Poemanifesto dos afetos
“Pela coragem do encontro com o outro qualquer que seja / esse outro contanto que potencialize a vida a vida a vida / a vida a vida”
Publicado 19/10/2016 às 16:49 - Atualizado 15/01/2019 às 17:35
Por Luciana Tonelli | Imagem: Tunga
pela manifestança da vida em todas as suas mininfestações
esta é uma brigada de combate ao medo: contra o medo
séculos de medo que geram a célula ensimesmada sempre
refratária ao outro sempre enfraquecendo sua semente
de coragem por não ver nela lucro imediato garantias
imediatas sossego imediato. para longe lancemos para bem
longe o medo o mesmo medo que faz de um grupo de
pessoas seja lá qual for seu laço um enlace para a guerra
uma aliança isolada incapaz de qualquer construção
coletiva porque narcísica.
pela coragem do encontro com o outro qualquer que seja
esse outro contanto que potencialize a vida a vida a vida
a vida a vida.
aqui seguimos livres de culpa: livres da ancestral culpa
que nos imputam os fundamentalismos de direitas de
esquerdas de certezas enrijecidas sigamos livres de suas
máquinas de endurecimento a invadir nosso centro
a entulhar de compromissos nosso desejo. sigamos
resistindo às invasões sigamos livres das prisões do
pensamento sigamos atentos. aqui esvaziamos de poder
fascismos usurpadores de energia vital fomento de miséria
material e simbólica. aqui gargalhamos de todo e qualquer
dogma aqui celebramos a alegria a festa o fluxo da vida.
pela liberdade de escolher e fazer da forma mais atrapalhada
contanto que cedendo a um impulso de vida
de vida de vida de vida de vida.
se ainda há ira brademos contra a razão hipertrofiada
do patriarcado que há séculos ignora subestima submete
toda diferença todo desencaixe tudo o que não cabe em
sua planilha de orçamento a um pensamento de cimento
armado. raza razão logocêntrica a promover a disputa
por cada palmo de qualquer que seja o espaço a expedir
certificados para o inaceitável a intimidar a fala que não
nasce de seus formatos fechados. contra ingenuamente
contra como uma criança como um palhaço como um
louco e seu cão se manifestariam contra contra o jogo
de retóricas vazias e cheias de promessas facilmente
desmontáveis por crianças palhaços loucos e cães
movimentando apenas olhos e caudas.
pela palavra que surge inteira de nossos corpos fazendo
vibrar nossos pensamentos preenchendo-os de vida
de vida de vida de vida de vida.
se há desejo de vingança maquinemos nosso olhar frio
opaco irredutível olhar-bomba e o lancemos com frieza
de estrategista sobre o aparato político econômico
midiático que sustenta a farsa do capital e continua seu
trabalho de lobotomia: terroristas travestidos de estadistas
e vorazes capitalistas na pele de homens de carne e
sangue. sendo inócua nossa indignação contra a ganância
e o capital desprezo pela vida gritemos contra a burrice
a suprema burrice dos homens que fazem as guerras e
pensam em sair ilesos em seus helicópteros.
pela lucidez de enxergar onde é gestada a morte e manter
vivo em nossas mentes em nossos corações o desejo de
fortalecer a vida a vida a vida a vida a vida.
brindemos à saúde plena saúde livre de medos e culpas
saúde que traz em si a alegria e a amizade e o espanto
e a capacidade de se indignar perante o que parece inevitável
o que diz a lei o que dita o dito o que determina o
destino de uma civilização enferma. brindemos à saúde
das relações. que os corpos coletivos não sucumbam
perante disputas egoísmos pequenas mesquinharias que
se instalam em seus entres. que saibamos seguir adiante e
fazer a louvação quando a tristeza pesar no ventre. fazer a
louvação do que deve ser louvado.
pela poesia que se instala no cotidiano e inaugura novos
espaços de existência e irriga o pensamento e não deixa
que ele se enrijeça e intensifica a vivência do tempo e
lembra ao homem seus valores mais vitais. pela poesia
capaz de realizar a mais alta potência da arte: a reinvenção
da vida.
pela poesia utopia ativa no presente
pela revolução imanente
Os escritos de Luciana Tomeli transforma o leitor em compositor de seus próprios pensamentos
Que texto bonito, um dos mais belos e fortes que li nos últimos tempos!
Celebrar a coragem e os encontros é celebrar a vida…
“pela liberdade de escolher e fazer da forma mais atrapalhada
contanto que cedendo a um impulso de vida
de vida de vida de vida de vida.”
Eu precisava ler isso…
Uma coincidência?
Nesta semana li um texto de Márcia Tiburi na edição 217 da Cult…
Duas mulheres celebrando a coragem…
Aqui, alguns trechos da filósofa…
“Cada época tem seu páthos, uma espécie de energia psíquica que determina formas de agir e de pensar. O ódio, que tem servido para explicar gestos e ações violentos, é produzido e reproduzido socialmente por meio de discursos imagéticos e verbais cuja base é o medo. […] É como se o ódio fosse uma espécie de segurança, uma proteção imediata contra o que mete medo.
[…]
“Perguntar o que foi feito da coragem não é apenas uma provocação filosófica, é uma exigência – ou urgência – genealógica de nosso tempo. No processo de esfriamento do conhecimento, o elogio das virtudes foi sendo apagado, como tudo aquilo que no paganismo era ainda muito vivo: o corpo. Ora, a coragem é uma postura afetiva relativa a um corpo. Corajoso é aquele que enfrenta algo temível. Enfrenta-o, pois, quem não foi docilizado.
[…]
“A história do crescimento do medo e do arrefecimento da coragem em tudo tem a ver com o avanço prático da racionalidade e do cristianismo que priorizou a compaixão e a piedade contra a barbárie, mas também conta a luta.
[…]
“Poder é o nome político da racionalidade. A frieza de um lado e a docilidade de outro são medidas que fazem parte de sua economia: a frieza garante a aplicação de penalidades e da matança necessária […]. A docilidade, contudo, economiza munição.”
Luciana Tonelli e Márcia Tiburi…
Duas mulheres de coragem à flor da pele…