taxa deles, taxa oficial de juros, eles têm que olhar inflação, mas eles têm que olhar o nível de atividade, o emprego. Se os membros do COPOM, do Brasil, tivessem olhando o desemprego, que é monstruoso, é seguidamente monstruoso, a taxa de juros do Brasil nunca poderia ter sido subido daqueles 2%, que ela estava lá atrás. E não é tão lá atrás não, é 10 meses atrás. Mas eles dizem, não, não pode porque é inflável. A gente não está com problema de inflação, de demanda. Todo mundo sabe disso. Está certo? Quer dizer, então essa decisão de amanhã, por exemplo, é um exemplo, mais um, desculpa, dois exemplos, de que se você tem uma orientação de política econômica diferente, se você tem um governo diferente, que está preocupado com o desenvolvimento do país, com a questão da desigualdade e com o futuro, não poderia estar corroborando esse tipo de política monetária.

Antonio Martins: Obrigado, Paulo. Eu queria convidar vocês, e quem está nos assistindo, para o próximo debate do Resgate, é quarta-feira, também às 19h, um tema importantíssimo, a formulação política a partir das periferias. Tiaraju D’Andréia, que é o coordenador do Centro de Estudos Periféricos, com o livro que ele está lançando, Reflexões Periféricas, com alternativas construídas a partir de debates na periferia, com a deputada Mônica Francisco, do Rio, e com a Sônia Fleury, que é coordenadora do dicionário Marielle Franco das Favelas.

E muito importante esse debate, Ladislau e Paulo! Muito obrigado por terem ajudado tanto o Resgate, eu acho que, nesse esforço que a gente tem feito, e que esperamos que frutifique mais ainda no ano que vem, que é de debater, a partir da sociedade, alternativas para o país. Nesse debate vocês colocaram uma pedra muito importante nesse mosaico, hoje. É um tema pouquíssimo debatido, os meios de comunicação tradicional fogem dele completamente, para eles, o sistema bancário sempre foi assim, o sistema financeiro sempre foi assim e o mundo vai terminar e ele vai continuar assim, mas eu acho que vocês trouxeram muita informação e muita análise sobre como é possível mexer nisso também. Esperamos prosseguir nesse debate, em 2022, e contar com vocês. Muito obrigado por vocês dois! E muito obrigado a você que assistiu mais essa sessão do Resgate, também. Boa noite, pessoal.

Paulo Kliass: Obrigado, boa noite, obrigado.

Ladislau Dowbor: Um grande abraço, Paulo, bom te rever, Antonio.

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3 comentários para "Resgate: como fazer a reforma financeira e bancária?"

  1. Diego Sonna disse:

    Parabéns pela iniciativa deste debate fundamental neste país de tantas injustiças e desigualdades criminosas que congelam a sociedade em estruturas arcaicas e revoltantes. Que seja um amplo espaço e que estas ideias incitem acoes concretas para destravas estas amarras tão nefastas no país!! Sou economista filho da PUC-SP, leitor e fan do Prof Dowbor e gostaria muito de poder me aproximar e poder colaborar de alguma forma com este assunto tão urgente. Deixo ai meu interesse e parabéns pela iniciativa do Outras Palavras!!

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