Em Ronaldo Lima Lins, diálogo com a razão e seu duplo

No mundo contemporâneo – onde impera em todos os recantos sociais, a razão cínica – a frágil fronteira entre a verdade e a mentira, entre o falso e o verdadeiro, deve ser muito bem pesada e pensada

161021-mascara

.

.

Por Sérgio da Fonseca Amaral

Essa é uma introdução ao ensaio “Verdade. Que mentira…”, do livro “O felino predador: ensaio sobre o livro maldito da verdade”, de Ronaldo Lima Lins. Para ler o texto original, clique aqui

Leia o perfil do autor Ronaldo Lima Lins e a resenha de “Jacques e a Revolução”, sua obra em cartaz no Rio

Jacques e a revolução e o abre-alas do seu autor

Outras Palavras publica o segundo texto da pequena série sobre o escritor, ensaísta, poeta e dramaturgo Ronaldo Lima Lins, autor da peça “Jacques e a revolução ou Como o criado aprendeu as lições de Diderot”.

A série coincide com a temporada da peça no Parque das Ruínas (Rio de Janeiro), durante todo o mês de outubro. Procura-se, de algum modo, desenvolver espécie de um programa de teatro online, aberto ao público leitor deste site. (Theotônio de Paiva)

***

Ronaldo Lima Lins é um autor pródigo e um homem incansável: professor, profissão, parece, mal vista nestes tempos que correm, é escritor de diversos gêneros de escrita: de ensaios a peças teatrais, da narrativas à poesia.

Com um livro sobre o teatro de Nelson Rodrigues, leitor de Beckett, e um ardoroso vínculo com a tradição intelectual francesa, seja moderna, com Sartre, um de seus ícones, ou antiga – com especial atenção voltada ao século XVIII e aos tempos da revolução francesa –, Ronaldo tem em Diderot e Rousseau duas grandes referências. Daquele tomou emprestado a personagem Jacques, modernizando-a na peça Jacques e a revolução, ou como o criado aprendeu as lições de Diderot, trazendo-o aos nossos tempos para abordar uma temática que o acompanha e faz cócegas em seu espírito: a questão da verdade, mentira e o vinculo inerente às duas: a astúcia (ou brasileiramente falado, a malandragem ou a esperteza).

Sobre isso trata o ensaio “Verdade, que mentira”, do livro O felino predador: ensaio sobre o livro maldito da verdade, de 2002, que pelo título o leitor já é mergulhado num tema tão controverso. No mundo contemporâneo – onde impera em todos os recantos sociais, sobretudo na mídia reverberatória da fala do poder, a razão cínica, já analisada por Peter Slortedijk em A crítica da razão cínica – a frágil fronteira entre a verdade e a mentira, entre o falso e o verdadeiro, deve ser muito bem pesada e pensada. Depois de um longo tempo atacando a ideia de verdade, os pensadores, de modo geral, deveriam reexaminá-la para distinguir quais verdades não existem e quais deveriam existir. O clarão de um certo jornalismo televisivo hegemônico nos leva a sentir nostalgia de algum tempo em que seria imperioso separar nitidamente a verdade da mentira e não embaralhá-las ao ponto de não sabermos mais o que é uma coisa e outra. A angústia de saber que está sendo ludibriado deixa alguns telespectadores matutando: que mundo é esse em que verdade e mentira formam um monstrengo a partir de pedaços recombinados? Mesmo apontando a interconexão radical entre uma e outra, é disso que trata “Verdade, que mentira”, pois, há no ensaio o vislumbre de que nossa tragédia se dá no momento em que nos cegamos nos fios emaranhados de verdades e mentiras, transformando a sociedade num labirinto infernal, sem saída, rumo a caminhos cada vez mais obscuros, trevosos, onde personas com suas máscaras irreconhecíveis terminam sendo os arautos das verdades falsas e das falsas verdades, ao mesmo tempo que escondem e escamoteiam as verdadeiras mentiras, as verdadeiras verdades e as mentiras verdadeiras. Uma outra tríade que poderia ser incluída no instigante ensaio de Ronaldo Lima Lins “Verdade, que mentira”.

Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *